Em agosto de 2008, às vésperas de uma viagem para cobrir os Jogos Olímpicos na China, Jeff Jacobs, colunista de esportes do The Hartford Courant, teve sentimentos difusos. O entusiasmo pelo acontecimento do ano era temperado por uma persistente ansiedade: no mês anterior, 25% da redação do maior diário de Connecticut havia sido dispensada temporariamente, resultado da queda na venda de anúncios.
“Estou cheio de culpa e ansiedade”, escreveu Jacobs em sua coluna antes de viajar. “Um quarto dos amigos, colegas, jornalistas que eu admirava foi embora. Um quarto da minha alma foi embora. No lugar, a culpa do sobrevivente. A viagem da vida de repente passou a ser a angústia da vida.”
Em meio a pressões econômicas atuais, tais reflexões estão ocorrendo com mais freqüência entre os empregados que geralmente são considerados os sortudos – aqueles que são poupados do triste ritual das dispensas para redução de custos.
Ainda assim, os executivos e os profissionais de RH não raro subestimam a carga em cima daqueles que permanecem, dizem os especialistas. Esses líderes tendem inicialmente a dedicar mais atenção àqueles que estão deixando a empresa. Resultado: quando as dispensas afetam o local de trabalho, os demitidos não são as únicas vítimas.
O diagnóstico
“A doença dos sobreviventes está instalada”, diz David Noer, professor de liderança e administração de negócios da Elon University. Ele cunhou o termo num livro que escreveu sobre o tema em 1993, e tem estudado profundamente esse sofrimento e seus impactos.
A causa básica da doença dos sobreviventes é um sentimento espalhado de vulnerabilidade, diz Noer, membro honorário do Center for Creative Leadership e dono na Noer Consulting. Ele descreve esse mal como “uma lista de sentimentos e emoções tóxicas”, que inclui: medo, insegurança e incerteza; frustração, ressentimento e raiva; tristeza, depressão e culpa; injustiça, traição e desconfiança.
Esses “bloqueios emocionais”, segundo ele, podem impactar a performance pessoal e organizacional, debilitando uma empresa justamente no período em que ela necessita contar com a sua força de trabalho para fazer novos negócios e se tornar mais eficiente. É por isso que os líderes de RH precisam entender, encarar e proativamente recuperar os sobreviventes desse mal-estar, ele aconselha.
O ônus
“As pessoas que ficam tornam-se bastante avessas ao risco e ensimesmadas”, diz Wayne F. Cascio, professor de gestão da Denver Business School da Universidade do Colorado, e autor de vários livros sobre reestruturação organizacional e impacto econômico das atividades de RH. “Elas ficam muito preocupadas com o próprio futuro: ´Isso vai acontecer comigo?´. Então, elas não querem colocar o pescoço para fora e correr riscos.” Contudo, as empresas precisam arriscar a fim de gerar novos produtos, mercados e clientes, ele diz.
Cascio acrescenta: “Pegar o mesmo volume de trabalho e simplesmente despejar em cima de menos funcionários tem efeitos de longo prazo em termos de estresse”. Segundo ele, esse estresse geralmente se intensifica de quatro a seis meses após o enxugamento, resultando em aumentos do absenteísmo e das taxas de turnover.
Pesquisa recente comprova que o downsizing pode provocar um êxodo entre os sobreviventes, em alguns casos gerando perdas bem maiores do que as reduções alcançadas por meio das dispensas.
No estudo, o professor Charlie O. Trevor, da Universidade do Wisconsin, e o doutorando Anthony J. Nyber descobriram que embora dispensas maiores geralmente produzam maior combustão no turnover, uma pequena dispensa também pode causar uma debandada considerável na equipe.
Por exemplo, empresas que dispensaram 0,5% de sua força de trabalho mantiveram, em média, uma taxa anual de turnover de 13% – um índice de 2,6 pontos percentuais maior do que a média anual de turnover do que as empresas que não reduziram os quadros. Em outras palavras, um contingente extra de 2,6% da força de trabalho que se mandou por conta própria é cinco vezes maior do que os que foram dispensados. Além disso, quanto mais pessoas as empresas dispensam, maiores taxas de saídas elas mantêm.
Trevor e Nyberg chegaram a essas conclusões depois de estudar dados compilados de dois anos de empresas que buscavam figurar na lista das 100 Melhores para Trabalhar, da revista Fortune. Os resultados estão na edição de abril/maio de 2008 do Academy of Management Journal e resumidos na edição de maio de 2008 da Harvard Business Review.
