PONTO DE PARTIDA | Edição 339
Ser escravo da perfeição é uma condenação à angústia de não atingir seu objetivo
Eugenio Mussak é professor da FIA, consultor e autor / Crédito: Divulgação |
Dizem que o perfeito é inimigo do bom. Mas também podemos olhar este assunto por outro ângulo e nos dar conta de que o conceito da perfeição pode nos ajudar, se for encarado com maturidade. Sim, uma das características deste mundo imperfeito em que vivemos é o paradigma da perfeição. Nunca se falou tanto em ter o corpo perfeito, de comprar o carro perfeito, de tomar um vinho perfeito, de oferecer um serviço perfeito. E fazemos isso apesar de termos a consciência de que a perfeição é apenas uma ideia, não existe na vida prática.
Está claro: a perfeição não passa de uma utopia, então nunca chegaremos a atingi-la. Por outro lado, não podemos esquecer que utopias são uteis à alma humana. A perfeição é apenas uma ideia, mas é uma ideia muito útil, pois serve de guia para o aprimoramento do homem e de suas obras. Quando queremos fazer algo perfeito, pelo menos conseguiremos fazer algo muito bom, se não pararmos pelo caminho.
A filosofia já se ocupou desse assunto. Platão teve, em sua Academia, um aluno brilhante chamado Aristóteles, que rivaliza com ele em importância no mundo da filosofia grega. Em sua obra mais importante, Ética a Nicômaco, Aristóteles aborda, pela primeira vez, um tema correlato com a ideia da perfeição: a excelência.
A diferença entre ambas é que a perfeição é uma impossibilidade, algo que jamais será atingido. Já a excelência é factível, pois significa “o melhor possível”. Algo possível ao ser humano, portanto. Eu sei que não vou atingir a perfeição, mas posso ter compromisso com a excelência, e colocar o meu melhor em tudo o que faço. Essa é uma ótima ideia, que depende apenas de uma decisão pessoal.
Ser escravo da perfeição, principalmente a da mídia, é um atestado de burrice. Trata-se de uma condenação à angústia de não atingir seu objetivo. Entretanto, abandonar totalmente a ideia da perfeição pode nos tornar medíocres. A saída está no meio-termo, na consciência de que jamais seremos perfeitos, mas que podemos ser excelentes, e, mesmo assim, não em tudo, apenas naquilo que escolhermos ser. Precisamos ter algumas utopias, isso é saudável.
O escritor inglês Thomas More, irritado com a política e a sociedade inglesa do século 16, idealizou uma sociedade ideal, livre das mesquinharias humanas, localizada em uma ilha chamada Utopia. Lá tudo era perfeito, portanto, impossível. De nome de ilha, utopia passou a ser um substantivo comum. A expressão deriva do grego, e quer dizer de “nenhum lugar”, “de parte alguma”, “lugar que não existe”, ou, em sua melhor interpretação, “lugar que não existe ainda”.
Para os filósofos, utopia é a descrição de uma sociedade ideal, como Platão também descreveu na República. Para os poetas, uma utopia é como uma estrela que mostra um caminho a ser trilhado, e não uma estrela a ser necessariamente alcançada. Para o homem comum (e todos somos), a utopia é um desejo de realização, um sonho a ser alcançado, algo que nos mantém em movimento.