Gonzalez, da Trevisan: executivo pit bull, focado nos resultados apenas, não tem mais lugar no mercado |
Obter resultados econômicos cada vez mais agressivos, sustentar taxas de crescimento em progressão geométrica e gerir recursos de forma que custos declinem continuamente. As regras que foram um mantra no mundo dos negócios nos anos 90 revelaram um desdobramento perverso no último ano, quando uma soma de fraudes bancárias, balanços maquiados e operações financeiras virtuais sem lastro no mundo real resultaram na quebra de ícones do capitalismo, como o banco de investimentos Lehman Brothers, e numa onda de inadimplência que arrastou para a insolvência gigantes como a General Motors e o Citibank, que agora dependem de dinheiro do governo americano para não quebrar.
Na avaliação do professor do curso de pós-graduação da Escola de Negócios Trevisan Roberto Gonzalez, um dos desdobramentos positivos da atual crise é trazer para a pauta das empresas a importância da ética e da responsabilidade social nos negócios. “Aquele executivo pit bull, focado em resultados a qualquer custo, que fez muito sucesso há dez, quinze anos, hoje não encontra o mesmo espaço no mercado de trabalho. As companhias estão antenadas com as mudanças no comportamento do consumidor e precisam de profissionais capazes de pensar na sobrevivência da companhia além do médio prazo, o que inclui políticas de sustentabilidade ambiental”, avalia Gonzalez.
A mudança de curso no mundo dos negócios leva em conta o pensamento do consumidor, que cada vez menos deseja comprar produtos que impactem negativamente o meio ambiente e a saúde humana, e, sobretudo, aponta um caminho seguro para a sobrevivência da companhia em tempos de crescente preocupação ecológica no mundo. Numa das apostilas do MBA em gestão ambiental da Fundação Getulio Vargas, por exemplo, aparece a frase “o novo paradigma [de gestão] demanda a formação de uma geração de empresários e executivos que entenda – para colocar em prática – que os sistemas econômicos são dependentes dos sistemas naturais, e não o contrário”.
Na prática, companhias que preparam seus executivos para planejar seus negócios de acordo com regras de sustentabilidade ambiental, respeito aos direitos trabalhistas e gestão contábil com critérios elevados de transparência têm mais chances de conseguir investidores e prosperar em segmentos que movimentam grandes compras, como licitações públicas e contratos com grandes companhias privadas. Ambos os agentes já colocam em contrato a exigência de critérios de sustentabilidade para selecionar seus fornecedores.
Uma demonstração das vantagens de adotar critérios sustentáveis é medida pelo ISE, o Índice de Sustentabilidade Empresarial, calculado pela Bovespa. Todos os anos, empresas de capital aberto como Bradesco, Petrobras ou Vale enviam à Bolsa relatórios de suas atividades ambientais e políticas de transparência. O conselho do ISE então indica as empresas mais sustentáveis do Brasil.
O resultado dessa equação é que as empresas verdes são as que mais recebem investimentos estrangeiros e as mais confiáveis para sobreviver no longo prazo, resistindo à tentativa de fraudes por parte de seus gestores ou multas ambientais. Desde que o índice foi criado, em 2005, as empresas que compõem a carteira ISE viram seus papéis subirem de valor 37,15%, índice ainda abaixo do Ibovespa, que acumula valorização de 48% no mesmo período (dados de novembro de 2005 até abril deste ano de 2009). Os números, no entanto, tendem a se inverter à medida que mais critérios verdes são adotados pela legislação e que o consumidor muda seu comportamento. Nos EUA, por exemplo, empresas que figuram no índice verde local têm melhor desempenho nas bolsas de valores que as demais.
Custo verde
A professora Maria Raquel Grossi, que coordena cursos de gestão ambiental na Fundação Dom Cabral (FDC), afirma que existem muitos mitos em torno do custo das políticas de sustentabilidade, o que deve ser avaliado com critério pelo RH das empresas. “Existe uma ideia genérica de que produtos verdes custam mais caro. Com esse pensamento na cabeça, algumas empresas deixam de investir nesse segmento e o RH deixa de preparar seus profissionais para uma área absolutamente estratégica”, conta Maria Raquel.
Maria Raquel, da FDC: mtos em tornodo custo da políticas de sustetabilidade |
“Se você levar em conta que para participar de licitações públicas será preciso ter critérios de sustentabilidade devidamente apurados e certificados, se você avaliar que precisará se proteger de eventuais multas ou contestações por desrespeito à legislação ambiental ou de tratamento aos trabalhadores, então é claro que não é um luxo ou um requinte de marketing investir em sustentabilidade. É uma necessidade premente das empresas”, diz a professora.
