Estudo da Page Executive, unidade de negócio do PageGroup especializada em recrutamento e seleção de C-Levels, mostra que ocorreram avanços em direção à igualdade de gênero nas organizações. A presença feminina nos cargos de liderança chegou a 37% do total em 2020, um crescimento de 20% em relação a 2019, quando esse valor era de 30%.
No entanto, se compararmos esses dados com o percentual de mulheres na sociedade brasileira e com indicadores sociais, é possível ver que ainda há um bom caminho a ser percorrido. Apesar do número de mulheres no Brasil (51,8%) ser superior ao de homens (48,2%), segundo dados da PNAD Contínua 2019 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) realizada pelo IBGE, o rendimento médio mensal feminino é cerca de 76% do valor masculino, revela o estudo “Estatísticas de Gênero: Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil” também do Instituto.
Para discutir como as empresas podem melhorar a diversidade de gênero em suas equipes, a MELHOR conversou com Carla Ricchetti, Oficial de Investimentos da IFC (International Finance Corporation), braço do Banco Mundial que investe no setor privado. A executiva, que possui mais de 15 anos de experiência no mercado, integra o comitê de diversidade de gênero da organização e participa da estratégia de investimentos em startups e empresas que usam tecnologias disruptivas como blockchain, inteligência artificial e realidade virtual.
Que ações as empresas podem adotar para aumentar a diversidade de gênero nas equipes e em cargos de liderança?
É um conjunto de atividades que deve ser implementado nas empresas. Uma delas é a forma como fazem a contratação. Todo processo de admissão acaba tendo um viés porque as pessoas tendem a contratar alguém com as características que elas julgam importantes para a função. É difícil se desconectar disso e olhar o que a posição realmente exige.
Existem duas formas de se resolver esse problema na seleção. A primeira é pela conscientização de que as características exigidas devem ser específicas para a função, não se baseando no que o recrutador quer. A segunda é pela utilização de inteligência artificial.
No entanto, o uso da IA ainda é controverso porque para treinar um programa de machine learning é preciso incluir informações já existentes do banco de dados da empresa. Se uma informação não é adequada, gera-se um resultado que não é o desejado.
Por exemplo: se uma empresa quer contratar mais mulheres e ela cria uma base de dados baseada nas suas equipes atuais, nas quais foram contratados nos últimos dez anos quase 95% de homens brancos, obviamente essa não será uma base diversa que vai dar as características, as informações ou requisitos para que a pessoa ideal seja admitida.
É preciso ter cuidado com os parâmetros. Eu acredito que a tecnologia pode ajudar, mas tem que ser cuidadoso porque na fase inicial esses dados podem não gerar um resultado tão perfeito.
Se esses dados podem ter vieses, como é possível desenvolver um programa para diminuir ou acabar com eles?
Comparando-se empresas do mesmo setor e perfis que ocupam as mesmas posições para entender como essas contratações ocorrem e quais são os tipos de parâmetros que seriam ideias para determinada posição.
Por exemplo: se uma empresa do setor bancário está contratando uma pessoa para uma posição de management e olha no seu banco de dados que nessa posição só existem 20% de mulheres, então os parâmetros gerados serão distorcidos. Entretanto, se ela criar um sistema que leva em consideração os perfis dessas mulheres e não apenas a sua quantidade e compará-los com os perfis existentes em outros bancos, é possível comparar esses parâmetros e gerar um programa com menos viés.
É difícil dizer ainda ao certo porque não temos uma história dessa tecnologia sendo aplicada em larga escala. É preciso lembrar que ela deve ser usada como ferramenta e não como tomadora de decisão.
Além de mudanças no recrutamento, que outras políticas as organizações podem adotar para reduzir a disparidade de gênero?
