
Balote, da Solví: a ideia não é preparar o líder para a empresa, mas desenvolve-lo 360º, ou seja, na comunidade, na família, como gestor, como líder de opinião
Uma empresa com 70 anos de existência, que passou pelas mãos de um grande grupo nacional (OAS), depois por uma multinacional (Suez) e, há aproximadamente três anos, fez um management buyout (MBO). Tantas mudanças no controle acionário provocaram na organização uma revolução que atingiu até sua identidade.
A Vega Engenharia, logo após a venda de seu controle para quatro executivos, procurou o consultor César Souza para desenvolver um trabalho junto a seus líderes e acabou descobrindo que precisava não só preparar a liderança, como, também, sua estratégia de negócios e até mesmo encontrar um novo rumo para a organização. Surgia desse diagnóstico a Solví, um grupo empresarial especializado em engenharia de soluções para a vida, com serviços nas áreas de saneamento, distribuição de água, valorização energética e tratamento de resíduos.
O superintendente estratégico de talentos da companhia, Carlos Eduardo Balote, conta que a empresa vivia uma grande incógnita quando foi feito o MBO. “Voltávamos a nos tornar uma empresa nacional e havia uma grande preocupação com o futuro, inclusive sob os aspectos de sucessão”, relata.
Em uma reunião com César Souza e 30 executivos da empresa, foi instituído um plano de visão de cinco anos, com conclusão prevista para 2012. A partir da definição do planejamento estratégico, começaram a ser definidas as competências essenciais organizacionais e decidiu-se pela formatação de um programa de desenvolvimento de lideranças, denominado Liderar.
Balote explica que a empresa desejava um projeto completamente alinhado à estratégia e à visão definidas para seu futuro, com avaliações periódicas, apresentação do que os participantes do Liderar haviam feito de prático (por meio de planos e ações criados por eles) e o que estava dando certo para uma banca examinadora.
A primeira turma reuniu 40 executivos de todas as empresas do grupo em São Paulo e 20 da Águas do Amazonas, companhia de saneamento localizada em Manaus (AM). “Foi o primeiro programa do Brasil que não contemplava apenas palestras em sala de aula, mas também iniciativas práticas e outras ações que visam resultados para o negócio”, destaca Balote.
O Liderar, hoje, é um programa contínuo e conta com atividades como o desenvolvimento de um projeto prático de envolvimento com os principais stakeholders do negócio, além da participação dos envolvidos em atividades culturais (veja mais no quadro Teatro e benchmark). Claro que as palestras não ficaram de fora e grandes especialistas foram convidados. “Tivemos uma com o Lito Rodrigues, da Dry Wash, que contou como montou a empresa. Ele não é químico, pegou a batedeira da sogra, fez uma mistura e lava de 10 a 15 carros com 1 litro de água.
A ideia foi provocar nossos líderes a pensarem o que eles estão fazendo e quanto precisam para inovar”, observa o superintendente.
Segundo Balote, uma das bases do programa é o autodesenvolvimento, pois a ideia não é preparar o líder para a empresa, mas desenvolvê-lo 360º, ou seja, na comunidade, na família, como gestor, como líder de opinião. “Ele está vinculado à estratégia empresarial, resultados, considera a dispersão geográfica e também a sustentabilidade”, afirma. E por falar em resultados, vale a pena passar por alguns dos projetos elaborados pelos participantes.
A união faz o resultado
A iminente perda de um contrato com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foi resolvida com um simples ajuste de sinergia entre três empresas do Grupo Solví. “Elas prestavam serviços para a siderúrgica, mas uma delas, a Gerenciamento de Resíduos Industriais (GRI), não tinha condições de investir numa base; outra, a Koleta, não podia assumir a gestão de equipamentos sozinha; e a Vega Engenharia não tinha expertise no setor privado. Mas, com a efetivação de uma parceria entre as três, aliou-se o uso da garagem da Vega com a competência e os equipamentos da Koleta e a gestão da GRI, e esse se tornou o mais rentável negócio criado dentro do Liderar”, comemora Balote.
