Entrevista

Liderança expressa

de Paulo Jebaili em 18 de maio de 2017
Leny: a comunicação não é o que sai da boca, mas o que chega ao ouvido do outro

Comunicação é atributo essencial para contar com equipes
motivadas e inspiradas, diz especialista

Leny: a comunicação não é o que sai da boca, mas o que chega ao ouvido do outro

Leny: a comunicação não é o que sai da boca, mas o que chega ao ouvido do outro

Equipes engajadas e mobilizadas a partir de propósitos claros. Esse ideal dificilmente se realiza se não houver liderança. E, na vida prática das organizações, se não for estabelecida uma comunicação eficaz entre líderes e colaboradores. Competência desejada, a comunicação está no cerne dos processos relacionais e pode ser determinante para se chegar ou não aos resultados desejados.

Cabe ressaltar que comunicação é um processo bem mais complexo do que enviar uma mensagem, envolve uma série de fatores, alguns inclusive inconscientes. Para destrinchar aspectos dessa capacidade de estabelecer conexão com o outro, MELHOR conversa com a especialista Leny Kyrillos. Fonoaudióloga de formação, é doutora em Ciências dos Distúrbios da Comunicação pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), personal & professional coach pela Sociedade Brasileira de Coaching, e coautora do livro Comunicar para liderar (Editora Contexto).

Qual a importância da comunicação para o líder?
A comunicação é uma competência muito buscada e extremamente importante em relação aos conceitos mais recentes de liderança. Há cada vez mais uma busca por trabalho em equipe, em que as pessoas vão trazer resultados porque se sentem engajadas, motivadas, inspiradas por alguém que exerce a liderança. Nesse âmbito, a comunicação é o elemento que vai favorecer a passagem de informações, da inspiração e da motivação para a equipe.

E o que seria uma boa comunicação?
É a capaz de transmitir exatamente aquilo que se pretende. A comunicação não é o que sai da boca, mas o que chega ao ouvido do outro. Esse é um processo em que vários fatores intermediários interferem. Por exemplo, se eu falo alguma coisa, você vai interpretar a partir das suas experiências de vida, da sua bagagem cultural, da sua expectativa em relação ao que está sendo dito. A escuta será influenciada por todas essas questões. O líder tem de buscar um padrão de comunicação que seja simples, direto e objetivo para aumentar a probabilidade de êxito daquilo que saiu da boca. Para isso, o líder tem de buscar a simplificação, usar recursos que favoreçam a clareza – ter bons ajustes de articulação, de projeção de fala etc. – e, principalmente, ele tem de saber ouvir. É preciso levar em conta quem é o público-alvo, com quem se está falando. Quanto mais você tiver dados sobre essa pessoa, mais facilmente consegue atingi-la. Um bom comunicador é aquele que consegue se expressar com clareza e simplicidade e ouvir com atenção.

Do ponto de vista de desenvolvimento de carreira, há pessoas que têm conteúdo, mas não sabem se expressar de forma convincente. Já outras não têm tanto estofo, mas impressionam, têm uma pegada mais marqueteira. Qual o reflexo disso na empresa?
Essas pessoas que têm uma pegada mais marqueteira normalmente não se sustentam no decorrer do tempo. É claro que sempre vamos basear as nossas reações naquilo que identificamos no outro. Num primeiro momento, sem dúvida, um cara mais marqueteiro vai atrair mais atenção, vai fazer com que as pessoas se interessem mais. Mas, se ele não tiver conhecimento, conteúdo, não se sustenta. Comunicação é uma competência e, como tal, resulta de um tripé: conhecimento, habilidade e atitude. Uma pessoa com um superconteúdo tem um conhecimento alto, uma habilidade mais ou menos e uma atitude que não expressa aquilo que ela é e que ela pode. Num primeiro momento, essa pessoa pode até ser rejeitada, porque a percepção construída foi de algo negativo. Se tiver só essa primeira oportunidade, ela está perdida. Mas se tiver uma oportunidade de um contato por um tempo maior, gradativamente ela consegue se impor pela questão do conhecimento. A pessoa que tem uma forma poderosa, que está na questão da atitude – e uma atitude muito positiva de comunicação encanta – mas sem o conhecimento, esse tripé não se sustenta e, no decorrer do tempo, as pessoas perdem o interesse. Ao contrário, quando o conhecimento é grande, há a possibilidade de, num médio prazo, vir a impressionar mais positivamente.

