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A impermanência como estratégia: o papel da liderança e do RH na travessia dos novos ciclos organizacionais

Para Fabiano Rangel, especialista em Gestão Organizacional, a mudança deve ser encarada pelas organizações como oportunidade de aprendizado e reinvenção, e não como ameaça

de Fabiano Rangel em 30 de julho de 2025
Impermanência Imagem gerada por IA

A mudança é uma constante. E, mesmo quando os ciclos se repetem, jamais retornam da mesma forma. Essa ideia, tão presente na filosofia budista por meio do conceito de impermanência (anicca), transcende o plano espiritual e se consolida, cada vez mais, como um princípio estratégico para refletir sobre o presente e o futuro das organizações.

Ao longo de mais de duas décadas atuando em posições de liderança nas áreas de sustentabilidade, desenvolvimento organizacional, finanças, jurídico, relações institucionais, tecnologia e, especialmente, recursos humanos, pude testemunhar — na prática — que a capacidade de lidar com a transitoriedade dos contextos se tornou uma competência crítica para a resiliência e sustentabilidade organizacional. Empresas que desenvolvem essa capacidade tendem, naturalmente, à longevidade, com maior consistência e menor desgaste frente às rupturas.

A impermanência, nesse sentido, deixa de ser apenas uma abstração filosófica e se torna uma lente estratégica para interpretar o mundo do trabalho — não como uma ameaça, mas como um convite à reinvenção por meio de ciclos que se repetem com novas dinâmicas e exigências.

A travessia de um novo ciclo: mais rápido, assimétrico e desafiador

Vivemos um novo ciclo histórico e corporativo. Embora saibamos que os ciclos anteriores nunca foram idênticos, o momento atual apresenta uma combinação inédita de forças transformadoras:

  1. A lógica da globalização, das cadeias produtivas extensas e da interdependência geopolítica está sendo redesenhada por fatores como conflitos internacionais, regionalização de mercados, insegurança logística e uma crescente guerra comercial que por honestidade intelectual. Não conseguimos atestar nenhum cenário certo ou probabilístico – vivemos quase que à deriva deste contexto.
  2. A ascensão da inteligência artificial generativa vem promovendo uma inflexão profunda nas relações de trabalho, exigindo não apenas a atualização de competências técnicas, mas também uma ressignificação de nossas capacidades humanas — como criatividade, empatia, pensamento crítico e adaptabilidade.

Esses vetores não são apenas previsões de futuro. Eles já nos atravessam no presente. E o desconforto que provocam, embora inevitável, pode ser um terreno fértil para inovação e crescimento.

Liderança e RH como estruturas de transição em meio à impermanência

Nesse cenário, o papel das lideranças e das áreas de Recursos Humanos ganha protagonismo. A partir da minha vivência prática, proponho uma reflexão: avançamos em reconhecer que o RH não deve mais ser visto apenas como uma área de apoio transacional — mas será que já avançamos o suficiente?

O RH contemporâneo precisa ser pensado como uma estrutura estratégica de inteligência organizacional. Não apenas para gerir pessoas, mas para articular múltiplos saberes, cultivar culturas intencionais e desenvolver as capacidades que alavancam os ativos mais valiosos de uma organização: a cultura e o potencial humano em sua melhor expressão.

A liderança, por sua vez, precisa transcender a lógica de gestão orientada exclusivamente a metas. Deve tornar-se um espaço que:

● acolhe a transição e reconhece as tensões do novo;

● estimula a curiosidade como motor do aprendizado;

● promove segurança psicológica diante da incerteza;

● constrói sentido e propósito mesmo em contextos ambíguos.

Esse tipo de liderança não surge de forma espontânea. Ela precisa ser cultivada, com intencionalidade e suporte institucional. E é nesse ponto que o RH se revela como infraestrutura crítica — não apenas para “entregar indicadores”, mas para sustentar trajetórias de transformação genuína.

A autonomia como caminho de responsabilidade

O futuro do trabalho não será sobre controlar o incerto, mas sobre criar estruturas — internas e coletivas — capazes de conviver com as incertezas. Essa, talvez, seja a única certeza que podemos afirmar. E, quanto mais leve, clara e conectada for essa travessia, maiores as chances de uma jornada positiva.

A transformação que desejamos nas organizações não será imposta por planos sofisticados, mas nutrida por culturas vivas, coerentes e horizontes compartilhados. Culturas que favoreçam o protagonismo individual, a colaboração genuína e a corresponsabilidade.

Neste percurso, cada profissional — e cada líder — deve assumir uma responsabilidade intransferível: ser protagonista do próprio desenvolvimento. Isso exige presença, flexibilidade e coragem para compreender a impermanência não como uma falha do sistema, mas como sua natureza mais profunda.

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Fabiano Rangel

Profissional com larga experiência em consultoria e vida executiva contribuindo em organizações multinacionais e nacionais como: Fundação BankBoston; Banco ABN AMRO Real; CPFL Energia e Leão Alimentos e Bebidas (joint venture do Sistema Coca-Cola Brasil), em áreas de RH, D&I, ESG, Governança, Relações Institucionais e Governamentais, Ética & Compliance, Direitos Humanos, Gestão de mudanças e transformação organizacional; Jurídico; Ética & Compliance e Tecnologia e informação, incluindo os processos de transformação digital; Gestão de Riscos Corporativos, Q+EHS (Qualidade, Saúde e Segurança Ocupacional e Meio Ambiente). Formado em direito, pós-graduado em Meio Ambiente e Sociedade, Especialista em Gestão de Mudanças e Transformação Digital e com MBA em Marketing e Inovação.