Por Lilian Cidreira
Não há dúvidas, é imensurável a perda que tivemos no Museu Histórico Nacional com o incêndio de domingo. O histórico de um país e de história geral, tanto em termos de documentos, quanto de peças, foram perdidos, e não sabemos se existe algo que possa ser recuperado de alguma forma. Do ponto de vista de conhecimento, provavelmente vamos demorar um tempo para saber exatamente a quantidade desta perda. Do ponto de vista financeiro então, é capaz de demorar ainda mais tempo para criar-se uma estimativa de quanto o acervo valia para o governo.
As notícias estão muito focadas em como o governo não foi capaz de se planejar para, caso um acidente como este pudesse acontecer, qual seria a medida de contenção. Criticamos também e, com razão, a desatenção que órgão públicos dão para assuntos que tratam da história. Focamos muito no presente e, com isso, esquecemos nossas raízes e a importância de termos registros seguros de qualquer possibilidade de serem “queimados”.
Todas estas notícias podem nos fazer refletir sobre o que estamos fazendo com a história das nossas empresas. Será que estamos preocupados em mantê-la viva, arquivada e segura de possíveis incêndios? Ou será que estamos deixando a história também se perder, mas sem que haja fogo para queimá-la? O acervo do museu era composto por cerca de 20 milhões de itens e talvez podemos perceber que gestão do conhecimento ainda é um assunto que não recebeu a atenção necessária, seja no governo, ou seja nas empresas. Pensando sobre isto, podemos avaliar, traçar um paralelo e perceber como esta gestão é, muitas vezes, negligenciada pelas organizações.
Do ponto de vista de pessoas, quantas empresas realmente preocupam-se em fazer a gestão do conhecimento de suas equipes desde o momento em que ela entra na empresa até a sua saída? Grande parte das empresas preocupam-se apenas em conhecer as atividades de um funcionário quando ele pede demissão. Se isto não acontecer, então o conhecimento vai ficando na cabeça dele, é passado para alguém por alto durante suas férias, mas nada muito detalhado. E isso é como deixar o histórico da empresa ser devorado pelo fogo, assim como os 200 anos de história do país.
E trazendo esse paralelo, se o funcionário pede demissão e decide “queimar” seus conhecimentos, documentos e histórico naquela empresa para ir para outra, começa o desespero da troca de bastão. Uma correria é estabelecida dentro das empresas que tentam buscar alguém que rapidamente tome conhecimento de toda a história daquele profissional antes que ele seja “deletado” do quadro de funcionários. Seria uma espécie de tentativa de salvar fósseis, artigos egípcios comprados por D. Pedro I e todo um acervo indígena, todas peças raras e importante como registro.
Nesta correria, as empresas acreditam falsamente na esperança de que o funcionário que recebeu as informações históricas de quem está saindo (e normalmente estas informações são passadas em um espaço de tempo infinitamente menor do que o tempo de cada do profissional) terá condições de reproduzir da mesma forma o trabalho realizado até então.
Investir em prevenção de perda de histórico não é assunto só para o governo, todas as vezes que deixamos a história da empresa se perder ao longo do tempo, todas as vezes que não sabemos o motivo pelo qual um processo foi desenhado e todas as vezes que precisamos recontratar consultorias para refazer um trabalho estão, dentro da nossa realidade, deixando o fogo lamber um acervo incrível de memórias das organizações.
Pensar em processos de gestão do conhecimento, ferramentas e fazer circular para todos o conhecimento adquirido por um funcionário é o caminho para que não façamos os mesmos erros do Estado e possamos garantir que a evolução sempre será a luz da história dos fundadores das empresas e de sua evolução ao longo do tempo. O que aconteceu com a mais antiga instituição científica brasileira e o museu mais antigo do país tem muito a nos ensinar para não reproduzirmos o erro.