Nossas lideranças empresariais, do CEO às diretorias funcionais, têm, além de um papel essencial na lida com o presente, a responsabilidade com o futuro. Contudo, ainda sofremos de um vício cíclico e sistêmico de supervalorização dos resultados de curto prazo e de metas efêmeras, geralmente de valor restrito e não atreladas a um propósito maior. Por consequência, descontamos o futuro.
Na jornada do meu mestrado, tive a felicidade de recentemente me deparar com o “paper” “Agency Costs of Overvalued Equity”, produzido por Michel C. Jansen em 2004 para a HBS, acadêmico que cunhou a tese da Teoria da Agência e sobre o qual destaquei as duas frases iniciais. Ambas nos colocam diante de uma forte provocação sobre o “custo da supervalorização” pelos resultados do presente, sequestrando valor do futuro das organizações. No contexto do “paper”, Jansen evidencia os feitos deletérios dessa lógica na sustentação e valorização das organizações e o ciclo viciado de destruição de valor criada por esta lógica, propondo como possível solução o aprimoramento dos mecanismos de governança corporativa.
“Os gestores corporativos e os mercados financeiros têm jogado um jogo semelhante ao do orçamento. Assim como os gestores sofrem penalizações se não atingirem suas metas internas, CEOs e CFOs sabem que os mercados financeiros punirão toda a empresa se não cumprirem as previsões dos analistas, mesmo que por apenas um centavo. E assim como os gestores que alcançam ou superam suas metas internas recebem um bônus, os mercados financeiros recompensam uma empresa com um prêmio por cumprir ou superar as expectativas dos analistas no final do trimestre.”
Essa visão me levou a conectar sua tese sobre o risco da “supervalorização não sustentada de forma estrutural” à complexidade de incorporar as diretrizes de ESG nas dinâmicas corporativas que vivencio há mais de 20 anos. Isso porque, na prática, vivemos sobre tímidos avanços das organizações empresariais em incorporar de forma genuína e disruptiva as diretrizes de ESG — seja nos aspectos ambientais, sociais em termos de inclusão e desenvolvimento (que desafiam gestores e profissionais de recursos humanos), ou nos aspectos de governança corporativa em suas estratégias de negócio.
Os dois destaques do “paper” nos convidam a três potentes reflexões:
1) Vivemos uma lógica de descontar o futuro no curto prazo? Se sim, quais consequências já vivenciamos e com outras quais teremos de lidar?
2) O “jogo” corporativo nunca será de soma zero. Independentemente do número de rodadas. O objetivo é sempre vencer e isso independe do custo futuro?
3) Valorizar o presente, mesmo que ao custo de ignorar o impacto futuro, será sempre o melhor caminho?
Os ganhos de curto prazo se apresentam na sua maioria como “tangíveis” e por isso, aplaudidos e amplamente recompensados, ofuscando os meios e as externalidades de como foram alcançados. Inclusive, muitas vezes se tornam paradigmas de sucesso para líderes e organizações. Por inúmeras razões, essa lógica é corroborada, consentida ou, no mínimo, não “criticada” pelos profissionais de RH, gerando, ainda que de forma equivocada, um viés de confirmação sobre as diferentes lideranças e profissionais dentro das organizações.
Já os custos futuros, frente a essa dinâmica, tornam-se uma variável marginal, relegados a uma retórica de relativização e subjetividade sobre a capacidade de avaliar e precificar os riscos, reduzindo sobre estes a “taxa de desconto”. Na maioria das vezes, esses custos serão administrados por outros gestores em outro contexto. Uma dinâmica viciada pela transição cada vez mais efêmera de “cadeiras” de liderança e pela transferência do controle de ativos, que prioriza o agora, muitas vezes às custas de comprometer horizontes mais estratégicos.
Esse padrão nos ajuda a compreender melhor o tamanho do desafio que é incorporar ESG de forma intrínseca nas estratégias de negócios. O compromisso com ESG exige mudanças que, inevitavelmente, podem reduzir momentaneamente a projeção de resultado no curto prazo, mas que possivelmente aumentarão o valor da organização em um horizonte maior.
Isso porque, uma organização que se posiciona sobre o valor futuro em compatibilidade com o resultado presente, tenderá a incluir investimentos mais intensos em P&D, reconhecerá e agirá sobre a necessidade de autocanibalização de produtos e serviços e, em alguns casos, a “autodestruição” de setores inteiros, como acontece na transição energética, com menos “dores e traumas”. Esses movimentos não apenas exigem coragem, mas também uma mentalidade que compreenda a continuidade do negócio como algo maior a mera relação transacional e de resultados de curto prazo.
Concluo com algumas chamadas adicionais para reflexão: se o verdadeiro compromisso com ESG desafia a zona de conforto do curto prazo, será que estamos dispostos a recalibrar nossos paradigmas de sucesso? Incorporar ESG não é apenas sobre fazer o que é certo — é garantir que o futuro que hoje “emprestamos” seja capaz de se sustentar.
A pergunta que deixo é: estamos prontos para assumir o custo de liderar com essa responsabilidade?