Item certo na bagagem

de Fabíola Tarapanoff em 21 de junho de 2010

“Quando gastamos tempo demais a viajar, tornamo-nos estrangeiros em nosso próprio país.” A frase do filósofo francês René Descartes (1596-1650) pode ser aplicada aos expatriados. Com o intuito de expandir os negócios da companhia, eles têm a difícil missão de implantar um sistema ou investir no treinamento da mão de obra da filial no exterior. Adaptação à cultura local, aprendizado de um novo idioma e saudades da família são alguns dos desafios enfrentados por executivos brasileiros no exterior.
 
E para lidar com tantas questões, é preciso uma política que ofereça boas condições de saúde. “O número de colaboradores no exterior tem ampliado nos últimos anos, o que indica um aumento na atenção à concessão de benefícios médicos à força de trabalho global”, destaca a consultora da Mercer no Brasil, Regina Herrera. E muitas empresas estão atentas a esse aspecto, como mostra pesquisa sobre benefícios na área de saúde realizada pela Mercer entre 2008 e 2009. Segundo o levantamento, 98% das organizações concedem planos médicos a seus expatriados. Dessas empresas, 66% concedem planos internacionais para os expatriados de longo prazo, um incremento em relação à pesquisa anterior, que indicava que 57% das empresas adotavam a prática.

Uma organização que aposta no programa de expatriados, oferecendo benefícios na área de saúde, é a Marcopolo, uma das maiores fabricantes de ônibus no mundo, localizada em Caxias do Sul (RS). Segundo o gerente de recursos humanos da companhia, Osmar Antonio Piola, a empresa oferece aos expatriados planos de saúde equivalentes aos oferecidos em sua unidade de origem no Brasil. Geralmente existe também o serviço médico disponível na unidade fabril no exterior, que é utilizado em casos simples ou de urgência. “Há situações em que o serviço é oferecido por meio de um tipo de seguro que cobre  todos os viajantes da companhia. Esse seguro de viagem mantém hospitais conveniados em todas as cidades onde a organização possui unidades fabris no exterior, incluindo serviços odontológicos. O check-up periódico é programado para uma das viagens do expatriado ao Brasil, pois é feito em sua unidade de origem”, explica Piola. Ele ressalta que esses benefícios são oferecidos a todos os expatriados, tendo como referência o plano de saúde brasileiro. “Hoje, há 109 expatriados em países como México, Colômbia, Argentina, Rússia, China, África do Sul, Índia e Egito. E todos têm os mesmos benefícios”, conta o gerente, que ressalta: se o expatriado residir com a família no exterior, o benefício é extensivo a esses familiares. O pacote de benefícios tem valor médio de 700 reais por expatriado ao ano.

Cobertura garantida
Para Piola, oferecer o benefício de saúde aos executivos que estão no exterior é uma necessidade, pois a pessoa está em extensão de suas atividades por solicitação da empresa de origem. “Os expatriados têm se mostrado satisfeitos com o benefício oferecido”, comemora. Prova do sucesso do programa é o baixo absenteísmo. “De fato, existem poucas ocorrências de uso do benefício-saúde no exterior. Nos locais onde há um número maior de expatriados, existe também o serviço médico próprio da empresa, o que minimiza custos e a necessidade de afastamento, pelo fato de o atendimento ser imediato”, conta Piola.

Um desses expatriados é Oscar Barbieri, gerente-geral da unidade Marcopolo na Colômbia (Superpolo). Barbieri, que está há um ano na Colômbia para cobrir a posição de gerente-geral da unidade, é responsável pelo planejamento estratégico, a definição das políticas da unidade e a direção e coordenação de diversos processos com o intuito de auxiliar no desenvolvimento e no crescimento do negócio. “O meu dia a dia na empresa é variado: participo de reuniões, percorro a área industrial diversas vezes, converso com os trabalhadores, atendo a clientes e visito os fornecedores. É um trabalho gratificante. Bogotá é uma cidade charmosa, com clima agradável e eu resido em uma boa região da cidade. Atualmente estudo inglês, ando de bicicleta na ciclovia e vou ao ginásio me exercitar”, comenta.

O gerente participa do plano de saúde da filial, que cobre todas as necessidades médicas e pode usufruir da assistência da própria unidade. O custo do plano de saúde é de 265 dólares mensais. “Não tenho tido dificuldade no tratamento de problemas de saúde na Colômbia. Os médicos são bons especialistas e o plano de saúde cobre todas as minhas necessidades.  Também não tenho tido dificuldades com o idioma espanhol”, relata.

Só em emergências
Outra empresa que leva a saúde do colaborador no exterior a sério é a Embraco, empresa de compressores para refrigeração localizada em Joinville (SC). Segundo Eliane Pacheco, gestora de recursos humanos e responsável pelo programa de expatriados, os colaboradores no exterior e seus familiares têm um plano de saúde com toda a cobertura médica, mas costumam utilizar o plano mais em situações de emergência. “Quando eles retornam ao Brasil para visitar familiares, aproveitam para fazer todas as consultas e exames e preferem fazer o check-up com um médico de confiança no Brasil. Ele encontra aqui também toda assistência odontológica”, diz.

Eliane explica que se o funcionário ou familiar tiver algum problema de saúde no exterior e o plano não oferecer cobertura, ele pode realizar o atendimento, que será reembolsado depois. Hoje, são 16 expatriados no exterior, estando a maioria presente na China: sete colaboradores em Beijing (Pequim) e três em Qingdao. Há, ainda, três expatriados na Itália, dois nos EUA e um na Eslováquia. Segundo Eliane, o valor do pacote de benefícios na área de saúde oferecido aos colaboradores varia conforme a posição que ocupam no exterior e o tamanho da família, situando-se na faixa de 150 mil a 280 mil dólares por ano. Na Embraco, os expatriados são enviados a determinados países com um determinado objetivo e permanecem pelo menos dois anos no país onde são alocados.

