![]() |
Crédito: Shutterstock |
De olho nos jovens talentos, empresas já perceberam que precisam fugir dos processos seletivos tradicionais e oferecer atividades desafiadoras para atrair a geração Y. É por isso que algumas decidiram investir na chamada “gamificação”: o uso de jogos em ambientes corporativos. Os desafios vão desde testes de conhecimento no estilo quiz a apresentações corporativas de projetos e jogos de negócios, com direito até a voo panorâmico em balões como premiação.
Um levantamento da consultoria M2 Intelligence informa que a gamificação movimentou US$ 450 milhões em 2013 e deve chegar aos US$ 5,5 bilhões em 2018 – incluindo aqui o uso de jogos na educação e em outros contextos que não incluam exclusivamente objetivos de entretenimento. Já a pesquisa realizada pelo Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), ONG norte-americana, prevê que 85% das tarefas do cotidiano até 2020 envolverão algum elemento de jogo.
Para o catedrático Karl Kapp, que leciona tecnologia da instrução na universidade de Bloomsburt (USA), há dois modelos de gamificação. O primeiro é aquele em que são usados alguns elementos de jogos como pontos e ranking de liderança. O segundo vai além e transforma a vida real em jogo. Neste padrão, a empresa pode produzir um game que representa a atuação de sua equipe de vendas no mercado, por exemplo. É o que muitos chamam de “jogo sério”. O livro em que Kapp é coautor The gamification of learning and instruction field book (na tradução para o português, Livro de campo de aprendizado e instruções por meio da gamificação), aborda por meio de exemplos práticos os dois modelos e destaca os benefícios do uso dessas práticas.
Brandstorm
Antes de se tornar a palavra du jour em treinamento e seleção, a L’Oréal já surfava há algum tempo na onda da gamificação. Aliás, a multinacional francesa de cosméticos foi uma das pioneiras na matéria. A organização criou o Brandstorm, um dos primeiros jogos de negócios do mundo, em 1992. No Brasil, o game foi aplicado a partir de 2004. De lá para cá, a L’Oréal do Brasil já registrou mais de 1.700 participantes — em âmbito mundial, mais de 68 mil universitários já participaram da competição.
O jogo funciona da seguinte maneira: anualmente, a empresa escolhe uma de suas marcas que será foco da disputa e um público-alvo para a qual os estudantes precisarão desenvolver uma linha inovadora de produtos. Neste ano, o alvo foi a Kiehl’s, marca da Divisão de Luxo da empresa. Durante dois meses, os jovens talentos se dedicaram à elaboração de um produto voltado ao público masculino, além de estratégias de marketing e vendas, com direito à pesquisa de mercado, análise de SWOT — Strengths (Forças), Weaknesses (Fraquezas), Opportunities (Oportunidades) e Threats (Ameaças) — e apresentação das ideias para os jurados da L’Oréal.
![]() |
Lauro Chacon |
“O objetivo é dar a esses universitários a oportunidade de se colocarem no lugar do líder de uma marca e vivenciarem como seria trabalhar em uma grande empresa”, explica Tallita Fahl Kemmer, coordenadora de RH da L’Oréal Brasil. “O foco do jogo não está nos projetos, mas nos estudantes.” A executiva explica que a sua equipe fica atenta às boas ideias, mas dificilmente os projetos apresentados são de fato implementados pela organização.
As três melhores equipes ganham prêmios em viagens internacionais e o grupo vencedor participa da etapa internacional do Brandstorm, disputado entre competidores de diversos países. Além disso, a empresa fica de olho na performance dos participantes e indica os que mais se destacaram para seus processos seletivos — no ano passado, 111 se inscreveram no Brasil e, desses, seis foram contratados.
Experiência intercultural
Outra empresa que investe em jogo como uma de suas práticas de atração e seleção de jovens talentos é a Unilever. Neste ano, a gigante anglo-holandesa resolveu lançar o Unigame, sua primeira competição que protagonizará o programa de processo seletivo de estágio ao redor do globo. O jogo, que será predominantemente virtual, vai propor um desafio ligado à marca OMO. Os candidatos terão de formar grupos para participar da disputa e contarão com uma série de informações disponibilizadas pela companhia, como posicionamento, histórico dos produtos, entre outras. Os autores dos dez melhores projetos serão convidados a realizar apresentações presenciais para os altos executivos da empresa. Desses, os três primeiros grupos classificados serão recompensados com vagas de estágio e com uma participação na etapa mundial do jogo.
