Saúde

Beco sem saída

de Caroline Marino em 17 de novembro de 2009
Regina, da BrasilPrev: se a empresa atua na prevenção de doenças físicas, por que não cuidar também da saúde mental dos colaboradores

No final de 2007, a publicitária Júlia*, de 28 anos, viu sua vida desmoronar. Trabalhando mais de 12 horas por dia e com problemas sérios em seu casamento, ela foi diagnosticada com síndrome do pânico. “Agitada e sempre querendo fazer tudo, não medi as consequências do trabalho excessivo em meu próprio bem-estar. E como eu não paro, cheguei a um limite de cansaço, estafa e estresse tão grandes que não notei os sinais precoces da doença”, conta. Quando ela percebeu e resolveu procurar ajuda, a síndrome já alcançara estado adiantado. “Lembro que estava no shopping com a minha mãe e, de repente, ao ver as pessoas vindo em minha direção, comecei a ficar com muito medo. A impressão que eu tinha era de que elas iriam passar por cima de mim, me atacar, não sei explicar.

Comecei a suar, tive dores no abdômen, no estômago, um mal-estar geral.  Queria sair dali. Mesmo sem me dar conta de que pudesse ser a síndrome, a sensação que tomou conta de mim era a de pânico mesmo. Aí eu me abaixei em uma muretinha e fiquei. Não queria continuar andando”, lembra. Depois desse episódio, Júlia não voltou ao trabalho. “Imediatamente liguei para meu chefe e pedi um adiantamento de minhas férias. Na hora, não consegui relatar o que, realmente, estava acontecendo. Disse apenas que estava passando por problemas pessoais”,  lembra a publicitária.

Segundo ela, o chefe foi compreensivo e adiantou os trinta dias de férias. “Na verdade, nenhum aspecto da minha vida estava em ordem. Foi um somatório de coisas. Tive de buscar ajuda médica – tanto psicológica quanto psiquiátrica – e fiquei ´fora do ar” para me recuperar”, diz.

Depois de um mês, a publicitária conseguiu voltar ao trabalho, mas o tratamento medicamentoso durou mais um ano. “Queria minha vida de volta”, recorda. “Trabalho o dia inteiro – das 9h às 23h – inclusive nos fins de semana. Estou acostumada com isso. Minha profissão é assim, exige essa dedicação. Mas, hoje, eu percebo que precisamos impor limites; o que não damos ao nosso corpo, ele toma: sempre precisamos parar. O excesso de trabalho tem limite e, para mim, teve um  preço. Aprendi que se  não soubermos identificar essa linha – que é o equilíbrio da vida – não conseguiremos produzir mais”, afirma.

Para ela, essa é uma das causas dos problemas psicológicos, como a síndrome do pânico e a depressão: não parar. “As pessoas precisam cuidar da saúde física e mental, é isso que vai garantir um bom desempenho profissional e pessoal”, diz. Hoje, muito mais fortalecida, ela ressalta que o fundamental é manter o pensamento positivo e a vontade de ficar bem. “Você só consegue melhorar, de fato, quando realmente acredita e quer isso”, conclui. Casos como o de Júlia não são raros e acontecem cada vez mais em todo o mundo. Estima-se que a incidência dos transtornos de ansiedade (que englobam a síndrome do pânico) ao longo da vida seja de 10% e 18%, sendo observados mais nas mulheres do que nos homens. Segundo o médico-psiquiatra Carlos Henrique Rodrigues dos Santos, assistente do Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (Gruda), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, a síndrome ou transtorno do pânico é uma doença psiquiátrica caracterizada por crises de ansiedade descabidas (sem fator externo desencadeante ou exagerada para o estimulo), associada a sintomas como medo ou desconforto intenso, palpitações, tremor, dificuldade de respirar, sudorese, medos da morte, do desmaio ou de “enlouquecer”, apresentando início abrupto com duração de minutos.

Sobrecarga de trabalho
Apesar de ter um componente genético e biológico significativos, o ambiente de trabalho, muitas vezes hostil, agressivo e cheio de metas a cumprir, pode ser um desencadeador ou precipitador da doença. “Sabe-se que a herdabilidade estimada dessa doença é de 28% a 43%, sendo necessário agente estressor para desencadear o inicio dos sintomas”, afirma. E alguns dos maiores estressores no ambiente de trabalho estão relacionados a sobrecarga de trabalho e pressão constantes.

O psiquiatra Joel Rennó Jr, coordenador-geral do Projeto de Atenção à Saúde Mental da Mulher do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, compartilha do mesmo pensamento, mas vai além. “Atualmente, as empresas só falam em metas a cumprir. Cumprem-se com competência os objetivos de um determinado mês e, logo no seguinte, se estipulam obstáculos ainda mais elevados. Os funcionários são tratados como ´números´ ou ´objetos´ – quase robotizados e sem sentimentos”, afirma. Segundo ele, poucas companhias oferecem um ambiente de trabalho humanizado e saudável, que invista na saúde mental dos seus trabalhadores. “Deve haver uma mudança plena de mentalidade e comportamento dos executivos que comandam as empresas, sem pressões psicológicas ou coações morais que só servem para aniquilar com o psiquismo de algumas pessoas mais sensíveis que eles”, completa.

