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Lições da pandemia para a gestão de pessoas na atualidade

Miriam Branco da Cunha, diretora de RH do Hospital Albert Einstein, mostra como o isolamento social levou as empresas a priorizar a saúde mental de seus colaboradores

de Redação em 24 de setembro de 2025
Miriam Branco da Cunha: "Falar sobre interdependência há cinco anos, soaria estranho para as organizações".

Em meio a um cenário marcado pela volatilidade, incerteza e complexidade, as empresas descobriram que saúde mental e conexão social são fatores estratégicos para produtividade e retenção de talentos. Em entrevista exclusiva à Plataforma Melhor RH, Miriam Branco da Cunha, diretora de Recursos Humanos do Hospital Albert Einstein, relata como o isolamento social evidenciou a necessidade de transformar a gestão de pessoas, equilibrando tecnologia, bem-estar e engajamento.

Como você enxerga a interdependência entre saúde mental, saúde social e tecnologia no dia a dia das organizações?

Falar sobre essa interdependência há cinco anos, soaria estranho para as organizações. O que vemos hoje é algo novo na sociedade e consequentemente na forma de trabalho. Cada um desses elementos influencia e é influenciado pelos outros.

A saúde mental impacta diretamente a produtividade, criatividade e tomada de decisão. O excesso de demandas digitais, hiperconectividade e falta de limites (reuniões online sem pausas, agendas sobrecarregadas, mensagens fora do expediente) aumentam ansiedade, burnout e estresse.

Quando bem cuidada, a saúde mental gera engajamento, senso de pertencimento e melhora da colaboração.

A saúde social é tão crucial quanto a saúde física e mental. Estudos mostram que as conexões sociais impactam significativamente os resultados de saúde, com indivíduos socialmente isolados apresentando taxas de mortalidade mais altas. Nas organizações, estamos tratando de relações de confiança, pertencimento e suporte entre pessoas. Ambientes inclusivos, com redes de apoio e colaboração, fortalecem a saúde mental. O contrário também é verdadeiro: isolamento social (mesmo em times digitais) pode levar a queda de bem-estar emocional e engajamento.

Times que cultivam relacionamentos saudáveis ​​conseguem usar a tecnologia como ponte, não barreira.

A tecnologia pode ampliar ou comprometer tanto a saúde mental quanto a social. Plataformas digitais, IA e automação aumentam eficiência, mas também trazem sobrecarga de informações, excesso de controle e redução do equilíbrio entre vida pessoal e trabalho.

Por outro lado, a tecnologia pode apoiar práticas de bem-estar, além de manter a conexão e aproximar equipes distantes fisicamente.

Quais práticas você já observou que mostram que a tecnologia pode ser uma aliada, e não uma ameaça, à saúde dos colaboradores?

Miriam Branco da Cunha, diretora de RH do Hospital Albert Einstein

Os melhores exemplos que eu já observei estão relacionados ao desafio que enfrentamos a partir de 2020 com a COVID-19. Enquanto o mundo parou e as pessoas passaram a se isolar, o Einstein precisou de muita gente para lidar com o desconhecido. Medo, ansiedade e estresse no ambiente de trabalho, passou a ser o cotidiano de quem trabalhava na linha de frente. 

Para lidar com essa demanda, as conexões foram fundamentais e o uso da tecnologia, a melhor ferramenta. Só em 2020 realizamos mais de 101 lives com temáticas institucionais (contexto da pandemia, atualizações do ponto de vista científico, saúde dos colaboradores, home office, saúde mental etc.). As lives aconteciam por Zoom, com perguntas abertas e disponíveis posteriormente no workplace. Tomamos muitas decisões a partir de provocações realizadas nessas lives. Um exemplo foi o uso de máscaras para todos os colaboradores e pacientes, antes mesmo da recomendação da OMS. O resultado foi o aumento da satisfação e do senso de pertencimento.

Adotamos outras práticas, especificamente relacionadas com a saúde do colaborador e com uso de tecnologia, como por exemplo:

  • Questionários anônimos para aferir a temperatura emocional dos profissionais da linha de frente.
  • Plataforma na Web com estratégias de apoio ao autocuidado e à gestão das emoções, sensibilizando sobre saúde mental.
  • Práticas integrativas online.
  • Hotline – linha direta com psicólogos treinados.

Quais sinais de alerta as lideranças precisam aprender a identificar para prevenir burnout e sobrecarga?

Muitas vezes os sinais estão em problemas de saúde que parecem não estar relacionados (dor nas costas, infecções urinárias, dores de cabeça), outras vezes, a baixa participação em discussões, excesso de horas extras, mensagens encaminhadas fora do horário de trabalho podem sinalizar sobrecarga.

Como equilibrar produtividade com cuidado genuíno à saúde mental em ambientes altamente exigentes, como hospitais ou grandes corporações?

Se a cultura organizacional promove o equilíbrio, a tecnologia se torna aliada para facilitar a colaboração, facilitar as jornadas e apoiar o bem-estar. Se há um propósito forte e compartilhado, os times encontram apoio emocional e mitigam os efeitos negativos de situações ou pressões cotidianas.

Que iniciativas simples, mas eficazes, é possível implementar para apoiar a saúde mental em empresas que ainda não têm estrutura robusta?

Criar um ambiente de segurança psicológica no qual as pessoas possam se posicionar e ouvir genuinamente são ações fundamentais para um ambiente saudável. Reforçar a importância das pausas e celebrar as pequenas conquistas ajudam a manter um bom ambiente. Entender as demandas do trabalho e estabelecer metas alcançáveis dentro desse contexto são a base.

Como fortalecer vínculos sociais entre equipes em um cenário de trabalho híbrido e digitalizado?

