Lins, da PwC: Projeto envolve mudanças nas operações da empresa |
No primeiro semestre de 2014, uma novidade na maneira de enviar informações ao governo vai movimentar toda a organização de empresas. Trata-se do eSocial, uma proposta de escrituração em meio digital das informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais relativas a todos os empregados, empregadores contribuintes individuais e serviços terceirizados. As mudanças vão atingir todos os 6 milhões de empresas no Brasil.
As informações sobre a proposta indicam que o calendário de implementação do eSocial será progressivo ao longo de 2014. A exigência começa pelas grandes empresas, tributadas em regime de lucro real, no primeiro semestre do ano. Já no segundo semestre de 2014, será a vez dos microempreendedores individuais (MEIs); pequenos produtores rurais, empresas de lucro presumido (que têm faturamento anual de até 48 milhões de reais) e do Simples Nacional precisam se adaptar os sistema. Assim, a previsão é de que em janeiro de 2015 todos os empregadores tenham concluído a transição ao eSocial.
Apesar da relevância do tema e da proximidade dos cronogramas, poucas empresas estão devidamente cientes e preparadas para o eSocial. Isso é o que revela pesquisa divulgada pela Thomson Reuters no final do ano passado. O estudo, que contou com a amostragem de 2 mil empresas, mostrou que 70% delas ainda não possuíam nenhum projeto interno para atender a nova obrigação. E pior: dentre as empresas que dizem ter algum projeto interno relativo ao eSocial, apenas um quarto afirma ter efetivamente um projeto em andamento.
Para desburocratizar
Em parte, essa baixa adesão pode ser explicada pela falta de informação sobre o sistema e também pelo medo que a proposta gera num primeiro momento. O governo posiciona o acontecimento como uma nova era nas relações entre empresa, empregador e gestão pública, mas como isso funciona na prática? Quais são os desafios nessa primeira etapa da proposta? E como as empresas estão se preparando para esse envio? São muitas as perguntas que permeiam um projeto dessa amplitude.
“A preparação para o eSocial envolve mudanças nas operações da empresa que vão além dos aspectos tecnológicos de integração com o novo ambiente”, afirma João Lins, líder em consultoria de pessoas, organização e mudanças, sócio da PwC. Para ele, a empresa deve se preparar adequadamente para responder a grandes perguntas como: quais são os impactos do eSocial no modelo de negócios? Quais mudanças serão necessárias ao contratar e gerir pessoas? A arquitetura de dados, as bases de informação e os atuais sistemas são eficientes e suficientes para segurar a adequação do eSocial? Como garantir que as rotinas trabalhistas e previdenciárias sejam organizadas e executadas de forma correta? Quais controles deverão existir para garantir a conformidade das transações? Quem será responsável por garantir o envio adequado das informações para o ambiente do eSocial? “Para responder a essas perguntas, a empresa deverá refletir sobre seus processos de RH, seus sistemas de informática e sobre os comportamentos que todos que se envolvem em gestão de pessoas na organização devem ter”, completa.
#L# Na opinião de Angela Rachid, gerente de produtos da ADP, a proposta é excelente para todos os elos dessa cadeia. “Os dados dos funcionários serão lançados em tempo real e a fiscalização também acompanhará o mesmo ritmo. Dessa forma, por exemplo, daqui a alguns anos, o governo terá todas as informações num único meio; assim os profissionais não terão mais problemas em pedir a aposentadoria e a empresa não será mais multada por procedimentos burocráticos que desconhecia”, diz. Angela explica que hoje o processo de apuração das informações é burocrático porque tanto empresa quanto governo, às vezes, inserem dados incorretos que são difíceis de ser rastreados.
Na proposta do eSocial, os dados de funcionários e prestadores serão lançados em tempo real em uma plataforma única que se comunicará com sete órgãos do governo: Ministério do Trabalho e Emprego, Caixa Econômica Federal, INSS, Ministério do Planejamento, Receita Federal, Ministério da Previdência Social e Ministério da Fazenda. Desta forma, o eSocial irá gradualmente substituir as obrigações acessórias com livro de registro de empregado, Folha de pagamento, GFIP, RAIS, CAGED, DIRF, Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), Arquivos Eletrônicos Entregues à Fiscalização (MANAD) Formulários do Seguro Desemprego. “O eSocial pode tornar o Brasil um país menos burocrático, mas isso não vai acontecer no curto prazo, dado o volume de informações e procedimentos que a ferramenta vai exigir. Os resultados podem aparecer daqui a dois ou três anos”, avalia o sócio da PwC Marcel Cordeiro.
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Efeitos colaterais
Além de desburocratizar o envio de informações, especialistas apontam para mais alguns efeitos colaterais da proposta: aumento do poder fiscalizador do governo e o consequente crescimento da arrecadação de impostos e a diminuição do trabalho informal.
