No final de julho de 2023, a Plataforma Melhor RH promoveu mais uma edição do Fórum Melhor RH Felicidade Corporativa, onde participei de um painel em conjunto com a Luciana Camargo, VP Global Liderança da IBM Consulting e Ana Claudia Ramos de Oliveira, VP de Relações Humanas Brasil e Argentina da Continental Indústria Automotiva.
O tema central do nosso painel foi – “Máquinas versus Pessoas”, e partimos dos impactos e preocupações legítimas que essa dicotomia traz hoje a maioria dos profissionais, considerando os atuais avanços da tecnologia. Sem dúvidas, esse é um cenário que acarreta tensões e angústias, afeta a vida e a saúde emocional das pessoas em geral. Parte delas, porque já estão sendo diretamente impactadas e suas perspectivas profissionais, constantemente modificadas ou substituídas e parte, pelas incertezas do que ainda está por vir.
Contudo, optamos por ampliar essa reflexão para além deste paradoxo, que na prática, mais nos paralisa e não ajuda a resolver o desafio. Dado que a evolução tecnológica é inexorável, nosso desafio é para que ela aconteça de forma ética e que nos permita expandir o potencial das nossas capacidades humanas.
Na prática, estamos revivendo um processo de transformação, semelhante ao que foi a revolução industrial, mas possivelmente pela atual dimensão demográfica que temos hoje, em outra escala e com mais complexidades. O que também nos coloca diante de muitos desafios de ordem social, econômica e cultural para qualificar e requalificar pessoas, assim como repensar muitas das nossas dinâmica e relações de trabalho.
Logo, não se trata de negligenciar as preocupações legítimas sobre milhares de empregos que poderão ser substituídos ou transformados. Ainda mais, diante dos recentes avanços da inteligência artificial generativa, que pela primeira vez, coloca em “xeque” não apenas atividades operacionais e repetitivas, mas também, outras associadas criatividade e a tomada de decisão de menor complexidade, até o momento.
Diante desse contexto, os profissionais de recursos humanos serão chamados a contribuírem cada vez mais com esse cenário de constante mudanças. Quanto mais avançamos na capacidade das máquinas, mais precisaremos de pessoas para assegurar nossas essencialidades, diante de questões humanas e de como lidar com a ambiguidade, empatia e discernimento ético.
Vamos precisar muito de pessoas com competências técnicas, mas sobretudo com habilidades humanas para reconhecer e questionar “realidades” que poderão ser deturpadas com mais facilidade a partir de vieses, seja por reprodução de um modelo cultural ou desvios maliciosos. Lembrando que “máquinas” se configuram por padrões matemáticos e a matemática, paradoxalmente pode ser tão pragmática quando criativa, vai depender muito da capacidade, referência e desejo que quem conduz os parâmetros, códigos e pôr fim a programação.
Também tratamos dos desafios das convivências geracionais nas organizações de hoje, tema este que está intimamente vinculado aos desafios da evolução tecnológica. Lembrando ainda, que as pessoas estão vivendo mais e permanecendo mais tempo no mercado de trabalho. Atualmente já nos deparamos três há quatro gerações no mesmo ambiente de trabalho e cada qual, aprendeu ou ainda aprende a lidar com a tecnologia em tempos e propósitos distintos e todos eles, precisaram ser bem geridos para convergirem para os mesmos objetivos.
Indo um pouco mais além, entre os desafios impulsionados pela evolução tecnológica no mercado de trabalho, está também o impacto nas estruturas organizacionais e o papel das lideranças. dado que estamos em uma sociedade, onde os modelos de trabalho existentes, na maior parcela das organizações, foram formatados há mais de 80 anos e até aqui, com poucas mudanças, ou seja, muito antes do contexto tecnológico que estamos vivenciando hoje.
No passado, nossas estruturas eram majoritariamente dependentes de linhas de comando e controle, pautadas em premissas como perícia técnica, formação, experiência entre outros motivos. Na prática, com a disponibilidade informacional experimentada hoje, parte destes diferenciais estão amplamente disponível em dados e conteúdos formativos, inclusive cadeias de comando mais operacionais já foram aprimoradas e estão sendo substituídos por sistemas automatizados.
Além disso, quando as economias se tornam mais fluídas, diluídas e menos materializadas, com escalas mais regionais de produção e consumo, com maior relevância aos serviços e experiências, as lógicas de gestão verticalizadas das relações de trabalho passam a ser mais questionadas de tal forma, que foco vai mudando da presença para a entrega, do esforço para o resultado, da ideia para a realização, da entrega para o valor agregado. Indo além, possivelmente parte dos vínculos de trabalho devem a ser diferentes e menos formais e a experiência profissional será mais empreendedora, dado que a exigência de capital para se iniciar um serviço ou mesmo produto, será cada vez menos intensa e muito impulsionada pelos avanços da tecnologia.
Um jeito simples de reconhecer realidades como essa é refletir sobre o quanto de investimento era necessário para que um agente de viagem no passado e hoje, assim como o empreendedor de uma confecção para desenvolver e divulgar uma nova coleção. Hoje todos esses investimentos são bem mais acessíveis, terceirizáveis e otimizáveis. Da mesma forma, quanto era necessário se investir para ter acesso a algum software, aplicativo ou solução tecnológica, hoje quantas “software houses” existem e de quantos tamanhos. Logo, a dependência de grandes “palyers” com altos volumes de investimentos e risco se diluem.
Com essa realidade em constante mudança e alta pressão impulsionada pela evolução tecnologia, precisamos nos organizar diferente e buscar novas soluções, novas competências e recursos tecnológicos e humanos na mesma direção, de forma combinada e complementar. A lógica é simples, quanto mais repetitiva, massificada e escalável for a atividade, maior será a tendencia desta ser executada pelas máquinas e supervisionadas pelas pessoas, quando maior for a singularidade, menos padronizadas e maior subjetividade, maior será a necessidade da participação das pessoas, ainda que existam etapas do processo conduzidos por máquinas.
Logo, é urgente o nosso desafio de qualificar melhor as pessoas que estão no mercado e as que estão chegando para esse novo mundo muito mais fluído, dinâmico e tecnológico, e sobretudo, precisamos estar muito atentos às rápidas mudanças em nossas organizações e apoiá-las nesta direção, assim como as nossas lideranças, porque resistir à essa dinâmica é colocar o negócio, as pessoas e suas carreiras em risco.
Não é exagero dizer que entre as novas competências, além da fluidez digital, vamos cada vez mais precisar de gente curiosa e preparada nas ciências humanas, sociais, filosóficas e éticas e isso, não é um paradoxo com a tecnológica. O caminho mais produtivo de lidar com essa realidade e desafios aparentemente “conflituosos” é buscar reconhecer quais os benefícios da evolução da tecnologia, visando a sua aplicação de forma consciente e contributiva, em um direcionamento ético e a favor do bem-estar social e da humanidade.
Por fim, vejam quanta oportunidade para contribuir diante de tantos desafios os profissionais de RH têm hoje, em especial no acompanhamento e gerenciamento de tantas mudanças, que controlaram diretamente a cultura e a forma das organizações fazerem negócios. Acredito verdadeiramente que, hoje, os RHs estão sendo chamados a empenhar o melhor da sua contribuição que é colocar os fatores humanos no mais alto grau de importância das organizações.