“A relação downsizing-turnover sugere uma triste ironia na qual os empregados são dispensados pelas empresas que podem logo na seqüência se descobrir com menos pessoas do que precisam”, diz Trevor. “Nossas descobertas deveriam convencer as empresas de que isso pode resultar na perda de mais colaboradores do que elas pretendiam manter.”
O tratamento
Há, entretanto, algumas boas notícias. Determinadas práticas de RH podem minimizar substancialmente o impacto do enxugamento no turnover subseqüente, mostrou o estudo. Práticas que favorecem o chamado “enraizamento no trabalho”, ou vínculo, servem como uma espécie de amortecedor, diz Trevor. Isso inclui planos de benefícios, períodos sabáticos, creches no local de trabalho e horário flexível. Práticas que demonstram uma preocupação com “procedimento justo” – em outras palavras, que dão aos funcionários a percepção de que a empresa é íntegra e justa, tal como um ombusdman, uma linha confidencial ou um processo formal de queixas. Implementar ou fortalecer esses tipos de práticas antes das dispensas podem ajudar a empresa a abrandar a debandada de funcionários após um enxugamento, dizem os pesquisadores.
Ironicamente, outra prática comum – oferecer assistência para o desenvolvimento de carreira – de fato vai contra as empresas, segundo o estudo. Esses programas podem ajudar a preparar os funcionários para outras oportunidades internas ou realocá-los em outros setores da organização, mas também elevam a consciência dos empregados quanto a oportunidades externas e os tornam mais desejáveis por outros empregadores, diz Trevor.
Além das táticas de RH identificadas pelo estudo, os especialistas entrevistados também destacam estratégias, ações e métodos para ajudar a diminuir o impacto negativo nos sobreviventes e a melhorar o engajamento em tempos turbulentos:
– Não economize na comunicação, fale a verdade e procure orientação. Os funcionários reconhecem quando os líderes tentam camuflar maus resultados ou iminentes reduções da força de trabalho, afirma Cascio. Deixe-os saber especificamente onde a empresa está lutando com as dificuldades, com coaching para os gestores, e peça a ajuda deles na adaptação da empresa às mudanças de condições dos negócios. “A questão maior”, ele diz, “é que você não pode simplesmente fingir que a empresa é a mesma, pois não é”.
Quando as dispensas acontecem, mantenha as linhas de comunicação abertas por meio de canais variados – reuniões informais freqüentes; bate-papos informais com os altos gestores via videoconferência, e-mail ou pessoalmente; hotlines de RH, página da internet dirigida, uma sala de bate-papo com moderador na intranet da empresa, e mesmo blogs escritos pelo CEO. Muitos altos executivos estão adotando esse último canal.
– Garanta a percepção de justiça nas decisões de reestruturações. “Tenha especial cuidado para reter seus funcionários com melhor performance e mostre aos empregados que você terá um determinado número de etapas antes de ter de realizar os cortes”, diz Cascio. E se certifique de que os remanescentes saibam que as pessoas demitidas foram bem tratadas.
Ele cita o exemplo: durante o estouro da bolha da internet em 2001, a empresa de TI Cisco Systems cumpriu passos para garantir que continuaria sendo vista como uma boa empregadora mesmo que tivesse de reduzir sua força de trabalho. A empresa ofereceu períodos sabáticos para alguns colaboradores e concedeu pagamento parcial de salários para funcionários dispensados temporariamente que trabalhassem com caridade ou atividades comunitárias. Isso ajudou a subsidiar a educação continuada de ex-funcionários que quisessem aprimorar habilidades ou fazer mudanças de carreira.
“Esses tipos de ações tangíveis podem mostrar a todo mundo – inclusive aos sobreviventes – que as pessoas são importantes e que a empresa está tentando fazer o melhor possível para elas”, diz Cascio.
– Adote um relacionamento “solidário”, em vez da “gestão comando-e-controle”, aconselha Noer. “Aprenda a escutar e a responder aos funcionários de um modo em que haja empatia, e não como uma justificativa da política da empresa”, diz.
– Outra opção comum: oferecer counseling na própria empresa a partir de um programa de assistência ao funcionário por duas semanas após a dispensa, de acordo com John Sullivan, professor de gestão na escola de negócios da Universidade de São Francisco e fundador da consultoria de RH Dr. John Sullivan & Associates. “O seu papel é facilitar que os empregados falem tudo, exponham apreensões, façam perguntas e obtenham respostas”, diz ele.