entrevista1O processo da comunicação se dá também de forma inconsciente?
A comunicação constrói percepção o tempo todo. Quando você se comunica, forma imediatamente uma imagem na mente do seu interlocutor, que tem a ver com coisas que eventualmente ele já tenha ouvido, com a roupa que você está vestindo e com a forma como você se comunica. Essa percepção é absolutamente inconsciente, tanto do ponto de vista de quem produz a impressão, quanto do ponto de vista de quem a identifica. Ao construir percepção, o outro reage imediatamente a isso. Se eu ouço uma pessoa falar e ela demonstra segurança, a tendência é que eu reaja de forma atenta, interessada. Se a pessoa demonstra sinais de tensão, de nervosismo, como se ela não estivesse lá muito confortável em relação ao que está falando, a tendência é que eu a rejeite. Aí é que está a questão. Conteúdo é fundamental, se eu não tiver isso, o tripé não se sustenta, porém, há que se ter um cuidado com a forma para que se consiga já num primeiro momento produzir um impacto positivo e garantir a oportunidade de outros momentos.

Qual a importância do aspecto não verbal na comunicação?
A comunicação é um processo amplo e tem a ver com a emissão de sinais. Podemos categorizar esses sinais em três grandes grupos de recursos: os verbais, que têm a ver com a escolha das palavras, com a forma como organizamos as nossas expressões. O verbal é superimportante e tem de estar adequado ao público-alvo. Os recursos não verbais têm a ver como todo o entorno da comunicação: a imagem; a roupa; a forma como você se apresenta e, do ponto de vista corporal, a postura, os gestos e a expressão facial. Tem uma pesquisa clássica da área de comunicação, do Albert Mehabian, pesquisador da Universidade da Califórnia em Los Angeles, que estudou o impacto de cada grupo de recursos na impressão geral. Os não verbais têm 55% de impacto. Os verbais só 7%. Porque, na prática, as palavras chegaram por último na comunicação e foram fruto de aprendizado formal. A gente tem oportunidade de mexer nas palavras, portanto, elas têm menos credibilidade. Por exemplo, você me dá um presente, eu não gosto, mas educadamente seleciono palavras simpáticas: “Nossa, é lindo, adorei” (de modo chocho). Mas o jeito como eu falei mostra que não agradou. Sempre que há tensão entre verbal e não verbal, incoerência, o que prepondera é o não verbal. E o terceiro grupo são os recursos vocais. Aqui entram a dicção, o tom de voz, a fala mais grave, mais aguda, mais alta ou mais baixa, a forma como se faz a ressonância. Tudo isso é emissão de sinais. A nossa grande busca é pela coerência entre os três recursos. Significa eu ganhar o presente, gostar e falar: “Nossa! É lindo! Adorei!”. Usei as mesmas palavras, mas com mais entusiasmo. E aí eu te convenço mais.

Quais são os sinais não verbais mais frequentes que denotam que o discurso não está alinhado com a intenção?
Somos programados para cuidar do verbal. Conseguimos modificá-lo, estamos o tempo todo preocupados com as palavras. Imagine numa entrevista de emprego, você está me fazendo perguntas, estou falando o quanto que eu sou boa numa série de quesitos. Aí você me pergunta sobre algo que é um desafio para mim, que eu sei que é algo que eu tenho de melhorar. Logo ao ouvir a sua pergunta, posso manifestar algum nível de desconforto que você vai captar muito facilmente. Você já vê na expressão do meu rosto, a contrariedade, por exemplo. E eu começo a falar “ehhhh…, ahnnnn…”, hesitante. Ou faço pausas onde não existem ou paro para ficar pensando. O que é isso? São sinais de que estou buscando me apoiar no verbal. Mas essa hesitação já mostra que você pegou o meu ponto fraco. Isso é muito forte principalmente nas expressões do rosto. Paul Ekman, um grande pesquisador das expressões, considera que nós temos microexpressões que duram muito pouco e que rapidamente tentamos disfarçar. Por exemplo, você fala alguma coisa, eu sinto desprezo pelo que você falou, mas não posso demonstrar, eu faço uma microexpressão de desprezo e já a modifico rapidamente. Só que você capta isso, não sabe bem por que, mas tem uma sensação de incômodo. Isso está presente o tempo todo na nossa comunicação.

