Artigo publicado pela primeira vez no dia 12/09/2014
Dorival Donadão é consultor em gestão e desenvolvimento humano / Crédito: Divulgação |
Recentemente participamos de um briefing numa grande empresa que decidiu redirecionar seu posicionamento de negócio, enfatizando uma proposta de valor baseada em servir o cliente. Até aí, nenhuma novidade. Muitas organizações, ao fazer os exercícios de revisão estratégica, percebem a necessidade de clarificar, de forma enfática, sua vocação para o serviço e orientação aos clientes, diminuindo (mas não muito) a ênfase em excelência operacional (foco nos processos) ou inovação distintiva (foco na criação do chamado “oceano azul”). A intenção é deixar explícita a escolha norteadora do negócio para a proximidade, interação e atendimento das necessidades e demandas de solução para o cliente.
A primeira decorrência dessa escolha é bastante conhecida: é fundamental adaptar o modelo de gestão, as operações, políticas e procedimentos para que o fluxo de decisão seja coerente com a proposta de valor. Exemplificando: os funcionários da ponta, aqueles que têm contato mais frequente com os clientes, deverão ser retreinados para a observância do serviço como a âncora de relacionamento e força competitiva do negócio. É claro que o exemplo citado não esgota o cardápio de providências a serem tomadas. Um sem-número de políticas, diretrizes, normas de conduta, guias e manuais de atendimento terão de ser revistos à luz do novo posicionamento estratégico.
E a “lição de casa” mal começou. Nos primeiros ciclos de convivência com a nova orientação (os primeiros meses de “entrega” da proposta de valor reconfigurada), o próprio efeito da mudança é positivo e estimulador. Aumenta o índice de satisfação e de aprovação do cliente e a força de trabalho ganha novas competências no ato de servir. Mas, sem querer desestimular essa evolução, é bem possível que surjam as aves de mau agouro, os guardiões do passado, quando a empresa não gastava tanto para atender o cliente e, mesmo assim, tinha boas fatias de mercado.
Para que, então, todo esse alvoroço? Será que não estamos descuidando da rentabilidade quando transferimos poder aos funcionários da ponta, aqueles que não têm noção de custo/benefício e acabam “mimando” o cliente com decisões onerosas? Esse movimento, que não é raro de acontecer, sinaliza um aspecto típico da chamada contracultura: os solapadores de uma nova ordem cultural que, de alguma forma, muda as relações de poder, colocando a luz e a recompensa em outros segmentos de funcionários e, pior ainda, questiona a estrutura de comando e controle.
Nesse ponto, chegamos ao cerne do problema: nenhuma empresa redireciona, com vigor, sua proposta de valor se não mudar, com igual vigor, o modelo mental predominante. A atitude constrói a cultura. Se a intenção é redirecionar a cultura (para o ato e o valor de servir) é essencial mobilizar o estímulo para um novo rol de atitudes. Complicado? Bastante. Possível? Com certeza.