Kalache: dar mais atenção à revolução da longevidade |
“Até muito pouco tempo atrás, a vida era como uma corrida de 100 metros: tome fôlego e corra até o final. Hoje, é muito mais parecida com uma maratona: para chegar até o final – sobretudo, para chegar bem – haja preparo. Portanto, quanto mais cedo nos preparamos para a longevidade, melhor chegaremos a seu final.”
É assim, com uma comparação que faz “a ficha cair”, que o médico Alexandre Kalache explica como o aumento da expectativa de vida impacta o dia a dia das pessoas, das empresas, do Estado, da sociedade.
Ex-diretor do Departamento de Envelhecimento e Curso de Vida da Organização Mundial da Saúde (OMS) e presidente da International Longevity Centre Brasil (ILC Brasil), ele se dedica à questão da longevidade muito antes de o tema estar em pauta na mídia: em 1975, fez mestrado na Universidade de Londres sobre envelhecimento global e, na sequência, doutorado na Universidade de Oxford.
“Consegui vislumbrar o que viria a acontecer: vidas mais longevas e queda da fecundidade. Ou seja, o mundo terá cada vez mais e mais idosos e menos e menos crianças. Veja só: quando nasci [em 1945], a expectativa de vida de um brasileiro era de apenas 43 anos; hoje, beira os 76. São 33 anos a mais de vida – não de velhice. É o que eu chamo de Revolução da Longevidade.”
Só mais recentemente, as empresas passaram a dar atenção a essa questão, que repercute no envelhecimento da força de trabalho e traz mudanças no perfil do consumidor. “Em breve, os idosos estarão ‘gritando’ por produtos destinados a eles. É a força do mercado”, assinala o especialista, que está no CONARH para a palestra A produtividade na longevidade, patrocinada pela Accenture.
Seria tudo menos complicado não fosse o abismo que separa o Brasil dos países desenvolvidos e “envelhecidos”. Os primeiros enriqueceram para, depois, envelhecerem. Já o Brasil, compara Kalache, envelhece mais rapidamente do que eles no passado e ainda tem problemas infraestruturais imensos.
Além disso, hoje faltam recursos para substituir aquilo que, antes, a família dava conta: cuidar dos idosos frágeis, dependentes, que eram poucos e as famílias, numerosas. “Sempre havia alguém, em geral uma mulher, disponível, mas, agora, elas estão no mercado do trabalho e, veja bem, precisamos delas lá para aumentar nossa competitividade”, contextualiza o médico.
Em vantagem
Apesar de tudo, o Brasil contabiliza avanços: além do Sistema Único de Saúde (SUS), que, mesmo com limitações, é um direito de todos os cidadãos, temos uma aposentadoria praticamente universal de amparo aos idosos. Kalache salienta que outros países em desenvolvimento ainda não conseguiram esses progressos, como é o caso daqueles que compõem os Brics além do Brasil: Rússia, Índia, China e África do Sul.
Na Índia, a pobreza dos idosos é assustadora. Na China, o Estado coloca toda a responsabilidade na família; a assistência é mínima. A Rússia está adotando um sistema voraz e perverso no sentido de não controlar as desigualdades, que só aumentam. E na África do Sul a população idosa ainda é majoritariamente rural e, com frequência, os mais velhos (sobretudo a mulher idosa) estão cuidando de seus netos órfãos por conta da epidemia de aids”, relata.
Mesmo os EUA, maior potência econômica mundial, não são uma boa referência: lá, os gastos com saúde representam cerca de 17% do PIB (Produto Interno Bruto), mas os indicadores nessa área estão bem abaixo dos de outros países desenvolvidos e mais “envelhecidos”. “Além do mais, há muita gente fora do sistema de saúde, e a tímida reforma do Obama Care tem encontrado imensa resistência, podendo vir a ser revertida em uma próxima administração republicana”, lembra Kalache.
Entre prós e contras, o Brasil precisa avançar – e muito – na atenção ao envelhecimento de sua população. E as empresas estão envolvidas de forma estratégica nesse desafio, seja desenvolvendo produtos e serviços focados nos consumidores mais velhos, seja propiciando educação continuada aos colaboradores para garantir mão de obra capacitada no futuro ou sendo socialmente responsável, com ações e programas que façam a diferença.