Em algumas empresas, no entanto, o combate a esses problemas já vem sendo feito, como afirma a gerente de benefícios e proteção à saúde da Ticket, Catarina Jacob. Ela acredita que o aumento das doenças psiquiátricas entre os executivos, como a síndrome do pânico, é reflexo do estresse e da pressão que existe nos dias atuais. “Por isso, se a empresa não se envolver nessa questão, dando subsídios para o profissional ter mais qualidade de vida e saúde, ela mesma sairá perdendo”, ressalta. Além do aumento com os gastos dos planos, há os custos com o afastamento do trabalho e a perda de talentos. “É muito mais fácil atuar na prevenção do que no tratamento”, afirma. Ela acredita que a companhia deve olhar para o profissional de uma maneira integral. “De que adianta ter um executivo com um conhecimento amplo, que fale diversas línguas, se ele não estiver com a saúde psicológica em ordem?”, questiona.

A diretora de relações humanas da Totvs, Maria de Fátima Albuquerque, acredita que os casos de síndrome do pânico devem ser tratados da mesma maneira que outras doenças. Segundo ela, em casos desse tipo, o RH deve analisar o quadro com o médico da empresa e definir se este deve avaliar a pessoa ou já direcioná-la para um especialista. “Além disso, orientamos o gestor direto e os pares sobre a melhor forma de conduzir a rotina do dia a dia com o colega. Adotamos esse procedimento em outras situações equivalentes, com bons resultados”, afirma.

Santos, do Gruda: os maiores estressores no ambiente corporativo estão relacionados a sobrecarga de trabalho e pressão constantes

Programas bem estruturados
Uma boa notícia é que programas de qualidade de vida, como aulas de yoga, atividades físicas e pausas no trabalho podem ajudar a prevenir a doença entre os executivos. “Todas as atividades que visem minimizar os estressores, aproximar a equipe, promover relaxamento e compreender melhor os funcionários são muito eficientes para melhoria da saúde mental”, afirma Santos, do Gruda. Porém, ele explica que uma vez desenvolvida a doença faz-se indispensável e insubstituível o tratamento médico e psicológico adequado. “Dependendo do número de funcionários da companhia, um serviço de apoio psicológico pode ser interessante, desde que esteja focado na melhora do profissional e não haja quebra do vinculo terapêutico por conflitos de interesses da empresa”, sugere. E algumas empresas mostram que isso é possível.

A Ticket, que já teve casos de afastamento por causa da síndrome do pânico, é um exemplo de que programas bem estruturados e ações voltadas à qualidade de vida do colaborador fazem, sim, diferença. “Hoje, esses profissionais se recuperam e retornam ao trabalho mais fortalecidos”, conta Catarina. Em 2005, a empresa, preocupada com o aumento de doenças psiquiátricas, criou um grupo de psicólogos e psiquiatras, que não fazem parte do convênio médico, para auxiliar os colaboradores nesses casos. A gerente explica que a ação faz parte de um amplo programa de qualidade de vida, chamado Viva Melhor, e acontece de duas formas: o colaborador pode procurar espontaneamente o psicólogo (que é sempre a “porta de entrada” para avaliação) e, após uma triagem, será encaminhado ao psiquiatra ou ao psicólogo, se for o caso. A outra maneira acontece por meio do gerenciamento de risco feito pelo Programa Estilo de Vida, que possui ações específicas de prevenção e de promoção à saúde. “Temos acesso ao questionário epidemiológico (anual), aos protocolos dos exames periódicos, e aos mapas de relatórios de utilização do plano médico. Dessa forma, conseguimos identificar os colaboradores com patologias graves, de risco ou crônicas, como a síndrome do pânico”, completa Catarina, que ressalta que neste caso uma equipe multidisciplinar faz um acompanhamento mensal.

Segundo ela, ainda existem casos da síndrome na empresa, assim como outros tipos de patologias (psicológicas ou não). “A diferença é que, hoje, devido a ações existentes na empresa, podemos dar todo o apoio que o profissional precisa nesses momentos. Assim, mesmo que continuem a surgir problemas relacionados à saúde mental, já que a sociedade em que vivemos contribui para isso, os colaboradores sabem que têm na empresa o apoio necessário.”  E os resultados são sentidos na prática. De 2005 para cá os casos de afastamentos caíram 76% e o absenteísmo diminuiu 39%.

Válvulas de escape
A Totvs, por sua vez, aposta no esporte para garantir bem-estar, integração e qualidade de vida aos funcionários, como afirma Maria de Fátima. Desde 2006, a empresa disponibiliza o Espaço de Lazer, área com atividades extras e gratuitas, como futebol, basquete e vôlei, com o acompanhamento de um professor, além de aulas de ginástica e yoga. Segundo a executiva, isso faz parte da atuação da área de relações humanas dentro da estratégia da organização. “Sabemos da importância de gerenciar o clima organizacional, o impacto dos aspectos visíveis e invisíveis, as situações que ocorrem no âmbito interno e externo à empresa, a interferência do comportamento dos participantes nos resultados e na prontidão para tratar as mudanças e iniciativas inovadoras”, completa.