Além das demandas do cotidiano corporativo, ao longo do dia o cérebro lida com uma grande variedade de assuntos, tome como exemplo as redes sociais. Qual o desafio da comunicação para captar a atenção do outro?
Vivemos num ambiente multiestimulante. Para que você tenha uma mensagem mais relevante naquele mar de estímulos, precisa facilitar o trabalho do cérebro do outro. E você faz isso com uma comunicação mais simples, quando vai direto ao ponto, quando fala de modo bastante assertivo, sempre afirmando, porque o cérebro não consegue identificar negativas. Tudo o que eu nego para você é o que acaba ficando mais evidente. Por exemplo: “não pense em vermelho”, imediatamente o vermelho ocupa a sua mente. O cérebro é assim, ele tem de visualizar para depois descartar. E nisso você perde tempo. Se eu disser: “eu não quero que você faça desse jeito”, é melhor que eu fale: “eu quero que você faça de tal jeito”. Eu encurto o caminho e te atinjo mais facilmente. Então, em primeiro lugar, a busca por uma linguagem simples, em segundo, a busca por essa coerência. Se eu disser: “eu preciso muito que você faça isso!”, com ênfase no “muito”, usei um tom de voz coerente com essa urgência. Quando eu tenho essa coerência, sou mais relevante. E demonstrar interesse genuíno por se fazer entender. Se eu estou falando com você e me encosto na cadeira, fico muito relaxada, olho para baixo, fico me balançando enquanto falo, você vai me dar menos atenção e menos importância do que se eu falar com o meu corpo voltado para você, direcionando a minha comunicação. A comunicação contagia, então, se eu quero que você apreenda algo de forma entusiasmada, envolvida, eu tenho de trazer esse entusiasmo e esse envolvimento na minha maneira de falar.

entrevista2Quais são os grandes pecados de comunicação de um líder?
Um grande pecado é não ouvir. Não ter a mínima ideia do que se passa com o outro, não se preocupar em como atingir o outro, chegar e impor aquilo que acha que é certo. Outra questão importante é a dos feedbacks. A ideia é que o feedback seja bastante claro, centrado no fato e não no julgamento. Porque se eu chego para falar com você e começo a te atacar pessoalmente, a tendência é que você se arme contra mim e a gente crie um embate. Ao contrário, se eu trago elementos racionais, concretos, argumentos para criticar algumas ações e atitudes, é mais fácil que você tome isso como uma crítica construtiva e a tendência de reação é você buscar melhorar especificamente aquele ponto. Por exemplo, é muito mais fácil eu falar: “estou muito incomodada porque você não entrega os seus relatórios no prazo. A equipe fica parada esperando esse relatório e eu queria que você me dissesse o que poderíamos fazer”. Você pode dizer: “É que sou chamado para apagar um monte de incêndios, preciso largar o que estou fazendo para tentar dar conta”. “E de que área vem isso? Com que frequência acontece? Vamos mudar esse esquema.” Isso gera uma conversação. É muito diferente de eu chegar e dizer: “olha, você é um irresponsável”. Porque aí, na hora, você já se arma. Sempre falar da atitude, trazer exemplos: “Em uma semana, você chegou quatro vezes atrasado”, “em seis vezes que te pedi relatórios, só em duas você entregou na data proposta”. São dados objetivos. Mostram o quanto isso impacta a equipe, e no final você se abre para ouvir o outro lado e ver como isso pode ser negociado. O líder vai querer que a equipe funcione bem. Para mim, como líder, é muito mais interessante te dar esse feedback e buscar um consenso para melhorar dali para a frente do que ficar te acusando.

Como deve ser tratada a comunicação de um desligamento?
Essa é uma situação sempre delicada. É natural que numa condição dessa o outro se sinta rejeitado. Um primeiro cuidado é mostrar o sentimento em relação àquilo. “A gente está vivendo um momento difícil na empresa e eu estou muito chateado com essa situação…” Se essa pessoa é boa e só está sendo desligada porque a conjuntura exige, isso tem de ficar claro e mais ainda essa questão do sentimento tem de estar presente. Se for o caso de alguém que não está correspondendo, em que há argumentos, tem de ser um feedback claro. E é fundamental que aconteça depois de isso já ter sido sinalizado. Essa questão de mandar alguém embora é um processo e não pode se resumir ao momento em que se vai comunicar o desligamento. Ele tem de ter tido alguma avaliação, um feedback em que a atitude ruim já foi pontuada. Se foi proposta alguma alternativa e mesmo assim ele não fez a parte dele, então você está cheio de razão. Isso é que nem casamento, não acaba de uma hora para outra. Esses desgastes têm de ser sinalizados, senão o outro vai se sentir traído, injustiçado. E daí para fazer o papel de vítima é muito fácil. O que se deseja é que a pessoa saia, no mínimo, com uma relação de respeito com a empresa e com o líder que está conduzindo esse processo. Quanto mais o líder der feedback e pontuar eventuais falhas, melhor. Quando é por outra razão, vale deixar claro o seu sentimento em relação ao fato e oferecer possibilidades. Dentro da política da empresa, ver o que pode ser feito – manter o plano de saúde por um tempo, encaminhar para outras empresas – para tentar minimizar o impacto negativo.

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