A necessidade de reduzir a carga tributária sobre salários é antiga e fácil de ser comprovada com números. Com 102,43% de despesas sobre o salário nominal, conforme asseguram alguns especialistas, o país é um dos campeões de encargos sociais em todo o mundo. Isso tem graves consequências. Só agora, no entanto, é possível vislumbrar a possibilidade de mudanças a partir de um engajamento maior de sindicalistas, parlamentares do PT e da própria presidente Dilma Rousseff. Ao menos aparentemente.
De acordo com o professor de relações do trabalho da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), José Pastore, em artigo publicado no início de março no jornal O Estado de S. Paulo , no quarto trimestre de 2010, o custo médio do trabalho na indústria aumentou 4%. Em contrapartida, a produtividade diminuiu 0,46%, em relação ao mesmo período de 2009.
Esse dado por si só demonstra a dificuldade das empresas brasileiras em gerar empregos. Mesmo com o crescimento das contratações formais, o índice de informalidade ainda é grande, de 50%. Juntando-se a isso a valorização do real, a alta taxa de juros, a carga tributária pesada e a falta de infraestrutura, o resultado é que as empresas brasileiras estão com dificuldade de competir com os chineses.
Diante disso, o governo acenou com uma redução gradual de quatro pontos percentuais na alíquota do INSS (de 20% para 16%). A economia final, segundo Pastore, poderia chegar a sete ou oito pontos percentuais, considerando que a alíquota do INSS incide sobre a remuneração do descanso semanal, o abono de férias, o 13.º salário e outros encargos sociais.
Mas como neste primeiro ano de sua gestão Dilma Rousseff tem o desafio de equilibrar as contas deficitárias do governo, grandes cortes na arrecadação estão vetados. Por isso, para não deixar as empresas brasileiras à mercê dos chineses, considera-se beneficiar os setores que estão sendo mais afetados com a concorrência dos asiáticos, que são o têxtil e o de brinquedos. Outros que poderão ser beneficiados são de calçados e bens de capital (máquinas e equipamentos).
Ainda está sendo avaliada pela área jurídica do governo, no entanto, se é legalmente possível beneficiar apenas a alguns setores da economia. Dessa forma, o modo como será feita a desoneração da folha de salários ainda não foi definido. Há a possibilidade de que se siga, em linhas gerais, o modelo definido há três anos para o setor de software, no âmbito da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP). À época, a preocupação era com a transferência de empresas brasileiras de software para a Argentina, que tinha carga tributária inferior. Para evitar a fuga, o governo reduziu a contribuição patronal de 20% para 10% no setor. Mas como o benefício só valia para a parcela do faturamento obtida com exportações, o impacto da medida acabou sendo reduzido.
Medida necessária
Para o advogado trabalhista José Augusto Rodrigues Junior, da Rodrigues Junior Advogados, é de suma importância para o país que a desoneração da folha de salários se concretize. “Não são os 8% para o FGTS e nem o 13º. salário que oneram a contratação de profissionais, mas, sim, os impostos”, diz. “O valor que chega ao bolso do trabalho é pequeno em relação ao que o empregador paga por ele ao governo”, complementa.
Ele avalia que o valor do INSS pago pelas empresas é muito alto, principalmente se for observada a falta de uma contrapartida equivalente por parte do governo, que não garante uma assistência à saúde de qualidade, por exemplo. “Além disso, o IR para salários mais altos é muito significativo, o que faz as empresas procurarem alternativas, como a contratação por meio de cooperativas e microempresas. Mas a relação com o profissional continua sendo igual à que teria com vínculo empregatício. Consegue-se burlar o Fisco, mas depois a conta vem mais alta [ por meio de processos trabalhistas ].”
Rodrigues Junior acredita que se o governo reduzisse o imposto sobre os salários e o valor cobrado pelo INSS, “o nível de emprego melhoraria muito”. Ele, no entanto, não é otimista quanto a mudanças no cenário atual. “O INSS é uma conta deficitária. Por isso, o próprio governo está um pouco de mãos atadas para reduzir essa contribuição”, analisa. Já em relação ao IR sobre os salários, o advogado pensa que pode haver alguma redução, considerando que isso influenciará o nível de emprego formal e, com isso, a economia será beneficiada, o que é de interesse federal.
Andrea HuggardCaine, da HuggardCaine Consultoria e Gestão em RH, também não acredita que o governo tomará medidas para redução significativa de tributos sobre a contratação de funcionários. “Não deve acontecer uma desoneração porque as contas do governo dependem desse dinheiro arrecadado para fechar. Pode até haver cortes, mas esses cortes também podem ser temporários”, diz.
Nesse contexto, percebe-se que se a necessidade de desonerar a contratação de profissionais está clara, ainda não se sabe bem como fazê-lo. O principal obstáculo está no fato de que todas as contribuições que incidem sobre a folha de salários financiam políticas públicas. Como acontece com os 20% destinados ao INSS; os 8% para o FGTS; os 3,1% para o Sistema S; os 2,5% para a educação; os 2% para o seguro acidentes, entre outros.
Há especialistas que acreditam que uma solução viável para remediar as perdas decorrentes da redução do INSS seria mudar a lógica da arrecadação. A proposta é a de que as empresas que faturam muito e empregam pouco paguem mais. As que empregam muito e faturam pouco pagariam menos. Antônio Carlos Aguiar, sócio da Peixoto e Cury Advogados, é um dos que defendem essa alternativa.
Divisão no empresariado
De acordo com ele, essa medida beneficiaria especialmente empresas prestadoras de serviço de call center e de tecnologia da informação, que contratam um grande número de pessoas, mas possuem margens de lucro menores. “O custo da mão de obra no setor de serviços é maior do que na indústria. Não é à toa que é onde ocorre o maior nível de informalidade. Por isso, há realmente um movimento dessas empresas no sentido de pleitear essa mudança”, comenta. Mas Pastore, da FEA-USP, lembra em seu artigo que, além de a discussão dessa proposta provocar uma divisão no empresariado – entre os que seriam mais beneficiados e os que seriam menos -, também colocaria a Previdência numa situação difícil nos períodos de baixa da economia, quando a receita sobre o faturamento cairia. Como se vê, apesar de necessária, a desoneração da folha de salários não é simples e nem será feita rapidamente. Uma solução de longo prazo só viria junto com uma ampla reforma tributária. Mas essa é uma outra história.
Proposta sobre faturamento | |
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