Empresas de diferentes setores têm revisitado suas culturas para fortalecer o vínculo entre propósito e estratégia. O objetivo é construir ambientes capazes de sustentar resultados consistentes. Lideranças de RH reforçam que a cultura não nasce de campanhas inspiradoras, mas de comportamentos cotidianos alinhados aos valores que a organização declara.
Nesta reportagem da Plataforma Melhor RH, os entrevistados indicam que o propósito se torna real quando orienta decisões difíceis. Culturas maduras possuem rituais, conversas e indicadores que sustentam a prática diária e evitam distâncias entre narrativa e realidade.
Pequenas decisões repetidas diariamente

O especialista em comunicação e atitude para lideranças em transformação Eduardo Zugaib destaca que a cultura com propósito cresce a partir de pequenas decisões repetidas diariamente. “Mudanças culturais não ocorrem em grandes palcos, mas nos corredores, onde escolhas discretas moldam a identidade organizacional.”
Zugaib explica que algumas empresas ainda confundem reputação com narrativa, priorizando discursos inspiradores sem consolidar comportamentos coerentes. Para ele, “coerência sustenta relações de confiança e permite que o propósito seja percebido interna e externamente.”
Ele ainda reforça que culturas sólidas não se constroem por imposição, mas por estímulo contínuo, capaz de encorajar pequenas atitudes que se acumulam e formam novos padrões coletivos. Zugaib destaca que mudanças culturais sustentáveis dependem de líderes atentos aos detalhes. “Desde reconhecer avanços discretos até incentivar comportamentos que, embora simples, carregam grande poder simbólico”, aponta. Para o especialista, organizações que valorizam esse microciclo de ações cotidianas criam ambientes mais confiáveis, com colaboradores que enxergam propósito não como promessa distante, mas como prática visível na rotina.
Inspirar o mundo com uma pegada mais leve

O vice-presidente de Pessoas e Gestão da Alpargatas, Marco Aurélio Vidal, explica que a revisão cultural iniciada em 2024 fortaleceu a competitividade global da empresa. “A nova visão ‘inspirar o mundo com uma pegada mais leve’ conecta história, ambição internacional e responsabilidade colaborativa”, relata.
A cultura da Alpargatas estruturou-se sobre três pilares: inspirados pelos consumidores, caminhamos juntos e fazemos acontecer. “Esses elementos orientam decisões e garantem sintonia entre inovação, eficiência e colaboração global”, detalha Vidal.
O VP da Alpargatas reforça que a liderança desempenha papel central na disseminação da cultura, atuando como exemplo e multiplicadora de comportamentos esperados. “A empresa estruturou rituais, treinamentos e experiências que reforçam a coerência.”
Segundo o executivo, o programa de diversidade Allpa complementa a estratégia cultural ao reforçar representatividade, equidade e impactos ambientais positivos. “Metas ambiciosas fortalecem a visão de que cultura inclui responsabilidade social ampla”, atesta.
Cultura com propósito fortalece uma liderança consciente

Na iD/TBWA, Adriely Pogianeli, gerente de RH, afirma que desenvolvimento humano e diversidade fazem parte de um mesmo movimento cultural. Segundo ela, “a integração desses pilares fortalece uma liderança consciente e conectada aos desafios contemporâneos.”
Adriely cita programas como o iGrow/Tecer que criaram espaços de diálogo entre níveis hierárquicos, aprofundando a consciência sobre cultura e cuidado. “O movimento ampliou escuta, colaboração e equilíbrio entre bem-estar e entrega”, atesta.
O programa iDversa/Létra conduziu letramento racial e reflexão sobre responsabilidade social das lideranças. “A iniciativa provocou mudanças práticas e ampliou consciência estrutural sobre diversidade”, destaca.
A agência de propaganda atingiu 56,9% de mulheres na liderança e 40% de profissionais negros. Segundo Adriely, esses resultados refletem políticas afirmativas e rituais de liderança que integram cultura e performance.
Propósito Bem Estar Bem orienta decisões que conectam cuidado, regeneração e desempenho

Na Natura, a diretora de Cultura, Desenvolvimento, DE&I e Bem-estar, Patrícia Bobbato, explica que o propósito Bem Estar Bem orienta decisões que conectam cuidado, regeneração e desempenho. “O propósito funciona como lente estratégica e não como slogan”, reforça.
Segundo Patrícia, programas como o Movimento de Liderança Regenerativa fortalecem competências de autoconhecimento, empatia e segurança psicológica. “Esses pilares sustentam coerência entre propósito e cultura.”
A Natura monitora engajamento, clima e saúde emocional com rigor semelhante ao de indicadores financeiros. Patrícia conta que uma parceria com a Universidade de Oxford busca evidências científicas que conectem bem-estar e desempenho. “Parte da remuneração variável da liderança é vinculada a metas de diversidade, reforçando a transversalidade do propósito. Pessoas e equidade integram decisões de carreira na empresa.”
Inovação em mentalidade e comportamento

