Saúde

Por que o líder precisa aprender a lidar com a ansiedade

O que para muitos soava como uma alternativa para encontrar o equilíbrio perfeito entre vida pessoal e profissional pode acabar se transformando em um tiro no pé. Com a pandemia, não foram poucas as empresas que passaram a adotar o home office como modelo de trabalho. Mas trabalhar de casa exige do profissional e da empresa uma boa dose de disciplina para que essa experiência não se transforme em fonte de estresse, ansiedade, depressão e um dos ativadores da Síndrome de Burnout. E se o líder não souber nagevar nesse mar de ondas bravias, corre o risco de levar o barco corporativo a pique.

Um levantamento feito pela consultoria Betania Tanure Associados mostrou, recentemente, que, na pandemia, 60% das 359 empresas entrevistadas adotaram o home office durante a pandemia. E a preocupação com a saúde mental dos colaboradores é um dos principais itens das agendas da área de recursos humanos e das demais lideranças.

Alías, a preocupação com o bem-estar mental e emocional dos colaboradores não é algo novo. Até porque as reclamações sobre a pressão e o excesso de trabalho também são frequentes. Ao menos foi o que revelou uma pesquisa feita pela consultoriam Robert Half, e que mostrou que os profissionais brasileiros eram os mais estressados do mundo. Divulgado no fim do ano passado, o estudo ouviu quase 1.800 gestores de RH em 13 países e constatou que, por aqui, o profissional é o que mais sofre com a pressão e o excesso de trabalho. De acordo com a pesquisa, 52% deles reclamaram da alta carga de trabalho e 44% sentem falta do reconhecimento de seus esforços.

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“Não é à toa que muitos profissionais acabam desenvolvendo transtornos de ansiedade. Os mais comuns são: transtorno de ansiedade generalizada; transtorno de pânico; transtorno obsessivo compulsivo; transtorno de estresse pós-traumático; fobia social e fobias específicas”, diz Elaine Di Sarno, psicóloga, pesquisadora e colaboradora do Projesq (Projeto Esquizofrenia) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IPq HC FMUSP). E o líder está nesse barco. E imagine em tempos de pandemia.

Exige-se muito do gestor

Elaine conta que a posição de liderança exige muito do gestor e este, se não estiver preparado para lidar com as demandas e conflitos do grupo, tende a se desequilibrar, o que pode ser um dos impulsionadores da ansiedade. “No entanto, aspectos emocionais, especialmente a capacidade de lidar com a inteligência emocional, impactam bastante. O gestor deve saber captar, absorver e conduzir a ansiedade e a expectativa do grupo, orientando-os e intervindo quando julgar necessário”, afirma.

Se o transtorno de ansiedade não for tratado, gestor e a sua equipe podem caminhar para uma espécie de “naufrágio”

Fato é que todos esperam que um gestor tenha maturidade emocional (ou “quociente emocional”) e consiga gerenciar e controlar a sua própria ansiedade, além de lidar com a ansiedade do grupo que ele lidera. De acordo com a especialista, ele é a referência desse grupo e uma de suas funções é administrar essa teia de situações potencialmente ansiógenas que permeiam a dinâmica da equipe.

“O líder precisa ser capaz de ter autocontrole, autoconhecimento e experiência para transmitir tranquilidade e direção ao grupo, em todo tipo de situação. Muitas vezes, só um trabalho psicoterápico permite que ele se conheça mais a fundo e se desenvolva emocionalmente, de modo a saber lidar com suas próprias ansiedades e as da equipe”, observa.

Se o transtorno de ansiedade não for tratado, tanto o gestor quanto a sua equipe podem caminhar para uma espécie de “naufrágio”, avalia Elaine. “Nesse sentido, ele ‘afunda’ sua carreira, pois não terá condições de gerenciar adequadamente as situações de tensão que certamente ocorrem no ambiente corporativo. Daí, além da ansiedade, virá o sentimento de frustração, decorrente de uma expectativa não realizada, de uma sensação de incapacidade ou de percepção de que ‘não sou tão competente quanto imaginava’”, diz.

Para tornar o cenário ainda mais complexo, Elaine lembra que a imagem de um profissional não permite tantos “deslizes” quanto é possível no âmbito social ou pessoal. “O mercado é competitivo e qualquer erro ou demonstração de instabilidade pode acarretar sua substituição por outro profissional que tenha mais equilíbrio emocional.”

A tecnologia e seu impacto a favor do Burnout

Elaine conta que o uso crescente de recursos tecnológicos e da informática mudou o modo de trabalhar. “A aceleração da velocidade de comunicação e a integração global trouxeram a demanda por muitas horas de trabalho, em geral sob forte pressão de desempenho. Nessas condições, surge novamente a exaustão, caracterizada pelo desânimo, dificuldade de raciocínio, ansiedade, preocupação, irritabilidade, sensação de incapacidade ou inferioridade, diminuição da motivação e da criatividade, aparecimento de transtornos mentais e doenças físicas”, explica. Uma espécie de tempestade perfeita para a Síndrome de Burnout.

E há outro agravante para esse mal: a privação do sono. Noites mal dormidas podem gerar a síndrome por vários motivos: quando o profissional não dorme o suficiente para ser produtivo; quando ele faz hora extra até tarde da noite, prejudicando a rotina do sono; quando viaja muito a trabalho para diferentes países, desregulando seu relógio biológico; ou até mesmo quando muda repentinamente de cargo, e precisa alterar o turno da tarde para o turno da noite, por exemplo. Isso resulta em uma extrema exaustão, pois o organismo, como destaca Elaine, que já está habituado com um determinado padrão de sono, sofre um forte impacto, precisando de tempo e resistência para se readequar à nova rotina do profissional. “E uma consequência frequente é o uso de drogas [álcool, tabaco, além das drogas ilícitas] como forma de alívio. É importante estar alerta a essa situação que agravará ainda mais a condição física e mental do indivíduo. O mesmo pode ser dito da automedicação.”

Características pessoais que afetam a saúde emocional

Além das condições adversas e estressantes de trabalho, algumas características da personalidade do profissional também são pontos importantes para o aparecimento da síndrome de exaustão. “Pessoas muito competitivas, ambiciosas, com dificuldade para delegar, absorvendo tudo para si, fazendo do trabalho sua única atividade, têm maior chance de desenvolver o Burnout. Por outro lado, pessoas inseguras, necessitadas de reconhecimento pelos outros, com dificuldade de colocar limites e que abrem mão de suas próprias necessidades também estão mais vulneráveis”, diz.

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Elaine Di Sarno, do IPq HC FMUSP: o líder precisa ser capaz de ter autocontrole, autoconhecimento e experiência para transmitir tranquilidade

E o que fazer para prevenir essa síndrome? Elaine conta que a primeira recomendação é o descanso físico e mental. O equilíbrio entre o trabalho e as atividades físicas, de lazer, o encontro com os amigos é um primeiro passo. Mudanças de atitudes, de expectativas e de hábitos de vida podem também auxiliar na prevenção.

Nos casos em que a síndrome de Burnout já está instalada, recomenda-se buscar auxílio médico especializado para avaliação do quadro e orientação quanto ao tratamento. “Especialmente no caso das pessoas cujas características de personalidade as tornam mais propensas ao Burnout, a psicoterapia é um complemento importante, pois o problema está muitas vezes dentro da pessoa, e não tanto em suas condições de trabalho.”

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