Mais um exemplo: um participante do programa negociava um contrato de valorização energética. Depois de participar de um módulo de negociação com Carlos Alberto Julio, presidente da construtora Tecnisa, conseguiu uma virada total no processo, obtendo uma margem maior para a empresa. A própria Tecnisa acabou adquirindo um projeto desenvolvido pelos participantes do Liderar, que envolvia o tratamento de lama betonítica, um resíduo gerado nas construções durante a lavagem das obras e que
agride o meio ambiente.
Os participantes do programa ainda desenvolveram outro projeto de reaproveitamento de resíduos, adquirido pela Renault. A montadora francesa desejava criar uma ação social de inclusão na comunidade em que estava inserida e a GRI tinha um problema com o descarte da lama que saía de uma estação de tratamento de efluentes. Por meio de uma parceria entre essa empresa de gerenciamento de resíduos e a Essencis, outra coligada do Grupo Solví, foi desenvolvido um tijolo ecológico produzido a partir da lama vinda da estação de tratamento de efluentes da montadora. Esse projeto resultou em redução de custos para a Renault, pois o descarte da lama só pode ser feito por meio de queima ou disposição em aterros sanitários, que cobram para receber os resíduos. E também agregou valor para a comunidade, que passou a usar os tijolos para construção de casas no entorno da fábrica.
Inspirados por ações como essas, até os estagiários, que não participam do Liderar, desenvolveram um projeto que resultou em melhorias para a comunidade. Dois estudantes que trabalham na unidade de Sete Lagoas (MG) começaram a mapear a comunidade local e descobriram que uma cooperativa de reciclagem na região sofrera uma queda na produção por conta da crise financeira. Eles envolveram a primeira-dama do município, o secretário de Meio Ambiente e a comunidade, foram às escolas, mapearam os locais com mais resíduos, programaram a coleta e aumentaram muito a produtividade da cooperativa com esses estudos. “Sem contar que também geraram negócios para a empresa, pois conseguiram aumentar mais um caminhão para coleta de resíduos”, destaca Balote.
“Foi um trabalho incrível, pois esses dois garotos educaram as crianças nas escolas, envolveram a comunidade e gastaram apenas 2,2 mil reais para pôr o projeto em prática”, analisa o executivo. “A lição que os gestores tiraram foi de que para fazer acontecer não precisa de muito recurso, mas de muita vontade e inspiração e esses dois jovens mostraram que têm. É assim que se gera visibilidade e oportunidade de carreira”, avalia.
Desenvolvimento para todos
Para garantir a continuidade do programa de desenvolvimento de líderes, o RH recebeu uma missão do presidente Carlos Leal Villa: a criação de um centro de treinamento, que se transformou na Academia Solví.
Com a consolidação do Liderar, a academia criou outros programas de desenvolvimento de pessoas que são totalmente interligados (ver quadro Filhos do Liderar). “Todos estão praticamente consolidados e, agora, desejamos ampliá-los. Por exemplo: queremos utilizar o ensino a distância para atingir o operador que trabalha na coleta de lixo ou o gari que trabalha na varrição, criando vídeos com ensinamentos básicos sobre matemática, português, relações humanas, democratizando o conhecimento e atingindo todos os níveis da organização por meio do treinamento”, adianta Carlos Balote.
Ele explica que a comunicação é uma ferramenta muito forte na empresa, especialmente pela necessidade de criar peças com uso principal da linguagem visual, devido ao fato de quase 90% do pessoal ter baixo nível de escolaridade. “Nossos treinamentos são quase todos multimídia e o colaborador pode fazer qualquer curso no Espaço Solví, uma área que temos em cada unidade de negócio com computadores, TV e aparelho de DVD”, esclarece Balote.
Aliás, o baixo nível de escolaridade é um dos pontos que tem sido atacado pela área de RH. Balote conta que, nos últimos anos, a empresa promoveu ações intensas de combate ao analfabetismo, principalmente pelo fato de a maioria dos funcionários ser os chamados analfabetos funcionais – assinam o próprio nome, sabem fazer contas simples e leem poucas palavras. “Ainda temos 1% de pessoas que têm dificuldades de leitura, pois em nosso quadro há colaboradores de 75 anos, mas não posso excluí-los do processo”, pondera o executivo.
