A carreira do profissional de RH sempre foi multidisciplinar, mas exige, hoje, muito mais conhecimentos, à medida que o setor passa a lidar ou interagir com novas áreas, tecnologias e estratégias de gestão. Com formação tradicionalmente das áreas do direito, da psicologia, da administração e especializações diversas, o universo desse profissional foi se ampliando em várias frentes de atuação – gestão do clima e engajamento, recrutamento, seleção e desenvolvimento de talentos, de lideranças, de políticas de remuneração e, mais recentemente, seu departamento abraçou a comunicação interna, a gestão das metas ESG e a construção do employer branding. Outras áreas de formação, como engenharia, por exemplo, além de especializações e MBAs diversos, passaram a operar os recursos humanos, e não houve mais espaço para um RH reativo, mergulhado apenas em dilemas legais ou burocráticos das contratações, dos benefícios, das rotinas de ponto e dos cálculos trabalhistas.
As companhias descobriram o protagonismo necessário do departamento, vendo que seu trabalho se reflete consistentemente na experiência do cliente e na visão dos stakeholders sobre sua atuação no mercado, do outro lado do balcão. Pesquisa da Mercer mostra que 68% dos que atuam no setor se sentem valorizados e 79% sequer pensaram em mudar de área, mesmo durante as dificuldades enfrentadas diante da pandemia (ainda que 64% tenham relatado ansiedade e estresse no período).
Dentre as atribuições que se intensificaram, destacar a empresa em meio à guerra por talentos e escassez de mão-de-obra, para ganhar a atenção do candidato é uma delas. Isso além de ajudar a disseminar a cultura organizacional e consolidá-la a ponto de o mercado enxergá-la refletida em seus produtos e serviços. Mais do que nunca, é o RH quem gere custos, riscos, possibilidades de crescimento da empresa expressas por meio da gestão de pessoas. Seu papel ainda é garantir a integração, o bem-estar e o desenvolvimento da equipe, mas tornou-se chave em atrair e reter colaboradores de modo estratégico – o perfil exigido do profissional de recursos humanos hoje é muito mais analítico, sob uma visão 360° do negócio.
Conhecimento de gestão empresarial
Para Lilian Graziano, psicóloga e consultora, docente convidada da Fundação Dom Cabral e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, a formação do profissional de RH diante desse cenário deve ser orientada para além da habilidade na gestão de pessoas, passando por conhecimentos em gestão empresarial. “No caso de nós psicólogos, por exemplo, nossa formação é predominantemente clínica, razão pela qual devemos buscar conhecimentos da área de negócios. Sobretudo porque o departamento de RH tem se tornado cada vez mais estratégico, exigindo, mais do que nunca, um profissional conectado com o negócio”, ressalta. Uma carreira pautada em life-long learning seria igualmente importante, uma vez que a área reflete transformações contínuas da sociedade e das empresas – “é preciso saber como a empresa funciona, e ter uma ideia sobre todos os temas relacionados ao business, até a internet das coisas, afinal, se a empresa irá se envolver com um tema, é o RH quem irá recrutar e desenvolver pessoas para que isso se torne realidade”, destaca Lilian.
Entre as características altamente desejáveis para esse profissional, além do intraempreendedorismo bem desenvolvido, para operar com base no crescimento do negócio, está a sua “capacidade de diagnóstico dos desafios e potencialidades da empresa”, diz Lilian. Principalmente frente a um dos principais gargalos do setor na atualidade, que é a formação de lideranças. “É preciso ter ideia do negócio, do momento em que ele se encontra, e a partir dessa análise é que será possível saber que competências precisam ser desenvolvidas nos líderes, quais são as dores que precisam ser sanadas”, entende a docente.
Tudo isso aumentaria o protagonismo do profissional de RH, imputando o respeito dos CEOs e diretoria, pois, com essa visão, fica mais fácil defender a necessidade de treinamentos, contratações, entre outras implementações na gestão de pessoas, e mostrar resultados, além do retorno sobre os investimentos (ROI).
Learn agility
Leandro Figueira Neto, Diretor de Pessoas e Cultura do Grupo Marista e ecomomista de formação, lista para o profissional de RH a necessidade de conhecimento e perfil para lidar com a agenda ESG, com a transformação cultural das empresas (que hoje abrigam diversas gerações, “analógicas” e “tecnológicas”), e com a transformação da área em algo mais fluido, baseada em dados e evidências.
Ter um perfil orientado ao aprendizado contínuo também é importante – Figueira Neto cita learn agility (habilidade de aprender rapidamente coisas novas e conduzir processos de inovação) como algo requerido para as lideranças, sobretudo, lideranças do RH. “É preciso adaptar e engajar pessoas nessa direção, característica que está em falta – só 10 a 15% da população apresentam essa habilidade que é necessária às empresas”, ressalta o executivo, sobre atribuição que o RH deve tomar para si e disseminar na empresa. Contudo, é preciso ter em mente de que é preciso se atualizar, ter humildade para buscar conhecimento. “Só inova quem é humilde”, acredita.
Entender de gestão empresarial é outro ponto levantado pelo executivo: “Se não está conectado no negócio, o profissional faz gestão só para o próprio RH”, entende. “A grande transformação que o RH enfrenta neste momento a é a relevância cada vez maior de conectar a estratégia de recursos humanos com a estratégia de negócios.”
Sobre a formação em si, ao longo dos anos, “tivemos que correr atrás de atualizações, inserir cada vez mais formações, conhecimentos de negócios, pessoas e liderança”, destaca Figueira Neto. “Mais do que cursos, porém, o importante é a vivência”, afirma, comparando a carreira à do técnico de futebol: quem está de fora dá sempre seus palpites do que deveria ser feito, mas não tem a visão do quanto é complexo e fascinante o trabalho nessa profissão.