A atriz Fabiana Dutckevivz utiliza o serviço de banda larga de uma fornecedora de telecomunicações há três anos. Durante todo esse tempo, nunca encontrou um gerente, um executivo ou mesmo um técnico da empresa pessoalmente. Todo o contato que tem com a companhia é por call center . E a imagem que ela possui desse tipo de atendimento não é nada boa. “Uso a internet o dia todo para trocar e-mails de trabalho, escrever meu blog, conversar com os familiares que moram em outras cidades, por Skype, e sempre que a conexão cai é uma aventura conseguir falar com alguém da empresa”, conta Fabiana.
Em janeiro, já com as novas regras de call center em vigor, Fabiana ficou sem acesso à web o dia todo. Levou horas até conseguir falar com a prestadora do serviço e até dividiu a tarefa com o namorado para ver quem conseguia falar com a empresa primeiro. Fabiana tentava contato pelo celular; seu namorado, pela linha fixa. Quando conseguiram ser atendidos, ouviram orientações genéricas como desligar e ligar o computador e verificar se o cabo de rede estava conectado ao PC. O sinal de internet só voltou no final da tarde e a consumidora não recebeu nenhuma explicação por parte da companhia.
Casos como o de Fabiana são recorrentes e quase todo mundo tem uma história ruim para contar sobre call centers . E o fato de o serviço telefônico ser quase sempre a única forma de contato do consumidor com um funcionário da prestadora de serviço revela a importância estratégica de atender com excelência as chamadas. E de preparar bem quem executa esse serviço.
Segundo o assessor-chefe do Procon-SP, Carlos Coscarelli, as companhias que obtêm melhor desempenho em atendimento são aquelas que investem mais em treinamento e tecnologia. “Há uma relação direta entre a boa gestão de pessoal e a qualidade do atendimento oferecido. O que notamos é que a comunicação entre o consumidor e o atendente é ruim. O primeiro, às vezes, expressa com dificuldade o que deseja e o atendente, se não for bem preparado, não consegue interpretar informações além do script que lhe foi oferecido para dizer no call center “, explica o assessor.
A especialista em treinamento Angela Sardelli, diretora da Vox Solution, empresa especializada em selecionar e treinar atendentes, concorda com Coscarelli e vai além. Para ela, as falhas são profundas e podem ser notadas até na formação dos gestores de call center . “A exigência sobre dos atendentes é enorme. Eles devem suportar um trabalho estressante, precisam articular várias habilidades e recebem responsabilidades muito grandes para a remuneração que têm. O resultado é que os melhores profissionais vão embora e os próprios gestores não têm qualificação para gerir esse pessoal”, diz Angela, que acredita que as primeiras falhas estão na formação dos atendentes.
“Em geral, são jovens estagiários que chegam ao mercado com deficiências educacionais que deveriam ter sido sanadas no ensino médio”, explica. Segundo ela, erros de português, uso excessivo do gerúndio, dificuldade de interpretação de textos e falta de clareza ao expressar uma ideia oralmente são as deficiências mais recorrentes nesses processos seletivos.
“Na hora da seleção, buscamos identificar quem tem uma formação cultural mais sólida e consegue relacionar conteúdos com mais rapidez. Depois, os treinamentos devem compensar falhas no uso do idioma e atentar para aspectos técnicos, como qualidade da voz, e comportamentais, como ser capaz de se manter calmo mesmo sob forte tensão e conservar o controle emocional mesmo em contato com o consumidor mais chato ou mal educado”, afirma Angela.
Na opinião da especialista, o maior desafio é preparar o atendente para dominar os produtos da empresa. “Há muitos casos de um funcionário de TV paga, por exemplo, que não conhece os pacotes de canais disponíveis ou não entende os detalhes de planos de fidelização. Isso irrita o consumidor, que fica bravo ao ver que o atendente entende pouco do produto ou, pior, que um funcionário diz algo totalmente diferente do que outro explicara”, completa.