Ele conta que durante a certificação pela ISO 9001:2008, começaram a ser desenvolvidos os materiais de treinamento com foco maior na linguagem visual. Daí surgiram gibis e filmes dublados, todos direcionados para cada função na empresa. “Trata-se de uma população muitas vezes excluída da comunidade, que não tem condições de voltar para a escola”, lamenta. Por outro lado, Balote destaca a importância que essas pessoas têm para a organização. “É gente que tem 30, 40 anos de empresa; têm um valor incrível, gostam do que fazem, têm orientação de aprendizado, então, precisamos mantê-las conosco”, finaliza.
Teatro e benchmark |
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Entre as ações oferecidas pelo Liderar estão: leitura de livros e DVDs com reflexões de aprendizado e aplicação no dia a dia; visitas técnicas a empresas (como Embraer, Natura, 3M e Masa para conhecer benchmarks em alguns temas como inovação, responsabilidade social, princípios de governança); e audição de peças teatrais. Ao término dessas audições, os participantes apresentam trabalhos com reflexões de aprendizado dessas visitas. O programa trabalha com alguns temas como: alinhamento de estratégia, cultura e competências; mudança rápida, desenvolvimento tecnológico, competitividade, responsabilidade socioambiental, networking, soluções integradas. A visão de ser a melhor empresa de engenharia de soluções para a vida, a causa de preparar a companhia para esse novo momento, as competências essenciais e os eixos que foram criados para cada uma dessas competências são alguns dos temas discutidos ao longo |
Filhos do Liderar |
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Com a consolidação do Liderar, a Academia Solví criou outros programas, que têm como foco o desenvolvimento de todos os colaboradores da empresa. Integrador tem por objetivo integrar os atuais e novos colaboradores da empresa com a apresentação das empresas, negócios de atuação, políticas internas e programas desenvolvidos pela Academia, TV corporativa e Instituto Solví. Estágios contratação de estudantes de nível médio e superior dentro da Lei de Estágio. Pretende garantir a retenção desses jovens para futuras posições na empresa. O principal diferencial é a tutoria do programa, que é feita pessoalmente pelo presidente da Solví, Carlos Leal Villa, ex-estagiário da OAS. Trainees contratação de jovens recém-formados cujos pré-requisitos para os candidatos são ter até dois anos de formação, mobilidade e ter fluência no idioma espanhol, tendo em vista a expansão da empresa pelo continente sul-americano. Desenvolvimento gerencial tem por objetivo preparar líderes no nível gerencial e de supervisão. Visa desenvolver um conhecimento mais profundo dos negócios da empresa. Sucessores programa de estruturação formal de identificação, desenvolvimento e preparação de sucessores e/ou substitutos para eventuais posições-chaves. Coaching programa que visa criar um plano de desenvolvimento para o líder, de modo que ele reflita sobre seu futuro, do negócio, da equipe, como lidar com a geração Y e com o sucessor, enfim, criar um plano para aperfeiçoar suas competências. |
O grupo |
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Fundada em 1939 por Eloi Vega, a Vega Sopave foi a primeira empresa de coleta de resíduos em São Paulo. Experimentou um crescimento muito rápido especialmente em virtude do relacionamento com os governos, mas acabou entrando em concordata por ser uma organização que tinha competência técnica, mas não tinha planejamento e controle, nem estabilidade econômico-financeira. Em 1995, foi vendida para a construtora OAS e herdou o perfil comercial agressivo da adquirente. Dois anos depois, a agora Vega Engenharia foi vendida para o grupo francês Suez, ganhando conhecimento em planejamento e controle, garantindo mais estabilidade para a empresa. Com a decisão do grupo francês de focar seus negócios na Europa, quatro executivos da Vega assumem o controle acionário por meio de um management buyout (MBO). O Grupo Solví surge em 2007 como uma empresa de engenharia de soluções para a vida e é composto pelas seguintes áreas de negócios: Resíduos Saneamento |