Entre as razões para a desigualdade encontram-se preconceitos diversos, estereótipos de gênero e normas culturais. Em muitos casos, não existem a disponibilidade e o acesso a programas de mentoria, network adequado, treinamento e, principalmente, compromisso mínimo com a mudança da liderança nas empresas. Há ainda a falta de políticas de local de trabalho favoráveis à família.
Uma empresa que tem uma cultura pró-família, de diversidade, faz muita diferença porque nela as mulheres se sentem seguras para criar uma família e sabem que terão um espaço para voltar após o término da licença-maternidade e mostrar sua competência profissional. Isso acaba gerando menor rotatividade porque elas sentem que a empresa está preocupada com o seu crescimento profissional e também com o seu bem estar, o que traz muitos frutos para a própria empresa.
Agora com a Covid-19, as pessoas se deram conta de que com a tecnologia é possível trabalhar remotamente e ter flexibilidade de horários. Acho importante que as empresas adotem uma política de home office e não olhem de forma discriminatória para as mulheres que resolvam utilizar essa modalidade.
Antes era visto de forma muito negativa pelas empresas uma mulher dizer que prefere trabalhar em casa porque assim reduziria o tempo de deslocamento entre casa e trabalho para passar mais tempo com a família. Apesar de existirem algumas organizações que afirmavam adotar essa política, as profissionais ficavam com vergonha de falar que tinham interesse nessa forma de trabalho porque passariam a ser olhadas de forma pejorativa.
Por fim, além da flexibilidade de horário e dos programas e compromissos citados, podemos citar como exemplo de ação a favor da família a presença de creches no ambiente de trabalho ou próximo dele, no caso de as empresas serem grandes. Inclusive as próprias empresas podem ajudar na filiação a essas instituições.
Você acredita que uma mulher que decide ter um filho e por isso tem que se afastar por um tempo da empresa é preterida no caso de promoções ou indicações para um cargo?
Eu acredito que sim. Não ocorre sempre, mas já vi bastante isso acontecendo no setor privado e público.
Primeiro que não é fácil. Nos primeiros meses de gravidez, você se sente menos produtiva porque está enjoada, cansada e obviamente nem todos os dias irá produzir igual ao seu colega homem que tem uma mulher em casa cuidando de tudo.
Depois que o filho nasce, ficamos mais oito meses ou um ano amamentando e esse é um momento muito delicado porque fisicamente ele demanda bastante. As pessoas nos veem com menos energia, mas isso não quer dizer que não vamos conseguir fazer determinada tarefa. É injusto porque às vezes nós acabamos nos dedicando mais e ainda assim acabamos sendo preteridas porque algum grupo de homens entendeu que você está focando muito na família ou que está produzindo 80% ao invés de 100%. Já vi bastante esse tipo de situação.
Acho que isso está melhorando e os próprios homens estão desempenhando um papel maior dentro do lar. Na minha casa, eu e meu marido dividimos todas as tarefas, não existe diferenciação. As mulheres que conseguem ter sucesso normalmente têm muita ajuda profissional, da família, do marido e é difícil se você não tem essa rede de suporte.
Você poderia citar exemplos de ações que a IFC adota para reduzir a desigualdade de gênero?
Como parte do Banco Mundial, nós tentamos implementar tudo que é melhor. Temos muitas políticas de diversidade, flexibilidade de horários, mas o que eu noto agora com o novo coronavírus é que ficou muito mais claro que é possível trabalhar de forma remota e com qualidade.
Na IFC, além do trabalho a distância, temos uma licença-maternidade de 70 dias uteis, uma sala para amamentar e tirar leite e a possibilidade de trabalhar meio período. Claro que dessa forma a pessoa é paga proporcionalmente, mas a possibilidade existe e é possível tirar uma licença adicional não paga.
Algumas empresas não conseguem fazer isso por serem menores e precisarem daquele recurso disponível. Cada uma deve avaliar o que é importante para manter uma dinâmica empresarial ao mesmo tempo em que oferece oportunidades para atrair talentos.