No entanto, Angela ressalta que as imperfeições não podem ser imputadas apenas a quem fica do outro lado da linha. “De um modo geral, a carga de treinamento é insuficiente. Por razões de custo e pela rotatividade de colaboradores, as empresas jogam o atendente no trabalho sem lhe dar informações suficientes. Treinar um jovem 10 horas ou 12 horas para começar um novo trabalho desse tipo não é adequado”, ressalta.
Quem compartilha desse pensamento é a gerente de RH da Atento, maior empresa de call center do Brasil, Erika Moreira. Com 72 mil funcionários, a companhia é uma das maiores empregadoras do Brasil e mantém mais
de 57 mil jovens trabalhando como atendentes. “Garantir que esse profissional seja cordial ou paciente não é a parte mais difícil. O principal desafio é fazê-lo conhecer o produto do cliente como um especialista e oferecer ao consumidor a informação mais clara e objetiva possível”, explica a gerente.
Segundo ela, a seleção de profissionais é um momento estratégico do plano de atendimento e, nessa hora, as empresas devem ser capazes de notar quem tem uma formação cultural sólida e perfil psicológico para lidar com pessoas o tempo todo. Se errar na contratação, vai desperdiçar muitos recursos em treinamentos para alguém que, infelizmente, vai deixar a companhia na primeira oportunidade. “Procuramos colaboradores que saibam falar outros idiomas, que tirem notas altas nas provas técnicas que aplicamos durante a seleção e tenham o ensino médio completo ou, se possível, formação superior”, afirma.
Investimento certo
Com salários que variam de 450 reais a 600 reais, os atendentes, sem perspectivas de crescimento na empresa, tendem a deixar a estressante tarefa de lidar diariamente com clientes frequentemente furiosos ao telefone assim que acham uma oportunidade melhor para suas iniciantes carreiras. Para Angela, da Vox Solution, os gestores desses profissionais precisam ser mais bem preparados para a função. “Eles devem ter qualidades de liderança, ou seja, ouvir seus subordinados, ter disponibilidade para treiná-los e agir com ética e respeito pelas pessoas que trabalham com ele. É um profissional que deve gostar de se relacionar com pessoas. Se não for assim, não será um bom gestor”, afirma.
Ao valorizar o treinamento, formar gestores comprometidos com a qualidade do serviço e dar perspectivas profissionais aos atendentes, é possível melhorar de maneira significativa o nível de atendimento, avaliam os especialistas. Um segundo passo é investir em tecnologia. De nada adianta o atendente ser ótimo se seu computador leva dez minutos para mudar de uma tela para outra ou se a escala de atendimento cria períodos de pico de ligações prolongados demais.
Não é à toa que o setor bancário é o que obtém as melhores notas em avaliações de call center . Com melhores equipamentos e atendentes que aspiram ir para as agências, esse segmento consegue se destacar no mar de dificuldades que o atendimento telefônico atravessa no Brasil. Jonas Silva , diretor da empresa de TI Verint, explica que a adoção de novas ferramentas de tecnologia multiplica a produtividade dos call centers e pode fazer as empresas escaparem das multas do Procon.
Uma das regras mais difíceis de cumprir, por exemplo, é garantir que os consumidores sejam atendidos em até um minuto. Segundo ele, aplicações de gerenciamento on-line aproximam as companhias dessa meta com menores custos. “Uma das soluções de gerenciamento permite prever quando os picos de chamadas ocorrerão. A base de dados do aplicativo sabe, por exemplo, que em época de chuvas as empresas elétricas recebem mais chamadas no final do dia e que as empresas financeiras têm um boom de ligações em datas como vésperas de feriados”, conta.
