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Como anda seu processo de recrutamento?

Vasta quantidade de evidências indica que entrevistas não estruturadas levam a avaliações tendenciosas, que têm pouco valor preditivo

de Emerson W. Dias em 5 de maio de 2022

Como anda seu processo de recrutamento? Num processo de seleção para o cargo de presidente da república, diante de três opções quem você escolheria?

Um sujeito que teve poliomielite e demonstra dificuldade para caminhar, é hipertenso e anêmico, mente quando lhe convém e consulta astrólogos sobre política. Fuma muito e trai a mulher.

O outro, tem sobrepeso, pressão alta, já sofreu dois ataques cardíacos e perdeu três eleições. É difícil trabalhar ao lado dele, porque fuma charutos sem parar. Toda noite toma champanhe, vinho ou uísque e dois calmantes para dormir.

Já o terceiro candidato é um cabo, herói de guerra condecorad,o que trata bem as mulheres, ama animais, não fuma e só bebe uma cerveja em ocasiões especiais.

Qual seria sua escolha? Não, você não tem opção de votar em branco, nulo, nada disso, precisa escolher! Afinal o processo seletivo é meu, eu levo pra frente quem eu quiser levar, os outros candidatos já ficaram no caminho, por conta do meu apurado crivo profissional para seleção de candidatos.

Bem, estas perguntas são feitas por um dos personagens do filme dinamarquês “Druk – Mais uma Rodada”, que levou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2021. Se você não viu, recomendo. Se viu, vai se lembrar desta fala, ela acontece numa cena, em que um dos três professores do filme, o personagem principal, está lecionando. A cena é marcante e mostra quão errado podemos estar ao não conectar o que de fato tem importância para o cargo que o candidato (a) pretende ocupar, e assim nos deixarmos levar por nossos julgamentos e experiência apenas.
Em pesquisa recente da Info Jobs, sobre contratações, o preconceito étnico ou racial apareceu em primeiro lugar, com 31,7% dos preconceitos já sofridos por candidatos em processos de recrutamento; com 19,3% foi o segundo colocado o preconceito social; 14,1% para LGBTQIA+fobia, em terceiro; e em quarto, veja só, com 12,3%, o preconceito religioso e ainda 8,2% por deficiências e 5,4% de gênero.

Outro estudo revelou que:

  • 75% dos executivos testemunharam favoritismo nas decisões de contratação;
  • 94% acreditavam que políticas destinadas a prevenir favoritismo foram ineficazes;
  • 83% disseram que o favoritismo produzia baixa qualidade nas decisões de promoção;

Mas já temos ciência contra isso — o vencedor do Nobel de economia em 2022, Daniel Kahneman, em conjunto com os professores Lovallo e Sibony defendem por exemplo uma abordagem estruturada para decisões estratégicas, inclusive no recrutamento de pessoas, pois segundo eles, infelizmente, há uma vasta quantidade de evidências que indicam que entrevistas não estruturadas levam a avaliações tendenciosas que têm pouco valor preditivo. Isso porque o entrevistador forma um modelo mental (coloquialmente conhecido como uma “impressão”) de um candidato, um processo que psicólogos mostraram ter três limitações específicas:

  • Coerência excessiva. Os modelos mentais são geralmente mais simples e mais coerentes do que a realidade que pretendem avaliar. Como entrevistadores, se presumimos, por exemplo, que determinado candidato é extrovertido, tendemos a fazer perguntas que confirmam essa hipótese.
  • Uma qualidade “rápida e pegajosa”. Formamos nossos modelos mentais rapidamente, muitas vezes com base em evidências limitadas no início do processo, e alteramos nossos modelos lentamente à medida que novos fatos surgem. Isso explica por que, como o bom senso sugere (e a pesquisa confirmou), as primeiras impressões têm um efeito desproporcional nas avaliações que fazemos das pessoas em geral e no resultado das entrevistas de emprego.
  • Ponderação tendenciosa. Nossos modelos mentais muitas vezes não dão a cada fato pertinente o peso que ele merece. Podemos desconsiderar informações importantes ou, em contraste, dar grande peso a fatores que deveriam ser totalmente irrelevantes. Por exemplo, um entrevistador pode perceber erroneamente que um candidato do sexo masculino tem grandes qualidades de liderança apenas porque ele é alto e tem uma voz profunda.

Aliás, na pergunta inicial deste texto não havia nenhuma candidata, são três perfis masculinos, mas recobrando a questão, em quem você votou?

O primeiro é o presidente americano, Franklin Roosevelt, que entre 1933 e 1945 tirou o país da “grande depressão”. O segundo é Winston Churchill, político que dispensa apresentações, além de possuir um prêmio Nobel de Literatura. O terceiro é Adolf Hitler, assassino de 60 milhões de pessoas, que não merece mais apresentações que isso.

De modo que, à luz das ciências comportamentais e da história, tenho o embasamento pra te dizer que você pode não estar escolhendo talentos da melhor forma, é bom investigar!

Este texto foi elaborado a partir de discussões sobre avaliação de desempenho que constam do meu novo livro Carreira: a essência sobre a forma (Freitas Bastos Editora).

Como disse uma cientista social certa vez: “é mais relevante estabelecer as dúvidas certas do que chegar às afirmações tidas como verdadeiras”.

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Emerson W. Dias

É consultor de carreira (O inédito viável), professor (FIPECAFI e FIA), colunista na rádio Trianon e escritor. Vice Presidente de Capital Humano da ANEFAC (Associação Nacional de Executivos de Finanças Adm e Contabilidade). Doutorando (Mackenzie) e Mestre em Administração (FIA), MBA Internacional em Gestão Estratégica de Pessoas (FGV/Babson College-USA) e foi executivo de empresas como Carrefour, Siemens, ABB-DaimlerBenz e outras.