Para acompanhar as mudanças do mercado em que atua, não basta a uma empresa olhar para fora. Entender o que os consumidores desejam é importante, mas também é preciso olhar para dentro. E isso significa ouvir seus funcionários e, sobretudo, entender o que pode e deve ser mudado em termos de cultura para sustentar a nova estratégia de negócio. No caso da indústria automotiva, muitas companhias estão buscando se posicionar como provedoras de mobilidade. Na Toyota, esse conceito vem pautando muitas mudanças – dentro e fora da organização.
Por exemplo: a empresa vem construindo parcerias globais e intensificando ainda mais o uso de tecnologia embarcada em seus veículos e a oferta de soluções eletrificadas. Além disso, recentemente, anunciou até uma nova cidade no Japão (a Woven City), onde mais de duas mil pessoas poderão experimentar a vida do futuro com um novo conceito de mobilidade e sustentabilidade.
Mas vamos falar mais das mudanças dentro de casa. E para dar sustentação a esse processo, a empresa ouviu, durante o ano passado, no Brasil e na Argentina, mais de 4 mil colaboradores. A ideia foi reconhecer as fortalezas e oportunidades de melhoria na forma de trabalhar, em um processo cocriativo. Desde então, uma série de iniciativas foram tomadas, como a criação de um time de agentes de mudança, grupos de trabalho para determinados assuntos (como inovação) e algumas ações-piloto, como a implementação de home office.
Evandro Maggio, diretor de RH, administração, TI, segurança e saúde da Toyota do Brasil, conta que a necessidade de uma evolução cultural passou a ser mais clara desde o reposicionamento da empresa em oferecer soluções em mobilidade. “O assunto foi ganhando força e está atrelado também à importância de inovarmos para sermos mais eficientes e competitivos. Para isso, precisaríamos ajustar nossas competências e a forma de trabalharmos aqui na região da América Latina e Caribe, incluindo o Brasil”, diz.
Com a pandemia, alguns processos de mudanças que já estavam em curso ganharam mais velocidade. Com a implementação do home office para o pessoal da área administrativa, foi possível perceber, nessa nova forma de trabalho, ganhos, por exemplo, em sustentabilidade, uma vez que a empresa passou a imprimir menos documentos. Além disso, como ressalta Maggio, foram menos veículos no trânsito, menos emissões de gases poluentes. Tudo alimhado aos conceitos de mobilidade e sustentabilidade.
No trabalho remoto, o reforço do papel das lideranças
Ao longo das oito primeiras semanas da adoção de trabalho remoto, a empresa reforçou a comunicação com os colaboradores. O objetivo era entender como eles estavam, desde questões que envolviam a saúde física e emocional até a produtividade. Foram realizados mais de 35 encontros online, que contaram com mais de 400 pessoas e com o presidente da companhia no Brasil, Rafael Chang. Também foram feitas livescom temas diversos, grupos no Yammer (a rede social colaborativa interna), vídeos e outras ações de comunicação. Por não ser possível ter a presença física na produção, a montadora também fez com que os times buscassem outras soluções tecnológicas, como visitas guiadas online pelo celular, reparos à distância, reuniões virtuais com equipes produtivas, uso de drones para a manutenção preventiva em lugares altos, por exemplo, entre outras.
Esse aprendizado tem permitido à Toyota, avalia o executivo, “virar a chave” e adaptar a jornada de seus colaboradores da área administrativa para um novo regime. Desde 22 de junho, quando os colaboradores voltaram ao trabalho, não foi preciso retornar presencialmente. Quem quis pode trabalhar de sua casa ou de outro lugar. E é por essa razão que Maggio prefere, bem como a empresa, usar o termo “trabalho remoto”.
E quais mudanças a decisão de adotar o trabalho remoto traz para a gestão de pessoas? Por exemplo: haverá um repensar no que se refere ao pacote de benefícios? Como preparar as lideranças e demais gestores sobre o que vai ser mais importante a ser levado em conta: entrega ou controle? E sobre a experiência do empregado: como essa decisão pode melhorar essa experiência? Maggio conta que não houve uma oferta de benefícios adicionais aos colaboradores. “O que fornecemos foram equipamentos adequados de trabalho, como notebook para quem ainda não tinha, e emprestamos as cadeiras de escritório, suportes e apoios de pés para uma condição mais ergonômica em casa”, diz.
Os encontros online serviram também para reforçar o papel das lideranças como os principais multiplicadores do programa de transformação cultural batizado de Moving lives.
“Como parte das novas competências, reafirmamos o compromisso com a entrega, tendo sempre o cliente no centro das nossas decisões. A ideia é que, juntos, líderes e equipes, possamos acelerar essa evolução. Fomos investindo cada vez mais num espaço de diálogo aberto com os colaboradores e podemos dizer que, agora, isso ficou muito mais evidente e institucionalizado”, diz o executivo.
Viviane Mansi, diretora de comunicação e sustentabilidade para América Latina e Caribe, acredita que esse processo de reinvenção da empresa e a adoção de um novo jeito de trabalhar, e seu impacto na cultura, terão um peso maior na marca junto aos talentos no mercado. “Isso mostra que, apesar de atuarmos em um setor tão tradicional, acompanhamos as principais tendências globais e estamos nos adaptando para uma gestão cada vez mais eficiente e sustentável”, conta.
