BlogaRH

A crise e os deveres dos líderes

Neste momento, assistimos a uma rápida mudança nas maneiras de produzir, novas regras de comportamento se impõem e o trabalho remoto ganha potência. E exercício da liderança passa a ser crítico

de Rosa Bernhoeft em 29 de abril de 2020

Até o final de 2019, havia no Brasil uma sensação de otimismo, de que a recuperação da economia estava levando empresas a iniciar ou reforçar seus investimentos para aproveitar as oportunidades.

Em alguns meses, esse cenário mudou de forma brutal; instalou-se uma crise global que afetou os mercados, a produção e alterou radicalmente a vida das pessoas. Ainda que alguns setores econômicos tenham se mantido em funcionamento, a maior parte sofreu restrições ou esteve absolutamente parada com riscos reais de não sobreviver.

Como reflexo, assistimos a uma rápida reorganização dos recursos; surgem novas maneiras de produzir, novas regras de comportamento se impõem e o trabalho remoto, isolado, porém em rede, ganha potência. Diante disso, fica evidente a importância crucial da figura do líder, independentemente de organizações, títulos, níveis ou cargos. Passa a ser crítico, a partir de agora, o exercício da liderança.

Do líder é exigido que traga consigo a percepção, sensibilidade e conhecimento do momento presente, reconhecendo o nível de criticidade e risco para todos e que assuma a responsabilidade e a coragem de fazer frente às adversidades. O líder tomará nas mãos o rumo das coisas e o êxito individual, coletivo ou do negócio, estará apoiado na clareza e objetividade da leitura que faz da situação, na maneira como compartilha informações e dados, e na apresentação de propostas que proponham soluções.

Os líderes têm de desenvolver um novo jeito de se comunicar, de se relacionar e operar consigo, com a empresa e a sociedade

A crise gerou mudanças irreversíveis e obriga os líderes a um novo jeito de se comunicar, de se relacionar e operar consigo, com a empresa e com a sociedade. Muitos paradigmas, que antes direcionavam os negócios e eram critérios de valorização, estão, na prática, se quebrando. Sabemos que as formulações econômicas futuras terão de incluir a dimensão social, que as soluções eficazes deverão ser sustentáveis, que o cliente que emerge da crise será mais cauteloso e exigente, que fornecedores que antes estavam longe, poderão agora ser locais.

Essas e outras mudanças, produtos da crise, desafiam o líder a desenvolver alguns atributos que lhe permitam controlar, mitigar e solucionar os dois efeitos perversos dessas quebras de paradigma: destruir recursos e destruir pessoas. Na prática, o líder deverá estar atento a várias competências para que possa ser efetivo e protagonista das soluções.

Criar aderência e comprometimento com a missão

Para isso, terá de ser capaz de evidenciar sua intenção positiva. Deverá questionar “para quê” e “para quem” serão os benefícios a serem criados com o esforço e participação de todos. Deverá praticar a escuta e acolher as palavras de colaboradores e participantes dando encaminhamento e reconhecimento à contribuição de cada um.

O líder terá de dar foco e fazer conhecer o rumo, para manter o grupo presente ao longo da jornada. Deverá manter a coerência e a congruência para gerar confiança, ao mesmo tempo em que declara o que precisa ou o que não sabe, sendo humilde ao aprender. Será necessário demostrar gratidão, saber agradecer.

A liderança deverá praticar a escuta e acolher as palavras de colaboradores, reconhecendo a contribuição de cada um

Orientar para resultados

As reuniões de trabalho continuam acontecendo, porém agora de forma remota. As dinâmicas desses encontros são bastante diferentes e requerem de líderes e liderados desenvolver novas competências. Passa a ser necessário raciocinar a partir de perguntas objetivas: sobre o que vamos tratar? O que aconteceu até aqui? O que é necessário que aconteça? Quem deverá realizar? etc. Grupos deverão dar mais ênfase ao “quê” do que ao “porquê”.

Esse foco facilita a construção e uso da informação útil sobre a realidade presente e futura, promove a troca de conhecimento e a obtenção de apoios, facilita manter todos na mesma página com o sentimento de importância.

Da mesma forma, o líder deve reforçar o estabelecimento de metas e resultados e deixar claro os critérios de execução. Deve dispor-se a fornecer apoios de conhecimento ou recursos, ativando as contribuições individuais e a rede de trabalho.

Esta ação, baseada nas perguntas e na delegação de responsabilidades e consequências, já traz consigo a prática da confiança no liderado, a acessibilidade aos diferentes níveis da estrutura, a exposição de atributos e capacidades dos membros de um grupo, a diminuição dos jogos políticos ou psicológicos. É um novo conceito sobre hierarquia e relação com a figura de autoridade.

Tomada de decisão

A crise agrava um senso de urgência para enfrentar e solucionar as perdas e prejuízos, escancara as nossas deficiências e despreparo, pois nos dá a impressão que não nos resta alternativas. Daí a necessidade de o líder estar pronto para tomar decisões e sustentá-las mesmo que sejam dolorosas ou impopulares.

Para isso, o líder deve construir uma base de dados consistentes, buscar obter uma visão ampliada dos fatos, com uso de fontes confiáveis. Ao mesmo tempo, deverá ter habilidade para integrar diferenças e manejar oposições e divergências para chegar a soluções sem perder o foco na necessidade a ser atendida e resolvida.

Será essencial que tenha capacidade de pensar em alternativas e possibilidades, e consciência dos limites de realização. Deverá estar pronto para os riscos e consequências de suas decisões.

Construção de caminhos e saídas

Por fim, o líder será reconhecido e útil nesse momento de crise – e nos dias que seguirão – se conseguir trazer para o contexto o acolhimento e a esperança. Por um lado, deverá reconhecer e responder ao medo natural e legítimo das pessoas. Por outro, deverá convidar todos a pensar nos obstáculos a serem superados, nos ativos a serem preservados, nos compromissos a serem cumpridos.

Desse líder, serão demandadas disciplina, perseverança e, fundamentalmente, a atitude de transformar a situação atual em um movimento de comprometimento e ação.

Compartilhe nas redes sociais!

Enviar por e-mail


Rosa Bernhoeft

Rosa Bernhoeft é graduada em educação e engenharia, coach de altos executivos, fundadora da Alba Consultoria e autora de três livros sobre os temas de mentoring e sucessão