Assim, esse tipo de software analisa o histórico de cada companhia e sugere em que datas e horários deve haver mais pessoas para trabalhar – informação importante para melhor dimensionar o tamanho da equipe, por exemplo. E quando há uma queda nas chamadas, a aplicação abre na tela do atendente uma ferramenta de e-learning , que permite treinar o funcionário justamente num horário ocioso do call center . Do mesmo modo, se o software detecta que a espera está passando de um minuto, ele cancela treinamentos e sugere que os funcionários em turno estendam sua jornada um pouco mais.
O pagamento de algumas horas extras pode garantir o cumprimento da meta de qualidade de atendimento. Silva, da Verint, explica que as aplicações são vendidas pelo modelo de licença e, com os ganhos de produtividade, o investimento se paga entre 10 e 12 meses. E pelos números divulgados pelas empresas afetadas pelo decreto, investimentos não faltaram. O grupo Telefônica investiu 50 milhões de reais para se adaptar à lei. O dinheiro foi usado na compra de novos computadores, servidores e na contratação de dois mil novos atendentes. A companhia de energia CPFL diz que gastou 3,4 milhões de reais para melhorar seu nível de atendimento. O setor bancário, segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), não revela os valores investidos, mas informa que criou um banco de talentos para promover os atendentes mais bem qualificados e aprofundou seus investimentos em autoatendimento, como internet banking e caixas eletrônicos, diminuindo a pressão sobre atendentes físicos, seja nos call centers ou nas agências.
Na visão de Coscarelli, do Procon-SP, os resultados dessa onda de investimentos estão aparecendo, ainda que de forma tímida. “As empresas tiveram seis meses para se adequar aos temos do decreto, mesmo assim começaram muito mal. Agora, no começo de 2009, notamos uma melhora sensível. Nossa expectativa é dar um salto de qualidade no atendimento brasileiro e, a partir deste ano, monitorar não só aspectos técnicos, como o de o consumidor ser atendido em até um minuto, mas ver se, de fato, a demanda dele foi resolvida.
No fundo, o consumidor até tolera ficar dez ou quinze minutos ao telefone, um tempo longo demais, desde que seu problema seja solucionado”, completa o assessor-chefe da instituição.
O executivo do Procon atenta para um elemento fundamental por trás do imbróglio dos call centers : as organizações precisam oferecer serviços melhores, cumprir as regras acordadas com o cliente e vender serviços e produtos de qualidade. “Quando o consumidor cai no call center é porque alguma coisa deu errado antes. Se o produto ou serviço fosse ótimo, o consumidor nem precisaria ligar para o call center “, diz. E para isso, também é importante investir na qualidade da gestão das pessoas envolvidas nesses processos.
Ações básicas |
– Na hora da contratação, busque quem tenha uma formação cultural sólida e que seja capaz de relacionar ideias e informações de forma clara e rápida. |
– Nos treinamentos, invista em programas focados no bom uso do nosso idioma para eliminar vícios de linguagem, o uso de gírias e o do abominável gerundismo. |
– Prepare o atendente para saber usar a voz e, sobretudo, manter a calma em situações de chamadas nas quais, do outro lado da linha, há um cliente furioso ou mal educado. |
– Cuide para que o atendente saiba do que está falando. A não compreensão de um produto ou serviço passa uma péssima impressão para o consumidor. – Além disso, devido à alta rotatividade, procure dar perspectivas de desenvolvimento profissional para os atendentes. |
Escape do telemarketing |
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Uma lei aprovada em São Paulo e em vigor desde outubro de 2008 cria um cadastro de telefones proibidos de receber ligações de telemarketing. Se você deseja impedir que vendedores de jornais, planos de telefonia ou promotores de casas noturnas liguem, deve cadastrar seu número no Procon por telefone ou pelo site da fundação. Empresas de telemarketing não podem ligar para números listados no Procon, sob pena de serem multadas. http://www.procon.sp.gov.br Telefone: 151 |
Veja o que mudou nas regras de call centers |
Tempo de espera Menu de atendimento Custo das ligações Reclamações Qualidade da ligação Horário de atendimento Dados do consumidor Gravações Quem deve cumprir as novas regras Fiscalização |