Angela, da ADP: todas as informações num único meio |
Analisando com base nesse contexto, até parece que o governo planejou uma caça às bruxas, buscando identificar quem está tendo desvio de conduta. Mas essa é uma ideia deturpada, segundo especialistas. “A proposta não é necessariamente apenas gerar essa fiscalização, entendendo que há uma má-fé das empresas. Pela complexidade do processo, as empresas acabam também tendo dificuldades para repassar as informações de forma correta. Muitas, quando são autuadas, percebem que a maneira como conduziam o processo não era a correta”, explica Daniel Moutte, gerente de TI da Propay. Segundo ele, a simplificação do processo vai ajudar o empresariado a prestar conta de uma forma correta e mais transparente, sem ter de se preocupar com eventuais multas.
Comunicação entre as áreas
Para Angela, da ADP, haverá uma quebra de paradigma da cultura empresarial: se hoje é cada área por si na companhia, em breve, todos terão de prestar contas ao RH, afinal o eSocial também terá um braço que analisará dados de prestadores de serviço. “Uma consultoria de TI, por exemplo, vai prestar um serviço na área contábil; esta terá de comunicar a área de RH para que os dados da consultoria sejam lançados no programa”, ressalta. De certa forma, a proposta concederá ao RH um fluxo de informações sobre a movimentação de todas as áreas.
Portanto, para que o eSocial funcione corretamente todos os setores da empresa deverão trabalhar em conjunto. Sem que as informações sejam compartilhadas e organizadas em conjunto o sistema não funcionará. “É necessário um processo de governança e compliance integrado para que as empresas não acabem delegando a responsabilidade pelas informações do eSocial a apenas uma área da empresa”, opina Marcos Bregatim, diretor dos negócios de software da unidade de Tax & Accounting da Thomson Reuters no Brasil.
Partindo da lógica de que todas as áreas devem fornecer informações para o RH, os sistemas que armazenam os dados nos diferentes departamentos precisam falar a mesma língua. “O sistema de RH deve conversar com a plataforma usada no financeiro, no jurídico e assim por diante”, diz Cordeiro, da PwC. O especialista explica que não é preciso que todos os softwares sejam de um único fornecedor de soluções de TI, mas a troca de informações entre os sistemas é imprescindível para o sucesso do envio de informações no eSocial. Cordeiro ainda alerta que todas as empresas precisam da certificação digital para que o envio de informações seja de fato oficializado.
Moutte, da Propay: prestar conta de uma forma correta e mais transparente |
O levantamento feito pela Thompson Reuters também mostrou que, para 61% dos consultados, a principal preocupação é com a integração dos dados de diversas origens. A qualidade do conteúdo das informações, por sua vez, preocupa 21% dos participantes. Em relação às mudanças nas empresas exigidas para se adequar à nova obrigação, o principal ponto de atenção, identificado por 41% da audiência, tem a ver com as mudanças culturais. Logo atrás, com 38,5% dos votos, está a mudança nos processos internos e governança. “Esse resultado evidencia a necessidade de processos aderentes ao novo modelo”, explica Bregatim, da Thomson Reuters.
Para integrar todas essas informações em apenas uma plataforma, os desenvolvedores de softwares estão suando a camisa. De acordo com Moutte, da Propay, esta é uma operação complexa, pois envolve muitas especificações técnicas estabelecidas pelo governo. “Todas as demais adequações que presenciamos, como a mudança do relógio de ponto, foram adequações pontuais no sistema. Para o eSocial estamos construindo um módulo especial para gerenciar todas essas transações”, explica.
As empresas estão se preparando para essa nova era, mas o governo também terá de fazer algumas adequações no atual sistema para suportar o fluxo de dados. “Como sofremos da síndrome do estudante – deixamos tudo para a última hora –, existe, hoje, um congestionamento na rede de dados, de tal forma que você tem de tentar 20, ou 30 vezes até enviar a declaração de imposto de renda. Imagine que essa realidade vai deixar de ser anual, ou periódica semestral, para ser quase que diária: à medida que você tem um evento na folha, você terá de descrevê-lo e enviar ao governo. Portanto, a preparação do governo também é um passo importante para que essas empresas consigam enviar as informações com qualidade”, detalha Moutte.
#L# Apesar das dificuldades na implantação da proposta e do medo da mudança, uma coisa é certa: há mais oportunidades na implantação do sistema do que problemas. “Vejo que vai ser uma grande mudança do bem, não vai existir mais aquela burocracia e os RHs, provavelmente, não terão mais de manter papéis durante anos no escritório”, avalia Angela, da ADP.