Dorival Donadão é consultor em gestão e desenvolvimento humano |
O falecimento precoce, aos 55 anos, de um grande amigo, Eduardo Bom Angelo, e o reencontro com um texto marcante do Rubem Alves provocam algumas reflexões sobre o peso que atribuímos, muitas vezes erradamente, a fatos da vida cotidiana e ao ritmo frenético da grande cidade.
Afinal, qual a essência desse cotidiano atropelante e desequilibrado em que vivemos?
Estamos prestando atenção ao crescente roubo de nosso tempo (e paciência), por questões menores e mesquinhas? Como anda a disputa entre o avançar do relógio e a nossa inegável perda de controle do que é de fato importante na vida e o que é descartável?
Diante dessa inquietude é bom reler Rubem Alves e o texto redescoberto pela Vera, uma colega de trabalho, O tempo e as jabuticabas:
“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas… percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de ‘confrontação’, onde ‘tiramos fatos a limpo’.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: ‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa… Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente
humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos , não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.
O essencial faz a vida valer a pena.”
#L# Curioso como é crescente o risco de perdermos a sensibilidade e o juízo de valor sobre a essência da vida. Talvez seja culpa do excesso de consumo, dos apelos novidadeiros, da banalização do tédio. Mil culpas, nenhuma convincente. A grande verdade é que, como dizia o sábio Nelson Rodrigues, “nada nos humilha mais do que a coragem alheia”.
E é preciso muita coragem para resgatar e viver a essência do que somos. E curtir devidamente as jabuticabas da vida… antes que, como dizia Vinicius, o inesperado faça uma surpresa.
Obs.: Dedicado ao Eba, amigo e parceiro.