Algumas corporações perceberam com antecedência a importância estratégica de adequar suas operações a regras de sustentabilidade, como adotar fornecedores certificados, educar funcionários e modificar sistemas de iluminação e consumo de papel. Este foi o caso do Banco Real, que se converteu em ícone de empresa sustentável no Brasil. Além das práticas verdes no dia a dia, como reciclar o lixo das agências, a instituição passou a financiar iniciativas de impacto ambiental positivo, como lava- rápidos a seco ou programas de troca de lâmpadas. A decisão permitiu ao grupo barganhar um preço maior quando o controle do banco foi vendido ao espanhol Santander. Afinal, além dos ativos da instituição e de sua carteira de clientes, o Real levou seu expertise em sustentabilidade para o gigante ibérico.
Segundo Maria Luiza Pinto, diretora-executiva de desenvolvimento sustentável do Santander Brasil, as iniciativas do Real foram incorporadas à estratégia do banco espanhol que, entre outras medidas, destinou recursos para financiar cursos de sustentabilidade que levam o nome da instituição. “Esses cursos foram criados para oferecer um conteúdo inspirador sobre o tema e que tivesse a capacidade de disseminar o movimento da sustentabilidade entre as pessoas, sejam elas nossos correntistas ou não”, diz Maria Luiza.
Além do público externo, o principal alvo do Santander é formar colaboradores antenados com o tema e capazes de manter o banco alinhado com políticas verdes. De acordo com o banco, cursos online baseados em vídeos, textos e enquetes online levam aos funcionários da empresa no Brasil conteúdos sobre cadeia produtiva, modelos de produção, consumo e reciclagem.
Cursos em alta
Boas iniciativas verdes dentro das empresas vão depender, sobretudo, de recursos humanos conscientes sobre a relevância do assunto e tecnicamente preparados para implementar políticas como redução dos impactos ambientais causados pela atividade econômica de cada empresa, políticas de compensação de emissão de carbono e otimização da cadeia produtiva. Como o tema é relativamente novo, no entanto, são poucos os profissionais preparados para lidar com essas características, o que tem levado o RH de diversas companhias a pagar cursos de gestão ambiental a seus principais executivos.
Segundo Luciana Betiol, coordenadora do programa de gestão em sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas, a demanda por esse tipo de especialização cresce em ritmo exponencial. “De 2005 para cá, a procura por esse tipo de pós-graduação cresceu enormemente, sustentada pelas empresas que pagam para seus funcionários estudarem o tema. Mesmo sem campanhas de marketing e com critérios rigorosos de seleção, nossos cursos de sustentabilidade crescem em alunos ano a ano”, diz Luciana. A coordenadora afirma que o boom de matrículas em cursos verdes se deve basicamente à carência de profissionais com essa formação específica. “Há, dentro das empresas, uma consciência crescente de que cuidado ambiental não é inimigo do crescimento econômico. Pelo contrário, são as políticas verdes que vão garantir a perenidade dos negócios”, diz a professora da FGV.
O professor da Trevisan Roberto González concorda com a ideia de que há poucos profissionais preparados para lidar com questões de sustentabilidade, mas afirma que o tema deve permear todos os cursos de pós-graduação e não apenas os MBAs específicos sobre gestão ambiental. “A tendência é que em qualquer curso de pós apareçam disciplinas transversais que, além de tratar de vendas, gestão de pessoas, marketing ou inovação, abordem também assuntos relativos à sustentabilidade.
“A ascensão de temas ambientais na pauta das empresas, profissionais e consumidores é gradual, mas irreversível. Em vários cursos de pós, ainda vejo alunos muito preocupados com disciplinas que os ajudem a vender mais e a exibir melhores resultados financeiros. Há um bom percentual de executivos que veem as disciplinas verdes com certo desdém, como um enfeite na grade de ensino. É uma visão equivocada e acredito que esses profissionais vão ter uma dificuldade crescente de se adequar ao mercado de trabalho se continuarem a pensar assim”, diz Gonzalez.
Comportamento em transe |
Consumidores se dividem entre preço baixo e critérios verdes |
Na opinião da coordenadora do programa de gestão em sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas, Luciana Betiol, o comportamento do consumidor muda lentamente a favor do consumo responsável. Apesar disso, os produtos verdes só vão decolar quando sua produção ganhar escala e puder competir em preço com seus equivalentes tradicionais. Os consumidores preferem produtos verdes ou baratos? Há consumidores que olham primeiro aspectos sustentáveis e, depois, o preço? As compras públicas ajudarão a impulsionar uma economia sustentável? |