“É uma experiência intercultural, uma chance de vivenciar como é trabalhar em uma empresa globalizada e também uma ‘vitrine’ para esses jovens em início de carreira”, afirma Joana Rudiger, gerente de talentos da Unilever no Brasil.
Ela ressalta que o desafio em si está muito centrado na capacidade dos participantes de inovar e de ser criativo. No entanto, aspectos comportamentais também são alvo de avaliação da empresa. “Queremos estagiários que tenham principalmente predisposição à ação. Não é só ter a ideia, mas colocá-la em prática. Esse é um comportamento que a gente valoriza na empresa”, enfatiza Joana.
Ao contrário da L’Oréal, a Unilever vai estar atenta também à possível viabilidade dos projetos. “Informamos no regulamento que os projetos são de nossa propriedade. Se forem factíveis, queremos aproveitá-los, mas é difícil avaliar isso agora, já que ainda não iniciamos a disputa”, diz a gerente de talentos.
![]() |
Gabriella, Gil e Flavia: ganhadores do desafio L’Óreal / Crédito: Divulgação |
Perguntas e respostas
Aos que não quiserem apostar em plataformas sofisticadas de gamification há ainda opções mais simples. A Radix, multinacional brasileira de engenharia e software, por exemplo, começou em 2010 a oferecer como ferramenta de recrutamento e seleção para suas vagas de estágio o Quix, um jogo de perguntas e respostas sobre temas como sustentabilidade, energias renováveis, meio ambiente, e petróleo e gás. Ao todo, já foram 25 edições do jogo, com a participação de quase 800 estudantes de universidades de diferentes regiões do país.
“No Quix, os estudantes formam duplas para, juntos, tentar responder às nossas perguntas com graus de dificuldade e pontuações diferentes em um curto espaço de tempo. A dupla que soma mais pontos ganha como premiação brindes, livros técnicos e um estágio na empresa”, explica Vanessa Tenório, coordenadora de RH da Radix.
![]() |
Joana Rudiger |
Embora o jogo tenha como foco o conhecimento técnico de seus participantes, aspectos comportamentais também são avaliados. “Durante a competição, podemos avaliar o comportamento, ver como eles trabalham com a sua dupla, se impõem sua opinião ou respeitam a do outro, se vibram com os resultados, se têm dificuldades, se tentam olhar a resposta da outra dupla e assim por diante”, conta Vanessa. Nesse processo, a empresa identifica aqueles que têm e os que não têm o perfil da empresa. De acordo com a executiva, às vezes, estudantes que perderam o jogo acabam sendo convidados a trabalhar na organização, por terem se destacado na dinâmica.
“Em muitos casos, esse tipo de seleção prioriza o conhecimento técnico dos participantes. Cabe ao RH encontrar diferentes maneiras de fazer uma análise comportamental e avaliar se os candidatos vencedores estão alinhados aos principais valores da empresa”, analisa a coordenadora de RH da Radix. “Se o jogo for bem elaborado, atendendo a todos os requisitos técnicos e comportamentais necessários para a função, ele pode ser aplicado e bem sucedido em qualquer vaga.”
Em clima de Copa
Para escolher seus trainees este ano, a KPMG incluiu em seu processo seletivo, como ferramenta complementar, o Game Copa KPMG, um jogo virtual que simula um voo panorâmico de balão pelo Brasil. No game, o candidato faz paradas estratégicas em todos os escritórios da empresa e nas cidades sedes da Copa para responder a questões relacionadas à empresa e às últimas edições da competição mundial. Ao longo da competição, o participante acumula pontos e os mais bem classificados concorrem a um voo de balão de verdade, com tudo pago pela empresa.
“Decidimos utilizar ferramentas interativas para a geração Y que, de alguma forma, agregassem conhecimento ao candidato em relação à organização. O recurso também nos fornece mais uma ferramenta de avaliação desses jovens”, afirma Cris Bonini, diretora de gestão de pessoas, performance e cultura da KPMG no Brasil. A partir do jogo, a organização procura avaliar o quanto o candidato está “antenado” sobre a Copa e se ele se identifica com as habilidades e atitudes necessárias para atuar na companhia.
E para ganhar o jogo Accenture Campus Challenge é preciso vestir o uniforme da empresa global de consultoria de gestão, TI e outsourcing. A competição entre universitários, que este ano está no Brasil em sua terceira edição – há mais de dez já é realizada em países como Alemanha, Suíça e Austria — visa selecionar talentos à companhia. Alunos que estejam nos dois últimos anos da graduação em diversas áreas do conhecimento estão aptos a participar do game.
