*por Maria Eduarda Silveira e Maria Alice Fontes
Somos duas profissionais apaixonadas por desenvolvimento humano, cada uma em sua especialidade e, por essa razão, tudo o que envolve o tema nos chama muito a atenção. Saúde mental no trabalho é um assunto que tem ganhado proporção no meio corporativo e, embora seja um tema muito relevante, ele ainda vem com muitos estigmas e baixa compreensão do que, de fato, se trata.
Uma pesquisa da startup de saúde mental, Vitak, que agora é Wellz, apontou que de um grupo de 572 profissionais: 71% afirmam ter recebido o diagnóstico de um profissional da área e 63% não ter tido apoio da liderança para lidar com a doença. Quanto às consequências, 45% reportam redução de horas ou ausência por causa de problemas com a saúde mental (absenteísmo), e quase 60% dizem que saíram da empresa pelo mesmo motivo. Além do absenteísmo, temos o presenteísmo, muito difícil de quantificar, que é estar presente fisicamente em seu local de trabalho, mas com a cabeça distante das atividades necessárias para uma boa performance.
Os dados são representativos, mas nessa estatística não estão, nem de longe, aqueles profissionais de diferentes níveis hierárquicos e gerações que sofrem com crises de ansiedade, insônia, falta de concentração, ganho ou perda de peso ou até mesmo que consomem estimulantes para se manterem ativos. Esses profissionais nem sequer cogitam falar sobre o tema para que o julgamento não se espalhe.
E claro, quando um líder está com problemas de saúde mental, os impactos têm dimensões ainda maiores, pois acabam deixando muita gente solitária, sem feedback, ou quando se comunicam trazem um tom duro, crítico, cheio de julgamento e comando em vez de incitar a colaboração e o senso de confiança, pertencimento e realização dos liderados.
É importante ressaltar que quando trazemos o tema saúde mental dentro do panorama corporativo é necessário retirar vieses que partam do pressuposto de que falar sobre isso é tirar a responsabilidade que os profissionais têm com o trabalho, diminuir a resiliência do indivíduo e até mesmo questionar o comprometimento com os resultados. Sabemos que toda empresa existe para gerar valor e ser rentável, isso não é questionado. Da mesma forma, se queremos vislumbrar sustentabilidade para os negócios, é necessário promover ambientes corporativos onde os colaboradores sintam que são importantes e tem com quem contar quando tem um problema.
Ambientes de trabalho seguros e saudáveis não são apenas um direito fundamental dos colaboradores, mas também são fundamentais para minimizar a tensão e os conflitos, além de melhorar a retenção, o desempenho e a produtividade.
Saúde mental é algo amplo e obviamente a empresa não é responsável 100% pelo bem-estar das pessoas, isso nem seria possível, uma vez que a vida do ser humano é composta por diversos aspectos além do trabalho. Entretanto, algumas vezes, o adoecimento está diretamente relacionado com a forma pela qual a pessoa é tratada na organização e isso necessita ser identificado e endereçado. O que precisamos alertar é que preconceitos perante o tema e a falta de uma gestão consciente podem trazer resultados altamente negativos para todos, com a falta de identificação e estigma, que perpetuam o problema. Vivemos desafios dentro das empresas e fechar os olhos para isso não parece ser a melhor solução.
Nesse sentido, muitas organizações seguem a rotina com equipes demasiadamente enxutas, líderes e times sobrecarregados e até mesmo uma cultura onde virar noites de forma constante é algo glamuroso. Em rotinas como essas, falar sobre bem-estar e saúde mental chega a ser uma iniciativa de luxo, e, às vezes, até ironizada. Mas, acredite, estratégias, resultados e projetos de qualidade também dependem da “mente sã” dos profissionais envolvidos.
Isso inclui olhar para a cultura praticada, o desenvolvimento da liderança, a estruturação de times e a comunicação organizacional. Bem-estar é sobre isso. Não significa apenas “trabalhar menos” ou implementar brindes corporativos para agradar as pessoas, mas garantir um ambiente psicologicamente seguro para se trabalhar.
Um profissional com problemas de saúde mental e emocional não é, necessariamente, alguém pouco resiliente, preguiçoso, fraco, instável ou irresponsável. Assim como uma organização que tem uma rotina intensa de entregas também não deveria ser um espaço que existe exclusivamente para minar a saúde física e mental do time. Às vezes, o que falta é um bom alinhamento entre necessidades, desejos e expectativas das partes.
Entendemos que estabelecer um ambiente corporativo emocionalmente saudável aliado a busca de resultados expressivos não é uma tarefa simples. Mas, quando a responsabilidade é compartilhada, todos se beneficiam. No final do dia, empregadores e colaboradores querem ter certeza de que conseguiram produzir e prosperar em suas posições sem afetar sua saúde. Mas, para isso, é preciso desmistificar o tema saúde mental e criar pilares de gestão, cultura e liderança verdadeiramente eficientes.
Os quadros de saúde mental, quando identificados precocemente, têm os melhores resultados de tratamento. Neste sentido, precisamos manter a antena ligada, criando um ambiente corporativo propício à mudança, com o desenvolvimento da comunicação saudável, escuta ativa, além de treinamentos para promover habilidades em reconhecer o sofrimento emocional das pessoas sob sua supervisão. Vale ainda pensar em ações que incluam o reconhecimento dos quadros de saúde mental para a diminuição do estigma das condições de saúde mental no trabalho, e por último, intervenções individuais para desenvolver habilidades para gerenciar o estresse, encaminhamento rápido para avaliação e tratamento, além de oportunidades para atividades físicas e de lazer.
Sobre Maria Eduarda Silveira
Headhunter e empreendedora, com especialização em liderança pelo INSPER, people analytics pela FIA e MBA em Recursos Humanos pela FGV. Sócia Fundadora da BOLD HRO, consultoria de recrutamento especializado e desenvolvimento organizacional.
Instagram @mariaesilveira, onde aborda temas sobre carreira e empregabilidade a fim de ajudar diretamente no desenvolvimento dos profissionais de todas as áreas no mercado de trabalho.
Sobre Maria Alice Fontes
Psicóloga, sócia fundadora e Diretora da Clínica Plenamente. Além disso, é Doutora em Saúde Mental pelo Departamento de Psiquiatria Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP; Mestre em Ciências pelo Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP e Neuropsicóloga Certificada Nível 1 – Clínica e Pesquisadora pela Sociedade Brasileira de Neuropsicologia. Instagram @mariaalicefontes.plenamente onde aborda temas de saúde mental.