Nos últimos meses, a escala de trabalho 6×1, na qual o profissional cumpre uma jornada de seis dias consecutivos de trabalho e tem um único dia de descanso, tem sido um tema recorrente em debates sobre a qualidade de vida no trabalho e a saúde ocupacional. Embora o modelo seja amplamente utilizado em setores como varejo e a alimentação, onde há a necessidade de funcionamento contínuo, a prática tem gerado uma crescente preocupação quanto aos impactos na saúde mental e física dos trabalhadores.
A escala 6×1 é regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que assegura, em seu artigo 67, que o trabalhador tem direito a 24 horas consecutivas de descanso semanal, preferencialmente aos domingos. Contudo, o modelo não especifica como deve ser organizada essa jornada, o que resulta em diferentes interpretações. Para muitos, trabalhar seis dias seguidos sem um intervalo maior pode causar uma série de problemas de saúde, com destaque para a síndrome de burnout — uma condição caracterizada pelo esgotamento físico e emocional.
Rithelly Eunilia, advogada do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados, alerta para os riscos dessa prática. “Trabalhar seis dias consecutivos, especialmente em turnos longos, sem descanso adequado, pode resultar em fadiga extrema. A falta de recuperação do corpo e da mente pode comprometer a saúde de forma irreversível”, comenta. De acordo com um estudo recente da Associação Nacional Medicina do Trabalho (Anamt), cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros já enfrentaram ou estão em risco de desenvolver a síndrome de burnout, o que coloca a escala 6×1 em uma posição delicada no debate sobre a saúde ocupacional.
O Debate sobre a Redução da Jornada de Trabalho
Em busca de soluções para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, movimentos como o Vida Além do Trabalho (VAT) têm ganhado força. O VAT, liderado por Ricardo Azevedo, defende a implementação de uma jornada de trabalho de 4×3, ou seja, quatro dias de trabalho seguidos por três dias de descanso, sem alteração salarial. A proposta tem ganhado adesão nas redes sociais e já conta com mais de um milhão de assinaturas. A ideia central é garantir que os trabalhadores tenham mais tempo para o lazer, o descanso e, especialmente, para o convívio com a família, o que poderia contribuir para um equilíbrio emocional mais saudável.
A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) já se comprometeu com a apresentação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa alterar o artigo 7º da Constituição Federal, no qual se estabelece a duração da jornada de trabalho no Brasil. Segundo a proposta, a jornada semanal passaria a ser de 36 horas, com direito a oito horas de descanso diárias e extinguindo a escala 6X1. A ideia é estabelecer uma jornada de trabalho que priorize o bem-estar do trabalhador sem comprometer o rendimento econômico.
Porém, a advogada Rithelly Eunilia lembra que a aprovação dessa mudança pode ser difícil, dado que há uma forte resistência, especialmente entre alguns setores empresariais e políticos. “Dentro da Casa Legislativa, há muitos deputados que acreditam que a redução da jornada pode impactar negativamente no crescimento econômico do país, argumentando que o trabalho é ‘edificante’ e fundamental para o desenvolvimento”, diz. Ela destaca que, embora a proposta tenha apoio popular crescente, sua viabilidade ainda depende de uma série de negociações políticas.
A Importância de um Descanso Efetivo: Uma Questão Cultural
É importante ressaltar que, para que a redução da jornada de trabalho tenha um impacto positivo na saúde do trabalhador, não basta apenas garantir dias de descanso. A verdadeira mudança depende de uma reestruturação nos processos de trabalho, de forma que a carga de tarefas seja ajustada à nova jornada.
O médico do trabalho e autor do livro O que ninguém te contou sobre Burnout, Marcos Mendanha, adverte que uma redução na carga horária sem uma revisão nas tarefas diárias pode ser prejudicial ao trabalhador. “Se a carga de trabalho semanal for mantida, mas distribuída em menos dias, o resultado pode ser o oposto do desejado. O trabalhador teria que realizar o mesmo volume de tarefas em menos tempo, o que gera estresse e sobrecarga, fatores diretamente relacionados ao burnout”, alerta.
Mendanha também aponta que a criação de novos vínculos de trabalho durante os dias de folga pode anular os benefícios da jornada reduzida. “Na saúde, por exemplo, muitos profissionais, ao adotarem jornadas mais curtas, acabam assumindo múltiplos empregos para suprir a renda. Isso transforma o tempo de descanso em mais uma oportunidade de trabalho, o que agrava a sobrecarga física e emocional”, observa.
Por isso, a implementação de uma jornada mais curta precisa ser acompanhada de uma mudança cultural nas empresas e uma preparação dos trabalhadores para que o tempo livre seja efetivamente utilizado para recuperação, lazer e convivência social. A redução da jornada, para ser eficaz, deve vir acompanhada de políticas de gestão mais eficientes, que assegurem que o trabalhador consiga realmente usufruir de seu tempo de descanso.
O Caminho para o Bem-Estar no Trabalho
O debate sobre a escala 6×1 reflete uma preocupação crescente com o bem-estar do trabalhador, principalmente diante do cenário de doenças ocupacionais como o burnout. A discussão não se resume à diminuição da carga horária, mas ao compromisso das empresas e dos governos em criar um ambiente de trabalho mais saudável e equilibrado.
Se, por um lado, a redução da jornada de trabalho pode contribuir para uma maior disposição e qualidade de vida, por outro, é fundamental que ela seja implementada de maneira planejada e com a devida preparação. As empresas precisam reavaliar a distribuição de tarefas, e os trabalhadores precisam ser incentivados a usar efetivamente o tempo de descanso para se recuperar do desgaste diário.
Em última análise, a escala 6×1 e a proposta de mudança para uma jornada de 4×3 trazem à tona um debate mais amplo sobre as condições de trabalho no Brasil, mas também sobre a necessidade de um novo equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. Se as transformações forem bem implementadas, elas podem representar uma revolução na forma como os brasileiros encaram o trabalho e, principalmente, o descanso.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, propõe uma redução da jornada de trabalho semanal de 44 para 36 horas. Assim como a proposta de Erika Hilton (PSOL-SP), que também visa revisar a carga horária no país, o texto de Lopes sugere a possibilidade de uma jornada de quatro dias por semana, com a flexibilidade de negociação dos termos por meio de acordo ou convenção coletiva. Contudo, ao contrário da proposta de Hilton, que sugere uma alteração constitucional mais imediata, as mudanças previstas na PEC de Lopes não seriam aplicáveis de forma instantânea, dependendo de acordos entre empregadores e trabalhadores para a implementação das novas condições. Assim, apesar dos pontos em comum, a tramitação de ambas as propostas pode não ser facilitada, já que envolvem abordagens legislativas distintas e dependem de processos de negociação em diferentes esferas.