O papel aceita tudo. Eis aí uma lição que aprendi com um velho escritor. Ele se referia à facilidade que temos de dar nomes bonitos às coisas que fazemos. Claro, nada mais natural do que valorizar nossas obras. Mas, antes de tudo, precisamos ser honestos. Caso contrário, as palavras perdem seu significado. É o que vem acontecendo em muitas empresas. Nos últimos anos, o mundo tomou consciência de que respeito gera respeito e de que só este faz as pessoas darem o seu melhor. Mas o efeito colateral disso é que o mercado passou a repetir como mantra um vocabulário “respeitoso”, que, de tão desgastado, perdeu o sentido.
Passamos a viver em um universo de palavras mágicas, onde todos os “empregados” se transformaram em “colaboradores” e agora em “talentos”, e onde os “chefes” se tornaram “líderes” – para citar apenas dois exemplos dessa linguagem de “valorização do capital humano”. Acontece que há muita gente sem vontade de “colaborar” com a organização porque seus superiores não fazem a mínima ideia do que é “liderar”. Ou seja, enfeitar o nome das coisas não muda a realidade.
Os verdadeiros “talentos” só florescem em um ambiente fértil para seu “desenvolvimento” – palavra que alguns entendem como “promoção”, mas que significa “aprendizado”, “reconhecimento”. Quando isso ocorre, não é necessária uma política de “retenção”, até porque um verdadeiro talento não pode ser retido. Ele permanece em uma empresa enquanto acredita em um projeto, em algo maior. E o que mantém unido um grupo de pessoas? Uma ideia brilhante, uma visão de futuro melhor.
“Eu tenho um sonho, no qual meus filhos viverão um dia em uma nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo do seu caráter.” Essas palavras mobilizaram multidões e esse sonho se concretizou, ainda na geração dos filhos do seu autor, Martin Luther King. Liderar é oferecer esperança. Não uma utopia, mas uma causa possível, à qual as pessoas desejem se dedicar. Um verdadeiro líder não é aquele que “impõe” respeito. Ele o pratica. Torna-se um exemplo. E passa a ser seguido, naturalmente. Todos somos seguidores de alguém que admiramos.. E também podemos influenciar outros, conscientemente ou não.
As relações sustentáveis se baseiam no “conteúdo” e não no “poder”. Um exemplo simples disso está nas redes sociais, como o Twitter. Ali, você é “seguidor” de alguém que lhe interessa. E também só é “seguido” por quem deseja acompanhar suas ideias.
Surgem nesse ambiente algumas personalidades influentes, que vão conquistando seguidores pelo que dizem – sem julgar aqui o que se fala; afinal, cada um segue quem mais lhe toca.
Assim, quando o CONARH propõe o tema Da realidade que temos para o futuro que queremos: oportunidades e tendências , chamo a atenção para essa transformação nos relacionamentos. A grande oportunidade de construir organizações melhores está em entender que as pessoas só seguirão líderes e causas que tenham significado para elas. O resto pode não passar de um conjunto de palavras sem sentido. E só o papel aceita tudo.
Vicky Bloch é diretora da Vicky Bloch Associados, especializada em coaching de lideranças, e professora dos cursos de extensão da FIA e FGV-SP.