A aplicação da gestão de projetos ao Treinamento e Desenvolvimento vem ganhando espaço nas organizações brasileiras nos últimos anos. Antes tratadas como agendas contínuas de cursos, as iniciativas de aprendizagem passam a ser estruturadas como projetos estratégicos.
Essa mudança envolve definição clara de escopo, cronograma, responsáveis, indicadores e governança ao longo de toda execução. O objetivo é ampliar previsibilidade, mensurar impacto e conectar desenvolvimento de pessoas às prioridades do negócio. Com isso, o T&D assume papel mais estratégico na execução das transformações organizacionais em curso.
Segundo especialistas, projetos bem-sucedidos precisam gerar valor, desenvolver pessoas e sustentar capacidades organizacionais. Nesse contexto, aprendizagem, cultura e liderança tornam-se dimensões centrais da gestão de projetos. Essa convergência aproxima naturalmente áreas de Projetos, RH e Desenvolvimento Organizacional.
Gestão de projetos além do controle técnico

de projetos ajuda o T&D a definir
escopo, stakeholders, métricas, riscos
e impacto”
Para Carolina Latorre, diretora executiva do PMI, o gerenciamento de projetos tornou-se prática estratégica de mudança organizacional. “Observamos que ambientes de negócios mais dinâmicos exigem que projetos entreguem valor, desenvolvam pessoas e capacidades sustentáveis”, afirma.
Segundo ela, essa transformação amplia o papel do gerente de projetos para além da execução técnica.
O PMI estrutura essa visão por meio do chamado triângulo de talentos. O modelo integra competências técnicas, habilidades humanas e visão de negócio de forma equilibrada. “O gerenciamento de projetos não é uma disciplina limitada a conceitos técnicos, mas uma função estratégica e humana”, destaca Carolina.
Ela explica que habilidades como comunicação, liderança e negociação são essenciais para o sucesso dos projetos. Outro pilar fundamental é o business acumen, que conecta projetos à estratégia organizacional.
Essa combinação fortalece a convergência entre gestão de projetos e desenvolvimento humano nas empresas. “Nesse cenário, iniciativas de T&D passam naturalmente a ser estruturadas como projetos estratégicos”, conceitua.
Quando o T&D passa a ser tratado como projeto
Segundo a diretora executiva do PMI, o uso da gestão de projetos nas áreas de T&D representa um amadurecimento da função. “O gerenciamento de projetos ajuda o T&D a definir escopo, stakeholders, métricas, riscos e impacto”, afirma Carolina.
Dessa forma, a área deixa de atuar apenas como suporte operacional de treinamentos. A aprendizagem passa a ser tratada como iniciativa estratégica de geração de valor organizacional. “Essa abordagem fortalece o alinhamento entre desenvolvimento de competências e resultados do negócio”, garante Carolina.
A lógica de projeto também contribui para a mensuração do retorno sobre investimento em aprendizagem. Segundo a executiva, indicadores deixam de focar apenas volume de treinamentos realizados ou participantes inscritos. “Métricas passam a considerar desempenho, produtividade, engajamento e impacto nos indicadores estratégicos. Essa disciplina amplia transparência sobre investimentos em desenvolvimento de pessoas. Além disso, fortalece a governança e a credibilidade do T&D junto à liderança.“
T&D como projeto estratégico da rede de concessionárias

ter gestão de projeto, não pode ser
algo aleatório”
Na Ford, a gestão de projetos foi decisiva para estruturar o Novo Processo de Vendas. Segundo Karine Koga, gerente de Treinamento e Experiência para a América do Sul, a mudança ocorreu em 2021.
A reestruturação global da companhia exigiu revisão profunda do processo de vendas das concessionárias. “O treinamento precisava ser bem estruturado, com novos conceitos, capilaridade e acompanhamento”, explica Karine Koga.
Segundo ela, o programa foi tratado desde o início como um projeto estratégico. A empresa adotou plataforma gamificada, cronograma definido, comunicação estruturada e métricas claras de acompanhamento. “Para mim, treinamento tem que ter gestão de projeto, não pode ser algo aleatório”, afirma.
Ela ainda destaca a importância de definir objetivos, público, ações, prazos e indicadores. “Essa estrutura permitiu acompanhar adesão, engajamento e evolução do desempenho ao longo do tempo. O modelo passou a orientar todos os projetos de treinamento da área”, relata.
Métricas, governança e sustentação dos resultados
A definição clara de escopo e prazos contribuiu para ampliar significativamente a adesão aos treinamentos. “Quando o escopo é transparente, todos sabem quando começa, quando termina e quais são os prazos”, diz Karine.
Atualmente, cerca de 97% da base de vendedores e gerentes conclui os treinamentos. A principal métrica de acompanhamento na Ford é o Net Promoter Score. Desde 2021, o NPS da rede acumulou crescimento de aproximadamente vinte pontos, segundo Karine.
A governança do projeto inclui reuniões mensais com lideranças regionais e globais da companhia.
Também há interlocução constante com a ABRADIF, associação que representa os concessionários Ford no Brasil. “A governança é mensal, com acompanhamento de cada projeto e de todas as métricas”, explica.
Segundo a executiva, auditorias semestrais verificam a aplicação prática dos processos nas concessionárias. O modelo garante sustentação dos resultados ao longo do tempo.
Gestão de projetos também transforma o RH

projetos contam com documentação,
responsáveis e entregas bem
definidas”
Na Leão Alimentos e Bebidas, a gestão de projetos aplicada ao RH ocorre por meio do LabTech. Segundo Danielli Bortolamedi, head de Desenvolvimento Organizacional e Institucional, o laboratório atua como hub interno. “Não temos um PMO formal, mas o LabTech faz a gestão dos projetos”, afirma.
Segundo a executiva, as iniciativas integram RH, tecnologia, ESG e segurança de forma multidisciplinar. “Todos os projetos contam com documentação, responsáveis e entregas bem definidas”, comenta.
Entre os projetos conduzidos estão automação de movimentações internas, gestão de terceiros e painéis de indicadores. “O LabTech reúne profissionais de diferentes áreas para desenvolver e implementar as soluções. Essa estrutura garante maior organização, previsibilidade e integração entre projetos e estratégia.”
De acordo com Danielli, a lógica de projetos fortalece a governança das iniciativas de desenvolvimento organizacional. Além disso, amplia a maturidade do RH como agente de transformação.
Aprendizagem como projeto estratégico e adaptável
Para Carolina Latorre, do PMI, frameworks como PMBOK 7, ágil e híbrido são adaptáveis ao T&D. “O PMBOK prioriza entrega de valor e desempenho, em vez de processos rígidos”, afirma.
Essas abordagens favorecem flexibilidade, adaptação contínua e foco em resultados. Ela alerta que tratar T&D apenas como cursos isolados é um erro recorrente. “A ausência de métricas e gestão da mudança reduz a eficácia das iniciativas”, diz.
Segundo a executiva, o futuro da gestão de projetos aplicada ao T&D envolve uso intensivo de dados e inteligência artificial. “Essas tecnologias permitirão personalizar trilhas de aprendizagem e medir impacto em tempo real. A integração entre aprendizagem, projetos e estratégia tende a se aprofundar. Nesse cenário, o T&D consolida-se como pilar da execução organizacional. Aprender passa a ser, definitivamente, um projeto estratégico de geração de valor”, conclui.
