Mês da mulher fecha com destaque para ações de amparo à mulher no legislativo brasileiro, sendo um período em que se intensificou o cumprimento da Lei nº 14.457, de 21/09/2022, que institui o Programa Emprega + Mulheres. Março deste ano também foi marcado pela discussão do Projeto de Lei (PL) 1085/23, de equiparação salarial entre gêneros.
O Emprega + Mulheres visa promover a inserção e a manutenção das mulheres no mercado de trabalho, por meio do estímulo à aprendizagem profissional e de medidas de apoio aos cuidados dos filhos pequenos, a chamada parentalidade na primeira infância, entre outras medidas.
A lei que cria o programa altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e flexibiliza a jornada de trabalho para mães e pais que tenham filhos com até seis anos ou com deficiência, os quais podem ser beneficiados com prioridade para regime de tempo parcial, antecipação de férias e concessão de horários flexíveis de entrada e saída, mediante acordo com a empresa em que trabalha. O texto ainda ampliou para 5 anos e 11 meses a idade máxima para a criança ter direito a auxílio-creche e fortaleceu o sistema de qualificação de mulheres vítimas de violência doméstica.
A legislação traz incentivos à qualificação profissional feminina, apoio ao microcrédito para mulheres e apoio à prevenção e combate ao assédio sexual e outras formas de violência no local de trabalho, estebelecendo condutas às empresas, sobretudo quanto à criação de canais internos e anônimos de denúncias e programas de sensibilização sobre o tema.
O programa também criou o Selo Emprega + Mulher, que reconhece as empresas que implementarem medidas para provimento de creches e pré-escolas para atender às necessidades de seus empregados, que contratam mulheres para postos de liderança e a ascensão profissional delas, entre outras medidas.
A norma também determina que mulheres recebam o mesmo salário dos homens que exerçam a mesma função na empresa, objeto também do Projeto de Lei 1085/23, que além disso também prevê multa de 10 vezes o maior salário pago pela empresa em caso de descumprimento da igualdade salarial, elevada em 100% se houver reincidência. Além disso, poderá haver indenização por danos morais à colaboradora.
Carla Braz, médica do trabalho e diretora do Grupo Delphi, empresa especializada em Medicina e Segurança do Trabalho, destaca como positivo principalmente o estabelecimento de condutas com relação a assédio no trabalho. “Em países onde a desigualdade social e econômica ainda é muito grande, a tendência dos empregadores é varrer estes problemas para debaixo do tapete e agir como se nada tivesse acontecido”, comenta a especialista.
“De maneira geral o Programa Emprega + Mulheres é, na minha opinião, um passo importante para melhorar este quadro, especificamente em relação à inserção das mulheres no mercado de trabalho, porém ainda é um passo pequeno”, analisa Carla.
“Quanto às regras de conduta, elas representam o posicionamento oficial das empresas, sobre o qual poderão ser cobradas, inclusive em nível judicial e criminal, o que deve levar a um posicionamento mais firme da maioria das empresas.”
A ressalva, contudo, recai sobre as ações preventivas, que são representadas como ações de capacitação, orientação e de sensibilização. “De acordo com a nossa experiência, muito provavelmente estas ações irão se restringir a uma palestra anual, assistida por meia dúzia de pessoas, não tendo qualquer ação efetiva na mudança de postura que se espera”, ressalta Carla.
Um outro ponto a ser destacado, segundo a médica, é que as medidas de prevenção ao assédio deverão ser adotadas pelas empresas que possuem CIPA, ou seja, as pequenas e microempresas, que representam a maioria das empresas no Brasil, não precisarão se adequar a estas normas.
Incentivo ao cumprimento
Isadora Diniz, advogada sênior em compliance, proteção de dados e ESG do Finocchio e Ustra Advogados, considera o Emprega + Mulheres muito bem-vindo, “uma vez que, alinhado aos objetivos ESG, no que diz respeito aos aspectos sociais e de governança, traz diversas medidas facultativas e algumas obrigatórias para promover a inserção e manutenção das mulheres no mercado de trabalho”. E destaca, por sua vez, o incentivo do programa para que sejam adotadas as ações não obrigatórias.
“Programa traz o ‘Selo Emprega + Mulheres”, levando em consideração a busca cada vez mais intensa das empresas por selos e certificações ESG, sendo esta providência acertada e oportuna, uma vez que o valor agregado à marca ao obter o Selo é um forte argumento para que os gestores de compliance, jurídico e recursos humanos – em geral, as áreas responsáveis pela implementação do Programa nas companhias – obtenham o apoio e patrocínio da alta administração”, entende Isadora.
“Além disso, as microempresas e as empresas de pequeno porte que receberem o Selo Emprega + Mulher serão beneficiadas com estímulos adicionais nas operações de crédito do Pronampe”, esmiuça a advogada.
Salários iguais: nova legislação com efeito?
Para Manoela Pascal, sócia da área Trabalhista do Souto Correa Advogados, apesar das intenções positivas, o PL 1085/23, que prevê igualdade salarial entre homens e mulheres que exercem a mesma função, traz praticamente nenhuma mudança.
“Como era de se esperar, trata-se de uma regulamentação desnecessária, com maior impacto midiático do que prático. Isso porque, além de a Constituição já garantir igualdade e não discriminação, a própria CLT já tem previsão de igualdade salarial para empregados que façam a mesma atividade, independentemente do sexo”, opina Manoela.
A insegurança jurídica e a ineficácia de certos dispositivos da proposta são pontos de atenção para a advogada: “O PL ainda impõe a elaboração de relatórios de transparência salarial pelas empresas, bem como prevê a imposição de multas elevadas aos empregadores, quando for entendido que há discriminação salarial, de forma bastante subjetiva (com disposições como ‘presume-se comprovada a discriminação’)”, observa.
“Além disso, o PL visa dar poderes para concessão de liminares com a determinação de equiparação salarial quando verificada discriminação, ou seja, mesmo que a ação seja julgada improcedente ao final, a empresa deverá pagar salários maiores à empregada ao longo do processo.”
Para Manoela, naturalmente, medidas que garantam maior proteção e inclusão das mulheres são necessárias e muito bem-vindas. “Contudo, a mera criação de nova regulamentação reforçando previsões anteriores por meio de medidas arbitrárias dos órgãos trabalhistas certamente não é medida eficaz para tanto.”
(Com informações da Agência Senado, Agência Câmara e Governo Federal)