Pesquisas mostram que colaboradores conectados oferecem mais engajamento, eficientes e menos propensos a deixar seus empregos. Essa conexão pode ser digital, mas é importante criar locais de trabalho socialmente adequados e que favoreçam a integração nos momentos presenciais.

Reservar tempo para atividades de formação de equipe, celebrar e expressar gratidão são também práticas que fortalecem os vínculos.

O que diferencia empresas que apenas falam de diversidade daquelas que realmente a integram em sua cultura?

A tecnologia nos permite rapidamente diferenciar o discurso da prática. Divulgar vagas afirmativas, discursar sobre diversidade, criar programas e grupos de afinidades, são ações importantes, todavia, não são suficientes para uma organização ser mais diversa e inclusiva. É necessário apresentar mudanças efetivas que podem ser notadas e mensuradas. A diversidade precisa estar representada no grupo de lideranças e nas experiências das pessoas.  Precisa haver um discurso coletivo, sobre o respeito, a individualidade e o orgulho e a confiança das pessoas em serem quem são.

Que papel o RH pode assumir para transformar a saúde social em vantagem competitiva para a organização?

Entendo que o RH tem o papel de influenciar e enfatizar a importância de uma cultura que valorize e apoie a saúde social, tanto para o bem-estar individual quanto para o sucesso organizacional. Trazendo dados e aproximando as pessoas.

De que forma a inteligência artificial já está mudando processos de RH e quais riscos são necessários evitar?

A inteligência artificial já vem mudando os processos seletivos, ampliando o número de candidatos, garantindo uma avaliação pelos mesmos parâmetros e menor subjetividade. Os riscos são a utilização de vieses inconscientes na definição desses parâmetros, consolidando modelos que excluem talentos por critérios ultrapassados.

Outro uso de IA são os atendimentos por agentes virtuais. Isso agiliza as respostas e elimina tarefas repetitivas em RH. Os riscos são dedicarmos mais atenção aos processos e nos distanciarmos das verdadeiras necessidades das pessoas, perdendo talentos importantes para a organização.

Como garantir que algoritmos e dados não reforcem vieses, mas ampliem a inclusão?

Os algoritmos precisam refletir a inclusão que a organização almeja. No Einstein, definimos alguns indicadores que queremos alcançar, por exemplo, aumentar a representatividade de mulheres médicas na liderança. Mesmo tendo 70% dos nossos colaboradores mulheres e 65% na liderança, percebemos que o número de médicas que se candidatam para posições de liderança é baixo. Para ampliar a inclusão, o algoritmo precisa considerar a representatividade mínima de candidatos de ambos os sexos.

Você acredita que a IA ampliada pode contribuir para personalizar jornadas de carreira e aprendizado?

Considerando que vivemos em um mundo VUCA (Volatility (Volatilidade), Uncertainty (Incerteza), Complexity (Complexidade), Ambiguity (Ambiguidade)), bem como a IA gera conteúdos a partir do que já aprendeu e que a carreira se constrói a partir do conhecimento e da oportunidade, acredito que a IA possa contribuir para essa personalização, mas a jornada humana é mais dinâmica e o sentir e o querer de cada um, ainda será particular.

Quais competências novas os líderes precisarão desenvolver para conduzir equipes em um ambiente em que saúde mental, social e tecnologia caminham juntas?

O líder do futuro precisará ser alguém que entende profundamente de gente e, ao mesmo tempo, sabe integrar tecnologia como aliada do bem-estar social e mental. Para isso, precisam ir além das competências tradicionais de gestão e desenvolver novas habilidades para manter equipes engajadas, produtivas e saudáveis. Apesar de entender que as competências precisam estar aderentes à organização, considero que algumas novas competências precisam ser consideradas e descrevo algumas propostas:

  • Liderança humanizada e inclusiva – construir ambientes de confiança em que pessoas possam expressar vulnerabilidades, promover pertencimento em equipes cada vez mais diversas e distribuídas, entendendo os impactos sociais (inclusão, diversidade, desigualdades) sobre o bem-estar da equipe e equilibrando performance e cuidado.
  • Inteligência emocional ampliada – criar ambientes de trabalho saudáveis, tendo empatia em ambientes híbridos/digitais com escuta ativa mesmo com mediações tecnológicas, reconhecendo sinais de estresse, burnout e isolamento social e criando práticas que apoiem o equilíbrio emocional, o engajamento social e o uso produtivo da tecnologia.
  • Competência digital com consciência humana – dominar ferramentas tecnológicas que tornem o trabalho mais produtivo, potencializando as competências humanas e gerando colaboração, saber identificar quando a tecnologia está sobrecarregando em vez de apoiar e garantir o uso de soluções digitais de forma ética e equilibrada.
  • Agilidade adaptativa – flexibilidade para ajustar estilos de liderança em contextos de crise (pandemias, transformações digitais, mudanças sociais), com capacidade de equilibrar inovação tecnológica com estabilidade emocional das equipes.

Como engajar gestores que ainda têm resistência em falar sobre saúde mental e bem-estar?

Abrindo espaços institucionais para que eles aprendam sobre o assunto com especialistas, com histórias inspiradoras e que tenham segurança psicológica para trazer suas vulnerabilidades.

Se puder deixar uma mensagem para os profissionais de RH que poderão ainda enfrentar esse futuro de forma mais intensa, qual seria?

As organizações precisam refletir sobre o seu propósito e atrair talentos dependerá cada vez mais do tripé integrado:

  • Saúde mental como núcleo do bem-estar individual.
    • Saúde social sustentando o coletivo e promovendo resiliência
    • Tecnologia a partir de uma curadoria inteligente, e não necessariamente por imposição de ferramentas.

Quando alinhados, esses três elementos transformam o dia a dia em algo mais sustentável, humano e inovador.

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