Apesar de tantas mudanças, Maggio garante que o jeito de a empresa fazer e pensar o negócio, o Toyota way, vai continuar. “Nosso respeito às pessoas, a confiabilidade em nossos serviços e o compromisso com os kaizens (melhorias contínuas) embasam nossa visão em longo prazo, somados ao que queremos incorporar agora ao time interno por meio de novas competências e boas práticas, que também equilibrem atividades pessoais e profissionais”, diz.
E fazer o equilíbrio entre o “tradicional” e o novo ou disruptivo na empresa, e no RH, é um exercício desafiador, como avalia Maggio. “Mas o Toyota way está na essência de cada colaborador no mundo todo. É algo verdadeiro, não apenas um quadro de valores na parede”, diz, acrescentando que esse DNA é reforçado desde as comunicações e práticas do líder global, Akio Toyoda, bem como dos executivos regionais e locais. “Até mesmo nosso presidente, Rafael Chang, tem destacado nos bate-papos virtuais a importância de dosar o online com a presença física no ‘gemba’ (produção)”, destaca. “Sabemos quais são os nossos diferenciais e qual é nossa essência, mas os próprios colaboradores já sentiam que precisávamos avançar em outras áreas. Mudanças profundas não acontecem do dia para a noite. Quando falamos em cultura organizacional, precisamos desse entendimento de que muitas das coisas caminham em paralelo. Vamos continuar com as boas práticas e acreditar nesse processo de melhorias contínuas”, diz Maggio.
Comunicação mais alinhada e efetiva
Cerca de 80% dos colaboradores aderiram à plataforma Yammer, adotada há um ano na Toyota. Isso corresponde a 4,5 mil pessoas ativas. E nessa conta podem fazer parte mais de 1,5 milhão de mensagens movimentadas nela. Viviane conta que essa ferramenta possibilitou alcançar e conectar todos os colaboradores, o que contribui para que a comunicação seja mais alinhada e efetiva. “Todos têm um canal centralizado para obter informações de modo ágil e dinâmico”, explica a executiva.
Os conteúdos trabalhados abrangem comunicados internos, reconhecimentos, anúncios importantes e outros assuntos que ajudem a reforçar a cultura da empresa e a compartilhar conhecimento entre áreas – como sugere a própria expressão japonesa “Yokoten”, que é muito usada para explicar esse conceito. E as mensagens institucionais são sempre direcionadas primeiramente para o público interno, o que é indispensável para alinhar a comunicação. Além disso, a rede colaborativa é aberta, para que todos os colaboradores possam publicar e interagir com as postagens.
“No início do uso da plataforma, nós divulgamos algumas boas práticas na rede colaborativa, como evitar assuntos polêmicos (futebol, religião, política), pessoais, como atividades individuais no final de semana e que devem ficar nas redes pessoais etc. Incentivamos que todos explorem as ferramentas de curtir, comentar, perguntar, anunciar. É importante que as pessoas saibam que você está na rede e que consome as informações”, diz Viviane.
Ela conta que a liderança desempenhou um papel primordial no processo de implementação da plataforma. “Interagir, compartilhar temas relevantes e trazer notícias para alimentar esse canal de comunicação é um trabalho de todo dia e exige dedicação, mas os resultados valem muito a pena”, afirma Viviane. E exige, também, um pouco de ajuda e preparo da liderança para essa tarefa.
Nesse caso, o time de comunicação se coloca próximo aos líderes para incentivá-los a promover o conteúdo na plataforma, principalmente para reconhecer seus colaboradores. Viviane conta que, além disso, outras empresas são convidadas para conversar com os líderes a fim de inspirá-los e para ajudá-los a perceber que a plataforma de comunicação faz parte do cotidiano de muitas organizações. “Esses encontros acabam ajudando no que diz respeito à inspiração. Temos alguns perfis mais tímidos, que consomem as informações de maneira low profile, mas temos a adesão de muitos líderes com postagens, comentários e curtidas. Nós temos a certeza de que o sucesso da nossa rede se dá, principalmente, pelo grande apoio da nossa alta liderança”, afirma.
Além dos líderes, há um grupo de cerca de 70 influenciadores internos, os “sakuras”, que ajudam a impulsionar a plataforma e a levar as principais informações às equipes também por meio de reuniões e até canais informais.
Olhar para o futuro
Alcançar os colaboradores que atuam na produção era uma das principais preocupações da empresa; por isso, foram criados logins individuais para quem não tinha acesso aos canais online tradicionais, como newsletter e e-mail. Agora, com a plataforma, todas as informações estão centralizas de maneira democrática para que todos possam acessá-las pelo celular, por exemplo.
A empresa planeja, em breve, instalar pontos de Wi-Fi nos refeitórios e áreas comuns para melhorar ainda mais a acessibilidade e aumentar gradativamente a interação entre as áreas e as plantas da Toyota no Brasil.
“Nós aproveitamos esse período de pandemia para olhar internamente e ajustar o que fosse necessário para sermos melhores no futuro. Reavaliamos, por exemplo, custos internos buscando mais produtividade. Reforçamos a comunicação à distância (online) para preservar a saúde física e emocional de todos os colaboradores. É claro que, a partir dessas mudanças, o modelo de reuniões online continuará”, diz Viviane. “As próprias reuniões de início de turno, chamadas de ‘asakais’, passaram a ser online, o que permite a participação de mais pessoas, a gravação do conteúdo para uso posterior, a interação por chat, entre outros benefícios. Além disso, realizamos visitas guiadas online e por telefone, reparos remotos, etc. A tendência é que sejamos mais assertivos tanto nas viagens de executivos como em eventos presenciais, que continuarão existindo pós-pandemia”, finaliza. (Gumae Carvalho)