Ian Davis é um ex-sócio gerente da consultoria McKinsey. Em um artigo, escreveu que a sobrevivência a curto prazo é o único item na agenda de muitas empresas e que algumas já buscam olhar, “através da neblina da incerteza”, uma maneira de se posicionarem depois que o pior passar e as coisas voltarem ao normal. E questionou: como seria essa aparência normal?
Para quem imagina que essas palavras se refiram ao momento atual, de pandemia de covid-19, vale informar que tal artigo foi escrito há pouco mais de dez anos, quando boa parte do mundo sentia os impactos de uma grave crise econômica. Mas as observações se mantêm, assim como crises sempre irão aparecer.
Chocado, perplexo e, para uma pequena parte, ainda incrédulo, o mundo chora a morte de milhares de pessoas em função do novo coronavírus. Pessoas são orientadas a se isolarem em casa para achatar as curvas de contágio e não sobrecarregar os sistemas de saúde. Empresas buscam se reorganizar em um mercado, no caso brasileiro, que já não vinha lá essas coisas. Pesquisadores ganham o destaque devido na luta para fazer frente à nova doença.
O mundo parece ter parado; uma pausa forçada para a reflexão. Fomos impelidos a debruçar – de nossas varandas, quartos, salas de bate-papo, lives, por exemplo – a construir uma nova ordem social e econômica, sem precedentes – apenas para ficar em dois pontos dessa nova agenda da humanidade. Como será o mundo depois que o pior desta crise passar? Como será o “novo normal”?
Trazer essas questões para uma pauta focada em gestão de pessoas e recursos humanos faz todo o sentido. Esta crise tem um forte componente humanitário. Trata de pessoas: pessoas que, infelizmente, partiram; que estão nos hospitais, internadas e também aquelas que, heroicamente, cuidam dessas pessoas; pessoas que cuidam de pessoas em casa; que contribuem para suas organizações não sucumbirem nesse novo temporal de mercado; pessoas que, nas empresas, também cuidam de pessoas…
Sim, falamos de RH! E de outros líderes também, responsáveis, sempre, pelos bons exemplos que esperamos que ofereçam.
Praticamente, de uma hora para outra, muitas empresas tiveram de criar seus comitês de crise (algumas não) para traçar uma lista de ações emergenciais. Obrigadas a serem ágeis, literalmente, deram um forte impulso no home office. Reforçaram os cuidados com a saúde física e mental de seus colaboradores. Passaram a buscar alternativas para manter os empregos… Ao mesmo tempo, já sondam os ares do futuro em relação aos negócios, se preparando para o momento de retomada. Toda crise passa.
Ser mais fortes. E com mais barreiras?
No artigo Beyond coronavirus: The path to the next normal (algo como Além do coronavírus: o caminho para o próximo normal, em tradução livre), Kevin Sneader e Shubham Singhal, sócio-gerente global sediado em Hong Kong e líder global da prática de serviços e sistemas de Saúde, respectivamente, e também da McKinsey, dão algumas pistas para as empresas do que está por vir. Uma que chama a atenção diz respeito às mudanças nas expectativas das pessoas, seja como cidadãos, funcionários ou consumidores.
Os impactos causados pelas mudanças bruscas por que passamos hoje sobre o modo como vivemos, trabalhamos e como usamos a tecnologia vão ganhar mais força. Para os consultores, as empresas que estão se reinventando para aproveitar ao máximo a melhor visão e previsão, à medida que tais preferências evoluem, terão mais chances de sucesso.
“O mundo on-line do comércio sem contato pode ser reforçado de maneiras que remodelem o comportamento do consumidor para sempre”, escreveram. Eles afirmam que a crise irá revelar não apenas vulnerabilidades, mas também oportunidades para melhorar o desempenho dos negócios, como a chance de reconsiderar quais custos são realmente fixos e quais variáveis, “pois o desligamento de grandes faixas de produção lança luz sobre o que é necessário e o que é bom ter em última análise”.
Além disso, “as oportunidades para impulsionar a adoção da tecnologia serão aceleradas pelo rápido aprendizado sobre o que é necessário para aumentar a produtividade quando o trabalho não estiver disponível. O resultado: uma noção mais forte do que torna os negócios mais resistentes a choques, mais produtivos”, afirmam no texto.
Resistência. Ou melhor, resiliência. Essa será cada vez mais uma palavra-chave daqui para a frente.
Em outro texto (The future is not what it used to be: Thoughts on the shape of the next normal, em tradução livre, algo como O futuro não é mais o que costumava ser: pensamentos sobre a forma do próximo normal), os mesmos consultores comentam que mais de três bilhões de pessoas vivem em países cujas fronteiras estão, agora, totalmente fechadas para não residentes e que 93% vivem em países que impuseram novos limites à entrada por causa do coronavírus.
Em termos de negócios, isso pode significar uma preferência maior por produtos e serviços locais, um repensar na cadeia de suprimentos, obviamente. Mas, em termos de políticas de recursos humanos e gestão de pessoas, o que isso pode gerar? Será que essas barreiras voltarão ao normal de antes? O trânsito de profissionais expatriados ou aqueles deslocamentos para eventos nas matrizes vão sofrer algum impacto no “novo normal”? Ou vamos continuar dividindo as telas dos computadores com mais pessoas em reuniões a distância? Vai ficar a gosto do freguês?
Falando em freguesia e mundo digital, vale reforçar que a área de RH deve se aproximar mais e mais dos consumidores ou clientes de sua empresa. Entender os novos hábitos e preferências de consumo ajudam a balizar muitos pontos de uma política de recursos humanos, como capacitação, remuneração, entre outros… E Sneader e Singhal destacam, nesse segundo artigo, que, na Europa, 13% dos consumidores disseram, no início de abril, que planejavam navegar pela internet pela primeira vez e que, somente na Itália, as transações de comércio eletrônico aumentaram 81% desde o final de fevereiro. O mundo digital vai estar mais presente em nossas vidas – dentro e fora das empresas?