Na Volkswagen Financial Services, Luis Fabiano Alves Penteado, diretor de Pessoas, Jurídico e Relações Governamentais, destaca que a transformação cultural iniciada em 2019 foi essencial para a evolução estratégica. “A mudança exigiu inovação em mentalidade e comportamento”, relata.
A área de RH estruturou políticas que equilibram remuneração justa, flexibilidade e desenvolvimento contínuo. “A cultura tornou-se eixo para atrair e reter talentos alinhados ao novo modelo mental”, esclarece Penteado.
Segundo o diretor de Pessoas, o turnover baixo é um dos indicadores mais significativos. “Profissionais permanecem longos períodos por conexão real com valores e práticas da empresa”, garante.
Cultura com propósito evita o purpose washing
Penteado revela que a avaliação de desempenho passou a equilibrar entregas e competências, valorizando comportamentos coerentes com o propósito. “O modelo reforça reconhecimento e desenvolvimento consistente.”
De acordo com o executivo, o propósito também orienta uma governança transparente, evitando riscos de purpose washing. “A Volkswagen Financial Services prioriza ações rastreáveis e comunicação baseada em evidências”, comenta.
Cultura do cuidado

A diretora de Gente e Cultura da Porto, Patrícia Coimbra, afirma que o cuidado é mais do que um valor institucional: é a força que orienta decisões, comportamentos e prioridades da companhia. Ela explica que a cultura da Porto nasceu dessa lógica — primeiro se cuida, depois se faz o negócio — e que essa forma de operar estrutura relações com colaboradores, prestadores, corretores e clientes.
Segundo Patrícia, o “Jeito Porto” se apoia em três pilares inegociáveis: genuíno interesse, encantamento e atitudes resolutivas. Essas diretrizes funcionam como bússola para interações internas e externas e sempre estiveram presentes na história da empresa. “Elas continuam a orientar o ciclo estratégico atual, reforçando que o que nos trouxe até aqui, nos levará adiante”.
A executiva destaca que a coerência entre cultura e estratégia exige disciplina, transparência e rituais consistentes. “Em uma organização com mais de 14 mil colaboradores, o cuidado se manifesta em práticas como reuniões abertas com o CEO, rituais mensais de liderança, pesquisas recorrentes de clima e um amplo sistema de escutas presenciais e digitais”, enumera.
Patrícia reforça que cultura só se sustenta quando existe um ambiente em que as pessoas se sentem ouvidas. “E quando a organização responde, ajusta rotas e comunica decisões com clareza. Esse ciclo permanente de conversa, escuta e ação é tratado como componente estruturante da gestão”, esclarece.
Desenvolvimento, competências e rituais que mantêm o propósito vivo

A gerente de DHO da Porto, Camila Rosolino, complementa o ponto de Patrícia ao afirmar que o cuidado aparece de maneira concreta nas metodologias de desenvolvimento. Ela ainda ressalta que as competências orientam o desempenho.
Segundo a gestora, a Porto revisitou recentemente seu conjunto de competências por meio de um processo profundamente participativo. Colaboradores de diferentes áreas foram consultados para garantir que cada comportamento desejado fosse compreendido na prática.
Camila afirma que “não faz sentido escrever competências do escritório se quem vive o atendimento na ponta não se reconhece nelas”. Assim, as competências atuais, como olhar para tudo, entregar valor, jogar junto, deixa comigo, vai além e gera potência, surgiram de conversas reais, escutas coletivas e experimentação.
Lideranças devem criar espaço para diálogo honesto
A gerente de Desenvolvimento Humano e Organizacional reforça que cada pessoa aprende de um jeito. Por esse motivo, a Porto combina trilhas formais, rodas de conversa, experiências práticas, mentoria, coaching e programas como o Mais Porto e o LOAD para sustentar o desenvolvimento contínuo.
Para Camila, o papel da liderança é decisivo: líderes precisam criar espaço para o diálogo honesto, estimular trocas entre pares e promover ambientes seguros para aprendizagem. “Isso fortalece o vínculo entre cultura e estratégia, além de preparar a organização para desafios emergentes, como a integração de novas tecnologias e o uso da inteligência artificial nos processos”, conclui.
| Diversidade, equidade e inclusão são ingredientes essenciais para o desenvolvimento da cultura organizacional com propósito. Para ampliar as discussões apresentadas nesta reportagem, a Plataforma Melhor RH realiza, nos dias 8 e 9 de dezembro, o 5º Fórum Melhor RH Diversidade & Inclusão. Serão dois dias de muito conteúdo e conhecimento para os profissionais de RH que buscam exemplos para implantar uma política consistente de Diversidade, Equidade e Inclusão. Acesse o hotsite do evento e faça sua inscrição. |