Na disputa que envolve a resolução de cases desenvolvidos pela empresa, a primeira fase consiste em um simulador on-line, que funciona por meio de um aplicativo móvel, no qual o candidato assume o papel de um consultor Accenture e interage com clientes fictícios. Apenas os dez melhores colocados vão para a etapa seguinte, que é composta de um minucioso processo seletivo, testes práticos e entrevistas individuais. Desses, somente três finalistas são selecionados para o último desafio, o presencial: uma competição de um dia frente a frente com a banca de executivos da organização. Apenas um candidato pode ser o vencedor, que além de se tornar estagiário da Accenture, ganha uma viagem ao centro de treinamento da empresa em Chicago. No ano passado, 2.400 estudantes se inscreveram no jogo no Brasil.
![]() |
Tallita Fahl Kemmer |
“O objetivo da primeira fase é avaliar a capacidade do competidor de tomar decisões difíceis e rápidas, baseadas em seu conhecimento”, explica Lauro Chacon, diretor de recursos humanos da Accenture. “Nas etapas seguintes, avaliamos desde as competências acadêmicas até o comportamento, aderente ou não aos nossos valores fundamentais. O objetivo é avaliar o competidor como profissional e indivíduo.” Chacon acredita que esse tipo de processo seletivo traz bons resultados em termos de atração da geração Y. “Ele mexe com o espírito de competição e motivação dos jovens, consequentemente atrai mais talentos.”
Gestão de energia
Cristina Moraes, coordenadora de aquisição de talentos da Schneider Electric, concorda com o poder de atração desse tipo de disputa. A empresa desde 2012 realiza o programa Go Green in the City, do qual podem participar estudantes das áreas de negócios, financeiro, social e engenharia a partir do segundo ano da faculdade.
Nesse jogo, os jovens são convidados a criar projetos que abordem soluções inteligentes em gestão de energia para cinco setores básicos: residencial, estudantil, comercial, saneamento e hospital. Depois da primeira etapa de seleção dos projetos, há uma segunda fase em que os participantes devem criar uma sinopse e um vídeo para apresentar suas ideias — eles contam com a orientação de especialistas da Schneider nessa fase do processo.
Aos vencedores do desafio duas recompensas: conhecer até três unidades da companhia ao redor do mundo e o estágio garantido na empresa. “Buscamos jovens que tenham visão de futuro e perfil Schneider Electric de sustentabilidade, inovação, que aceitem desafios e estejam alinhados aos valores paixão, objetividade, eficácia e abertura”, destaca Cristina. “Já os projetos podem ser utilizados internamente, atendendo às necessidades da organização. Todos os cadastros permanecem em nosso banco de dados e podem ser contratados no futuro.”
Tais jogos são complexos para se organizar e exigem das equipes de gestão de pessoas empenho e interação com outras áreas da empresa. E qual é o fator crítico de sucesso dessas competições? O principal erro que se pode cometer é, na tentativa de encantar os participantes, acabar mostrando um cenário aos estudantes que não corresponde à realidade da companhia. “É preciso manter a veracidade, apresentar a cultura, os valores e as práticas da organização, mas mostrar que o trabalho sério pode ser feito de uma maneira divertida”, avalia Joana Rudiger, da Unilever. “O importante é não prometer o que não poderá ser cumprido depois.” De resto, que comecem os jogos.
Aprendendo a jogar O uso de games não se restringe apenas à área de recrutamento e seleção, a aplicação do método na área T&D também vem sendo estudada. Numa pesquisa global realizada pela Sociedade Americana de Treinamento e Desenvolvimento (ASTD) com mais de 500 RHs descobriu-se que, entre os entrevistados, 25% já utilizam algum tipo de mecanismo de gamificação em treinamentos com foco no engajamento de equipes. Outros 19% afirmaram que usam games com elementos como histórias, atingir objetivos, feedback e até ajudar pessoas para reforçar habilidades específicas nos colaboradores. Mais adiante, 56% dos RHs entrevistados confirmaram que o uso da gamificação está nos planos estratégicos da área na companhia em que atuam. Contudo, 19% dos entrevistados não têm planos ainda de implantar o sistema e outros 27% disseram que observam a necessidade de usar games que se parecem com o dia a dia de atuação de suas empresas.Passo a passo para o sucesso Àqueles que vêm uma oportunidade na gamificação, seja na área de R&S ou em T&D, especialistas alertam que é preciso observar bem os seguintes itens antes de implantar o sistema:
|