Há dez anos, um grupo de empresários se uniu para restaurar o prédio do Ginásio Pernambucano, tradicional escola pública do Recife (PE). Liderada pelo então presidente da Philips na América Latina, Marcos Magalhães, que hoje preside o Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE), a iniciativa evoluiu para um novo modelo de gestão do ensino médio, que forma os jovens não só academicamente, como também para enfrentar o mundo do trabalho e, o que é mais importante, a vida. O modelo deu tão certo que extrapolou as fronteiras daquele estado. Uma injeção de ânimo para quem aposta na educação de qualidade para o desenvolvimento pleno e sustentável do país. Na entrevista a seguir, Magalhães fala das razões e dos resultados de sua iniciativa.
O que o motivou a se dedicar a um projeto como esse?
Do ensino básico à universidade, sou um produto da escola pública. Estudei no Ginásio Pernambucano, instituição fundada em 1825 que era padrão de qualidade na região e formou grande parte da elite nordestina. O prédio havia sido evacuado e estava abandonado. Então, arregimentei um grupo de empresários [além da própria Philips, da Odebrecht, do ABN Amro e da Chesf – Companhia Hidrelétrica do São Francisco] para reformá-lo. Dois anos depois, quando estava quase pronto, concluímos que só devolvê-lo ao poder público não era suficiente. Tínhamos de criar um fato novo. No meio empresarial, já havia o consenso de que o Brasil só vai avançar adequadamente se tiver uma população educada. Começamos, então, a desenvolver um modelo de gestão focado no adolescente da escola pública, considerando todas as suas deficiências, como o fato de pertencerem a famílias de baixa renda e possuírem baixo nível de ambição.
Em vista do crescimento econômico do país, a qualidade da educação, hoje, é uma responsabilidade ainda maior da iniciativa privada?
A responsabilidade é de todos nós, mas os empresários não podem assumir o papel do gestor público. Historicamente, as empresas recebem profissionais sem a qualificação adequada e gastam verdadeiras fortunas para qualificá-los no básico, que já deveriam trazer da escola. O Brasil carrega nas costas uma ineficiência de produtividade intrínseca ao baixo nível de escolaridade da população. Para dar uma ideia da relevância disso, nos EUA, a consultoria Mckinsey fez uma conta interessante. Lá, os jovens hispânicos e negros têm uma defasagem de aprendizagem de dois a três anos em relação aos brancos. Se esse atraso tivesse sido eliminado nos últimos dez anos, o PIB americano hoje seria 700 bilhões de dólares maior. A escolaridade média naquele país é de 14 anos. Imagine, então, o impacto da educação no Brasil, cuja média é de sete anos. Queremos crescer numa faixa de 5% ao ano, mas já apresentamos apagão de mão de obra; portanto, temos de trabalhar juntos para assegurar que a qualidade do ensino público melhore de forma efetiva.
Além de mudar o modelo pedagógico, o projeto estabelece cumprimento de metas e atrela remuneração a resultados. Até que ponto a semelhança com a gestão de uma empresa contribui para o sucesso da iniciativa?
Tenho dois entendimentos sobre isso. O primeiro é que, a cada dia, a escola se parece mais com a empresa e a empresa se parece mais com a escola, porque ambas são ambientes de aprendizagem. Além disso, a gestão de uma escola é extremamente complexa e aí já surge um problema. No Brasil, não existem cursos para formar diretores de escolas. Em geral, ele é um professor, sem formação em gestão, administração ou planejamento. O diretor de escola tem de liderar a equipe administrativa, os professores, alunos, pais dos alunos e a comunidade no seu entorno e atender às frequentes demandas, em geral extemporâneas, dos políticos. A metodologia que criamos é um pilar fundamental desse processo, porque treinamos desde as equipes da Secretaria de Educação até os diretores e professores. Criamos a Tecnologia Empresarial Sócio-Educacional (Tese), plataforma para que o modelo pedagógico funcione com eficiência. A partir dela, é possível estabelecer metas, objetivos, métricas, sistemas de bonificação e de acompanhamento.
O governo pernambucano transformou o programa em política pública, avalizando sua continuidade. Como garantir a perenidade em outros estados?
O ICE tem uma espécie de cartilha de obrigações na qual um dos itens fundamentais é que seja aprovada uma lei criando o programa. Com isso, tem-se um arcabouço jurídico que permite implementar as mudanças necessárias a uma educação diferenciada.
Dá para exemplificar os resultados que vêm sendo obtidos?
Atualmente, o modelo está presente em160 escolas de Pernambuco, 60 do Ceará, 18 do Piauí e três de Sergipe. Temos tido um índice de 50% a 60% de aprovação nos vestibulares de boas universidades – a média das escolas públicas é inferior a 10% -, e as notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) [divulgado ano passado] estão substancialmente acima das médias de Pernambuco, do Nordeste, do Brasil e do melhor estado, que foi o Rio Grande do Sul.
Propostas para o Brasil |
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Com o tema Propostas para transformação da educação no Brasil, Marcos Magalhães participa do CONARH 2010. Ele conta que o profissional de RH precisa criar um ambiente de permanente aprendizagem. “Não existe nada que fixe mais um funcionário na empresa do que quando ele percebe que está crescendo intelectualmente, porque, junto com isso, aumentam sua remuneração, progressão funcional e motivação. E ambiente de aprendizagem não significa curso de treinamento”, diz. |