– Facilitar as “queixas” e os “desabafos”. “A melhor maneira de ajudar funcionários a se livrar da doença dos sobreviventes das dispensas é descobrir maneiras de facilitar a recuperação emocional deles”, concorda Noer. O problema: se fizer aqui ou ali, “o tiro sai pela culatra” simplesmente porque muitos gestores não são afeitos à exposição de sentimentos e emoções no local de trabalho. “Para ser eficaz, você tem de correr o risco”, ele diz. Algumas empresas mantêm grupos de discussão que estimulam conversas francas sobre sentimentos e emoções; outras pedem que chefes tenham encontros individuais com os funcionários justamente para ouvir e dar respostas. “Os gestores precisam ser treinados em habilidades como ouvir, gerar empatia e reflexão”, observa Noer. Esse treinamento tem um efeito duplo: ajuda o chefe a lidar com seus problemas e o equipa para ajudar seus funcionários. “A despeito da técnica, os chefes precisam descobrir modos de ajudar seus funcionários a externar seus sentimentos de sobreviventes e direcioná-los no sentido da produtividade”, afirma.
– Leve a família em conta. “As famílias dos sobreviventes se ressentem do trauma também”, diz Sullivan, que sugere enviar cartas personalizadas para os membros da família, que “expliquem a situação atual dos negócios e os agradeça pelo apoio durante o período”. É uma tendência que pode não ser a mais indicada para todas as empresas, ele observa, porém “pode ser um gesto para restabelecer a confiança”.
– Envolva os altos gestores. “Profissionais de RH geralmente sabem o que realmente irá acontecer no que se refere aos sintomas dos sobreviventes e estão aptos a encarar a realidade bem antes da alta gestão”, diz Noer. “RH pode realmente ajudar a organização a encontrar maneiras de ajudar os altos gestores a aderirem à questão rapidamente – fazendo-os entender que eles não podem competir para valer tendo uma força de trabalho enfraquecida pelos sintomas da doença dos sobreviventes.”
– Faça algo bastante visível, sugere Christopher Rice, presidente e CEO da BlessingWhite, consultoria que aconselha as empresas sobre engajamentos dos funcionários, desenvolvimento de lideranças e gestão de performance. Ele cita os exemplos dos CEOs que anunciam que estão trabalhando por um salário anual de 1 dólar, como Steve Jobs, da Apple, e John Mackey, da Whole Foods Markets. Isso atrairá a atenção – mas também mostrará aos funcionários que todos estão passando por situações de reduções e mudanças, ele diz.
A rede de cafeterias Starbucks, por exemplo, confirmou em agosto do ano passado que nenhum de seus trabalhadores nos EUA no nível de vice-presidência ou acima – incluindo membros da equipe da gestão sênior e o CEO – terá aumentos no próximo ano fiscal. A empresa havia anunciado fechamento de lojas, dispensas, planos de expansão refreados e uma reorganização de gestão mais cedo em 2008.
“Organizações com alto engajamento de funcionários contam com o maior nível de confiança na liderança”, diz Rice, “e a probabilidade de funcionários serem resilientes diante de grandes mudanças tem muito a ver com a cultura da companhia e com seus líderes”.
– Dê aos sobreviventes uma razão para ficar. “As pessoas precisam acreditar na organização para fazê-la andar, mas precisam ver que ela anda para acreditar nela”, diz Cascio. Desenhe planos específicos com cronograma, ele diz, de modo que os empregados saibam o que vem na seqüência e como eles podem acompanhar a resiliência, o progresso e a melhoria da companhia. “Se as empresas não têm um plano claro e articulado para mostrar como elas se recuperarão, não há como impedir que eles desconfiem que você possa recuar no seu caminho para a prosperidade?”
O prognóstico
Quanto a Jacobs, o funcionário da Hartford Courant, ele voltou para casa no final de agosto com os mesmos sentimentos de antes. O período de um mês não eliminou o estresse da síndrome dos sobreviventes. “Estou preocupado com o conteúdo da publicação e com o futuro da minha família”, diz Jacobs, que trabalha no jornal desde 1984 e desde os 13 anos queria ser um jornalista esportivo. “Após três décadas dando o melhor de mim, descobri que tenho reservas para dar ainda mais. E o que sinto a respeito de mim, também sinto de todos dando o melhor de si no Courant.”
Definitivamente, a doença dos sobreviventes é uma experiência complexa que nem sempre se equaciona com soluções simples. Para profissionais de RH, Jacobs e centenas de outros funcionários de empresas variadas, as perguntas continuam: a doença dos sobreviventes das dispensas é completamente curável? Os funcionários angustiados se recuperam totalmente?
“Sim, existe esperança”, diz Noer, um ex-profissional de RH. Ambientes de trabalho se restabelecem, “mas isso exige ajustes em premissas motivacionais e em estratégias de RH. Todos esses aspectos representam uma grande oportunidade para RH apontar o caminho na direção da produtividade e da qualidade de vida no trabalho”, ele diz, “Mas isso exige pessoas de RH com coragem para fazer isso acontecer.”