O pesquisador sênior Fábio Fagotti é um dos colaboradores da organização que está em uma das filiais mais distantes da Embraco: a da China. Há 22 meses no país, Fagotti, que possui 18 anos de experiência na organização, é responsável pelo desenvolvimento de R&D (Pesquisa & Desenvolvimento – Research and Development) da filial chinesa. Ele coordena projetos conjuntos entre universidades e a empresa, soluções para clientes OEM (Original Equipment Manufacturing – fabricantes de equipamentos originais) e lidera o treinamento do pessoal da filial em questões pertinentes à pesquisa e ao desenvolvimento. Busca, assim, atuar como um facilitador da interação entre as plantas Brasil e China em projetos conjuntos e nas rotinas de aceleração no desenvolvimento de projetos. Segundo o contrato corrente, Fagotti deve permanecer por mais 14 meses. “Com exceção das necessárias adaptações à cultura local e de uma rotina mais ´puxada´ e com atuação mais diversificada, o dia a dia na empresa é similar ao que tinha no Brasil. A única ressalva é a necessidade de preocupação constante com a comunicação, apesar de muitas pessoas na empresa falarem ao menos inglês instrumental”, avalia. “Empatia, clareza nas exposições, procurar entender um pouco da cultura local e aulas de chinês ajudam na adaptação. Outro ponto a ressaltar é que na China tudo ocorre em uma velocidade maior. As oportunidades aparecem mais rápido e, por isso, os clientes pedem respostas mais ágeis”, destaca.

O pesquisador conta que a Embraco oferece um seguro saúde para assistência médica e odontológica (limitada a emergências) com cobertura global, reembolso de despesas de assistência odontológica na China e seguro saúde para assistência médica e odontológica no Brasil. “Um seguro saúde com cobertura ampla e confiável foi um diferencial na opção pela empresa e condição sine qua non para a decisão de aceitar a expatriação”, avalia. Ele comenta que não sentiu dificuldades em se expressar, pois em Beijing há clínicas com médicos e dentistas que falam inglês e/ou outras línguas além do chinês. “Dessa forma, o idioma não chegou a ser uma dificuldade para minha família, pois todos falam inglês”, relata.

Ampla experiência
Já o responsável pela controladoria financeira da região das Américas (financial controller/ Americas Region), Roshan Shafa, apesar de atuar hoje no Brasil, possui uma ampla experiência como expatriado, pois permaneceu na Itália por quatro anos e oito meses com o intuito de se desenvolver na área financeira. “Durante toda a minha permanência no país, liderei os processos da área financeira da filial, vivendo experiências na gestão de processos de RH e TI. Considerando os desafios da realidade industrial italiana, foram dias bem diferentes uns dos outros, em que a rotina jamais prevaleceu. Do ponto de vista familiar, a oportunidade em morar fora é a de aproveitar as pequenas distâncias e conhecer o maior número de cidades e países”, relata.

Além do plano de saúde da Embraco, durante o período de permanência na Itália, Shafa conta que ele e sua família usufruíram do sistema público de saúde italiano ASL (Azienda Sanitaria Locale). “Apesar de não apresentar um atendimento de última geração, como alguns serviços médicos privados no Brasil, o sistema tem grande capacidade de organização e mapeamento de seus pacientes. Meu primeiro filho, Luca, nasceu em um hospital público e todo o acompanhamento pós-natal foi efetuado por meio da ASL”, conta. Após o retorno ao Brasil, o executivo voltou a ter um sistema completo de assistência médica e odontológica oferecido pela empresa.

Para Shafa, a possibilidade de acesso a um benefício-saúde garante ao profissional um alto nível de segurança. “Sei que minha família está protegida e posso focar, com tranquilidade,  minhas atividades profissionais”, afirma. Ele acredita que o diferencial não está mais relacionado ao fato de ter ou não um plano de saúde, mas sim à qualidade desse plano. “O nível dos serviços prestados pelas empresas nesse segmento ainda é muito diferente, portanto a qualidade e o conhecimento do plano são fundamentais para evitar surpresas”, conclui.

Expandir, expandir, expandir

Cresce o número de empresas latino-americanas que expatriam seus profissionais para aumentar os negócios

Pesquisa da Mercer sobre transferências internacionais, abordando o período 2009-2010 e realizada entre julho e dezembro do ano passado junto a mais de 220 empresas (representando 60 mil expatriados), mostra um pouco do perfil das organizações que enviam colaboradores a outros países:

» 41% são de origem europeia
» 30% são empresas da Ásia e do Pacífico
» 18% da América do Norte
» 10% da América Latina

Dados desse estudo apontam que, nos últimos dois anos, a porcentagem de corporações que ampliaram de forma mais significativa o número de colaboradores enviados a outros países foi a das organizações da América Latina, com 48%, seguidas por:

» companhias da Ásia (47%)
» da Europa (39%)
» da América do Norte (31%)

“Empresas norte-americanas foram as que mais reagiram à crise econômica mundial, diminuindo o número de transferências. E o segmento que apresentou maior redução no período foi o de Tecnologia da Informação”, analisa Regina, da Mercer. A consultora destaca que o principal motivo do aumento no número de expatriações é a busca das companhias em expandir seus negócios em todo o mundo. “No entanto, o relatório mostrou que entre as preocupações em se enviar mais colaboradores a filiais no exterior está a dificuldade em encontrar candidatos adequados e que possam transferir o conhecimento no retorno ao país de origem”, comenta Regina.

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