Apoio psicológico
Outra companhia que aposta em programas de qualidade de vida é a Brasilprev. Preocupada com o bem-estar dos seus colaboradores, ela desenvolveu o Programa de Promoção da Saúde (PPS), que engloba uma série de ações – desde check-ups anuais, com acompanhamento médico caso necessário, passando por programas de educação alimentar, até apoio psicológico. A gerente de pessoas da Brasilprev, Regina Frederico, explica que esses programas puderam ser montados por meio de indicadores fornecidos pelo Circuito Saúde, avaliação médica anual realizada por uma equipe interdisciplinar, que ajuda a identificar os possíveis problemas de saúde dos colaboradores – sejam físicos ou mentais. “Nosso objetivo é prevenir e não esperar o problema de saúde virar crônico”, ressalta.

Com essas informações, a empresa, no início de 2009, resolveu lançar um novo projeto, mais focado na saúde psicológica do colaborador. Trata-se do Programa de Assistência ao Empregado (PAE), que auxilia o funcionário e sua família em casos de problemas psicológicos. Por meio de um telefone, sempre atendido por um psicólogo ou um assistente social, a pessoa tem apoio terapêutico e clínico. “A ideia não é substituir a terapia e, sim, auxiliar o colaborador no melhor caminho a seguir – se for algum problema de saúde mental, ele será orientado a procurar ajuda médica – seja uma terapia leve, seja um tratamento mais pesado, com psiquiatra e psicólogos”, explica.

Além disso, a Brasilprev oferece orientação jurídica ou financeira, já que muitos dos problemas de saúde se originam por crises financeiras ou separações – problemas que causam muito estresse e ansiedade. Apesar de não haver nenhum relato de afastamento por doenças psiquiátricas, como síndrome do pânico e depressão, a empresa sabe da importância de atuar na prevenção, como explica Regina. “Se atuamos tão fortemente na prevenção de doenças, como diabetes e hipertensão, por que não atuar na parte comportamental?”, questiona a executiva, que ressalta que, se houver algum caso na empresa, a postura será a mesma aplicada a outros casos – de prevenção e apoio aos colaboradores. “Não deve haver pressão para a volta desse colaborador ao trabalho e, sim, apoio. Nessas situações, a pessoa precisa se sentir amparada e não esquecida pela empresa. Quando acontece um afastamento, por exemplo, cobrimos o salário e os benefícios desse colaborador por seis meses”, conta. Além dessas ações, a empresa tem várias válvulas de escape, como ginástica laboral durante o expediente, ioga, quick massagem e dança de salão.

Na opinião do psiquiatra Joel Rennó Jr, infelizmente, apesar de alguns avanços, ainda existe bastante preconceito contra alguém que sofra de síndrome do pânico. “Ninguém é invulnerável a isso – já atendi, e atendo, superexecutivos, comandantes de grandes e poderosas corporações, que sofrem da enfermidade. Será que o ser humano sempre terá de sofrer na própria pele para se sensibilizar? Por que não podemos compreender a dor do outro, respeitando-o, sem necessariamente, termos passado pelo mesmo sofrimento?”, provoca o médico-psiquiatra.

*O nome foi trocado para preservar a identidade da entrevistada

Sinais de alerta

Veja a seguir alguns fatores que podem desencadear a síndrome do pânico nos executivos

> Sobrecarga: quantidade ou qualidade excessiva de demandas que ultrapassam
a capacidade de desempenho, por insuficiência técnica, de tempo ou de infraestrutura organizacional.

> Baixo nível de controle das atividades ou acontecimentos no próprio trabalho e baixa participação nas decisões sobre mudanças organizacionais.

> Expectativas profissionais, ou seja, executivos com discrepâncias entre suas expectativas de desenvolvimento profissional e aspectos reais
de seu trabalho.

> Sentimentos de injustiça, como carga de trabalho maior, salários desiguais para o
mesmo cargo, ascensão de colega sem merecimento.

> Trabalho por turnos ou noturno: chega a afetar cerca de 20% dos trabalhadores, acarretando transtornos físicos e psicológicos. Indivíduos mais propensos: os que precisam efetuar mudanças em períodos de tempo a cada 2 ou 3 dias, passando alternadamente do período diurno para o noturno e vice-versa.

> Precário suporte organizacional e relacionamento conflituoso entre colegas. Isso pode fazer com que os funcionários se sintam desamparados, carentes de orientação e desrespeitados.

> Conflitos de papel: embate entre informações e expectativas do trabalhador sobre seu desempenho em um determinado cargo ou função

> Ambiguidade de papel: normas, direitos, métodos e objetivos pouco delimitados ou claros por parte da organização.

Fonte: Carlos Henrique dos Santos, do Gruda

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