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Speed Watching – sobrecarregados e desconectados: o desafio de aprender na era digital 

O speed watching surgiu como resposta à pressão, com vídeos e aulas online assistidos em velocidades aumentadas (1,5x ou 2x) para acelerar o consumo de conteúdo

Na era da sobrecarga informativa, a pressão para adquirir novos conhecimentos e habilidades aumentou drasticamente. Isso acaba reduzindo o tempo disponível para praticar, refletir e consolidar o que foi aprendido, o que, por sua vez, leva ao esquecimento e à superficialidade do conhecimento.

Zygmunt Bauman, em sua análise da “modernidade líquida”, já alertava para o fluxo constante de dados e a velocidade com que consumimos conhecimento. Esse ritmo ultrapassa nossa capacidade de processar informações adequadamente, criando uma sensação de superficialidade e promovendo uma aprendizagem fragmentada e desconectada da realidade prática.

“Acelera que estou sem tempo…”

O speed watching surgiu como resposta a essa pressão, onde vídeos e aulas online são assistidos em velocidades aumentadas (1,5x ou 2x) para acelerar o consumo de conteúdo. Estudantes e profissionais adotam essa prática em um cenário de sobrecarga de informações para “ganhar tempo”.

Esse comportamento reflete um modelo educacional focado na transmissão passiva de conteúdos, onde o aluno acredita que o aprendizado consiste em apenas absorver conteúdo rapidamente. Começa-se em 1,25x, depois 1,5x, e logo 2x parece ideal. Quando o foco é apenas “consumir”, a velocidade se torna o principal fator.

Sludge Content: Mais Estímulos, Menos Foco

Nem mesmo o speed watching é suficiente para capturar a atenção de muitos. Surge então o fenômeno do “sludge content” ou “Dueto”, onde dois ou mais vídeos são reproduzidos simultaneamente em uma tela dividida. Esse excesso de estímulos tenta “preencher” a mente dos observadores. 

Formatos ultra condensados de informação que ainda não chegaram à educação, mas que começam a se popularizar na geração Z. A revista Scientific American, em janeiro de 2024, entrevistou diversos especialistas que compararam esta prática com a multitarefa. “O aumento da “multitarefa de mídia” parece ter efeitos significativos no cérebro em desenvolvimento. Um estudo de 2020 descobriu que a atenção e a recuperação da memória podem piorar em jovens adultos que se envolvem em várias mídias digitais em vários dispositivos simultaneamente, como assistir a um programa, enviar mensagens de texto e verificar as mídias sociais ao mesmo tempo. O conteúdo de lodo parece ser uma forma supercarregada de multitarefa de mídia”

Acontece que, como explica Kevin Paul Madore, neurocientista da Universidade de Stanford: “Quando assumimos uma tarefa, várias redes cerebrais que lidam com atenção e controle cognitivo estão envolvidas. Tentativas de multitarefa pesadas podem criar interferência entre essas redes, e isso pode levar a um processamento mais lento, bem como ao aumento de erros” “Quando você tem fontes concorrentes de atenção, seu desempenho na tarefa geralmente será reduzido” 

O futuro nos apresenta enormes desafios. 

Infotoxicação

Acontece que o uso excessivo do speed watching pode levar à infoxicação, um termo cunhado pelo físico Alfons Cornella nos anos 90  para designar a situação em que uma pessoa tenta receber e analisar um número de informações muito maior do que seu organismo é capaz de processar, resultando em distração e baixa produtividade.

Sobrecarga cognitiva

A sobrecarga cognitiva também é outro fator importante, ocorrendo quando a memória de curto prazo é exposta a mais informações do que pode processar, causando estresse, ansiedade, insônia e dificultando a retenção e aplicação do conhecimento adquirido.

Como destaca Meyer, coordenador do Brain Action and Cognition Lab da Universidade de Michigan: “O mundo está passando por uma crise de atenção que está piorando. Estamos diante de uma praga cognitiva com potencial de apagar a concentração e o pensamento produtivo de uma geração inteira”.

Ensino sem Aprendizagem

Esse cenário reflete o problema do “ensino sem aprendizagem”, no qual o conteúdo é transmitido de maneira mecânica e os alunos têm dificuldade em compreender, relacionar e aplicar o que foi ensinado. Isso evidencia o fracasso de abordagens centradas apenas na transmissão de informações, sem criar condições para o engajamento ativo e o aprendizado significativo.

Acelerar ou Transformar?

Em vez de acelerar freneticamente a aquisição de informações, para acompanhar a velocidade das mudanças, a abordagem mais inteligente seria a construção de uma educação consciente e transformadora, que comece refletindo sobre o propósito de cada jornada educativa, regulando a profundidade e a abrangência do conteúdo de forma equilibrada, de acordo com os resultados buscados.

A simples transmissão de conteúdos com novas tecnologias não promove o tipo de aprendizado que prepara as pessoas para desafios atuais. A evasão, a falta de engajamento e o aceleramento do esquecimento, resultado do excesso de informação e da superficialidade, impedem que os alunos apliquem o que foi aprendido de maneira significativa.

Em vez de tratá-los como receptores passivos de informações, devemos incentivá-los a serem exploradores ativos e reflexivos, que constroem conhecimento à medida que navegam por fluxos de informação de diferentes níveis de complexidade. Esse processo permitirá que o aprendizado se torne mais conectado à realidade, promovendo a capacidade de aplicar esse conhecimento em situações reais e desafiadoras.

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Daniel Luzzi

Fundador e CEO da Cognita Learning Lab e Co-Fundador e Diretor de Aprendizagem da UniCTE. Referência em Educação Digital com mais de 30 anos de atuação em centenas de projetos educacionais nos âmbitos corporativo, acadêmico e governamental. Professor na Fundação Dom Cabral, Doutor em Educação pela FE-USP e Pós-Doutor em Saúde Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP)