Em março, naturalmente, colocamos mais as mulheres no foco, e por razões mais que justificadas. Contudo, neste ano (2024), as discussões no campo do trabalho ganharam novos contornos e atenções.
Estamos presenciando uma evolução expressiva na atualização do arcabouço legal sobre as diretrizes de não discriminação no trabalho e igualdade salarial. No final de 2023, tivemos a promulgação da Lei 14.611/23, decreto 11.795/23 e portaria 3.713/23 do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), que versam sobre a transparência, gestão e responsabilização em termos de igualdade salarial e agora, em março de 2024, findou o prazo final para entrega das informações complementares sobre as políticas de remuneração e processos de gestão das empresas.
A boa notícia é que o Ministério do Trabalho e Emprego, informou que recebeu as informações de 100% da base de empresas. Portanto, possivelmente não teremos notícias sobre aplicação de multas pela não entrega das informações. Uma das “tensões” já foi resolvida, a próxima é a devolutiva dos relatórios de transparência pelo MTE, em curso desde o dia 21, e, na sequência, a publicação destes pelas empresas, que terão até 31 de março dar visibilidade em seus sites e redes sociais.
Infelizmente, ainda é comum no Brasil a crítica sobre a eficácia de nossa legislação, como é o caso do artigo 461 da CLT, que já previa desde 1943 a igualdade salarial e não discriminação. Dadas as disparidades persistentes, afetando mulheres, negros, pessoas com deficiência e outros grupos “minoritários”, violando o princípio básico de não discriminação no trabalho, parece que foi uma destas leis que “não pegaram”.
O atual esforço de atualização normativa, embora não seja perfeito, traz avanços sobre os princípios de transparência e eficácia de gestão. Ele demanda que as organizações implementem políticas claras e imparciais, com o objetivo de prevenir e agir sobre distorções salariais baseadas em discriminações não justificáveis. Este novo contexto legal despertou a atenção de diversas lideranças, especialmente nas áreas de Recursos Humanos, Jurídica, Compliance, Comunicação e ESG, devido às possíveis penalidades administrativas, litígios trabalhistas e aos impactos na imagem corporativa, que poderão decorrer da divulgação dos relatórios.
Sob a perspectiva da gestão empresarial, surgem questionamentos sobre a eficácia desse movimento e seu impacto na evolução da igualdade salarial. Contudo, vale reforçar que a abordagem adotada até o momento, com base no voluntarismo e discricionaridade de mercado não demonstrou a melhor efetividade para resolver o problema. A persistência de disparidades, injustiças e práticas discriminatórias injustificáveis no ambiente de trabalho é evidenciada ainda hoje, por inúmeros estudos e dados econômicos, sociais e demográficos.
Na coluna anterior, apresentamos números que sustentam essa conclusão. Agora, o foco está nas respostas e uma delas surge através da atualização normativa. Precisamos reconhecer que os mecanismos convencionais de mercado não conseguiram resolver o problema, abrindo espaço para a necessidade de evolução através de medidas coercitivas provenientes do nosso “contrato social”, representado pelo Estado.
Essa reflexão é crucial para compreendermos como ainda estamos direcionando nossas energias de maneira equivocada. Nos deparamos com inúmeros questionamentos, muitos dos quais se concentram em aspectos periféricos e pouco resolutivos do novo contexto legal. Questões como formalidades legais, o papel do Estado, interferências na livre iniciativa e fragilidades na base informacional das CBOs, têm recebido mais destaques, enquanto o cerne da atualização do arcabouço legal, que é a persistência da desigualdade existente, segue por vezes ignorada em termos de ações e práticas.
Isso não significa que esses questionamentos não tenham o seu valor ou que não haja oportunidades de melhoria. No entanto, eles tendem a ser marginais e procrastinatórios. Além disso, parte dessas preocupações já foram abordadas, como evidenciado no Decreto 11.795/2023, que explicita a necessidade de anonimização dos relatórios de transparência para estar em conformidade com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Portanto, as empresas têm respaldo legal para não divulgar informações que não atendam a esse critério.
Quanto à livre iniciativa, um mercado livre e democrático na essência do capitalismo, precisa ser igualmente justo e equilibrado. Não há espaço para lucrar às custas de injustiças ou práticas discriminatórias, sejam elas intencionais ou não. Já superamos capítulos sombrios da nossa história, e garantir uma remuneração justa para homens e mulheres é um princípio básico no reconhecimento dos direitos humanos fundamentais.
Sobre os CBOs, é inegável que o mundo do trabalho está em constante evolução. No entanto, ainda enfrentamos desafios significativos para garantir que essa estrutura de classificação de cargos acompanhe essa evolução. É crucial que as empresas dediquem atenção suficiente a esse processo burocrático, negligenciá-lo pode resultar em distorções injustificáveis, como já observado com a Lei de cotas para aprendizes.
Estamos vivenciando a era da evolução tecnológica e da inteligência de dados, o que nos faz questionar se realmente não teríamos “inteligência” para detectar e resolver distorções salariais por gênero de outra forma que não pela coerção da lei. Logo, parte do problema está no foco e na ausência de intenção e de gestão.
Em suma, é hora de direcionar nossos esforços para os aspectos essenciais da atualização legal, enfrentando os desafios com intenções legítimas, coerentes e foco. Somente assim poderemos, por meio de uma gestão empresarial e lideranças responsáveis, avançar em direção a um ambiente de trabalho mais justo e igualitário.
A coerção pela transparência, embora desconfortável para muitas empresas, pode ser vista como uma oportunidade de promover mudanças positivas. Quando as organizações adotam práticas justas e inclusivas, isso não apenas melhora o ambiente de trabalho, mas também impulsiona a produtividade e o crescimento econômico.
Portanto, ao invés de focar nos questionamentos marginais sobre a nova regulamentação do tema, deveríamos concentrar nossos esforços na implementação de políticas, processos e práticas que realmente “movam os ponteiros” na direção da igualdade salarial e da inclusão no local de trabalho. Esse, certamente, seria um caminho mais eficiente para juntos, avançarmos na construção de uma sociedade mais justa, próspera e menos desigual para todas e todos.