Quando o pequeno Enzo completou cinco anos, ficou feliz ao saber que ganharia um brinquedo. No dia do aniversário, sua mãe, Nory Hatada, o levou para escolher o presente. A empreitada não foi nada difícil: logo na primeira loja que visitaram, Enzo escolheu de presente o primeiro brinquedo que chamou sua atenção.
Tudo parecia resolvido. Qual não foi a surpresa de Nory quando Enzo, ao sair da loja, se encantou muito mais com outro brinquedo que viu, exposto em outra loja, com um preço mais baixo do que aquele que compraram. Muitos pais pensariam: crianças são assim, mudam de foco rápido. Sempre querem o que não têm.
Mas Nory seguiu outra linha de raciocínio. Ela percebeu que havia chegado a hora de Enzo aprender educação financeira. “Achei necessário para ele aprender a dar valor ao dinheiro e entender que precisamos ter responsabilidade em gastar”, conta Nory, em entrevista à Melhor RH.
O Brasil tem uma carência grave no que diz respeito à educação financeira. Segundo uma pesquisa feita pela fintech Mercado Pago, entre julho e agosto deste ano, sete em cada dez brasileiros que possuem conta em banco carecem de conhecimentos na área. Isso se refletiu na pandemia, quando muitos colaboradores enfrentaram questões de saúde mental, como ansiedade e depressão, por conta de problemas com finanças. Se por um lado a crise sanitária gerou impactos econômicos inevitáveis, por outro aqueles com maior conhecimento sobre como gerir suas finanças se endividaram menos. Tal fato jogou luz na importância do ensino de educação financeira já na infância.
Como tornar o tema interessante
Ensinar educação financeira a crianças não significa cercá-la de números e fórmulas matemáticas. O ideal é mostrar que a economia faz parte do nosso dia a dia. Nory explica que o primeiro passo é incluir a criança nas decisões de compra.
“Ele [Enzo] me ajuda a pegar o dinheiro da carteira e a conferir o troco, no mercado o incluo para pesquisar os itens da lista e observar qual é o mais barato e o mais caro e a quantidade de cada um. Ele se acha um homenzinho!”, conta ela.
Para Beatriz Teixeira, planejadora financeira do Grupo H, incentivar esse senso de responsabilidade faz bem à criança, que responde de forma positiva a esse estímulo.
“Não é o dinheiro que vai tornar uma criança feliz, nem o brinquedo. Pelo contrário, um pai que dá atenção, conversa e escuta. Ouça a criança na essência. Ela começa a dar valor a algo como, por exemplo, finanças, que achamos que é difícil para a criança. O fato de a criança ser notada e reconhecida faz com que ela se sinta amada. Por isso é tão importante falar sobre esse assunto. Permita que ela veja a importância do tema e dê uma recompensa a ela, pois é automático que a criança faça disso um hábito para ser reconhecida. Funciona assim com os adultos, quem dirá com as crianças, que querem ter o direito de pertencer, ver que fazem parte de algo bom. Ela se sente útil”, explica Beatriz.
Beatriz também usa como exemplo a própria experiência de infância. “Meus pais me davam o cartão para pagar a pizza ou quando íamos ao restaurante. Eu tinha muito medo porque percebia que era coisa de adulto, então cuidava do cartão para ninguém roubar. Meus pais me ensinaram a conferir o cartão e o valor. E, ao final, eu ficava muito feliz de ver meu pai orgulho só porque paguei uma conta que nem era com meu dinheiro. Aí, vem aquela necessidade básica do ser humano de ser notado, reconhecido, se sentir útil e, como consequência, querer repetir para sentir aquilo de novo”, diz Beatriz.
Ela também destaca que é importante deixar a criança livre para exercer sua criatividade no modo de lidar com o dinheiro. “Eu tenho uma sobrinha que adora fazer massagem, e toda vez que faz no meu sogro, ela cobra R$ 2,00. Ela está aprendendo a empreender e usar o que sabe fazer para conseguir conquistar o que quer. É possível trazer as finanças para a vida da criança e ser divertido”, explica.
Nora conclui que ensinar educação financeira a Enzo tornou o menino, hoje com oito anos, mais responsável. “Hoje ele entende que precisa focar no que quer comprar e juntar para conseguir. Quando saímos sem a carteira dele, ele se limita a pedir apenas uma coisa, dá mais valor ao dinheiro. Sem contar que ele, mesmo sendo pequeno, já consegue ir a uma padaria ou uma barraquinha comprar e conferir o troco. Fora que ajudou muito nas aulas de matemática!”, finaliza Nory.
Mecanismos que auxiliam o aprendizado
Alguns mecanismos, como cofrinhos, jogos de tabuleiro, como banco imobiliário e jogo da vida, ensinam a criança a poupar. Mas hoje há também aplicativos voltados para isso.
É o caso do Tindin, app educativo que usa a gameficação para ensinar educação financeira a crianças. A plataforma é voltada para crianças entre 5 e 12 anos, e tem hoje 70 mil usuários.
Eduardo Schroeder, CEO e fundador da Tindin, conta à Melhor RH que a ideia de criar a plataforma surgiu a partir de sua experiência com o filho.
“A ideia surgiu quando meu filho, Rafael, com 3 anos e meio à época, enfrentou problemas com o consumismo infantil. Na ocasião, descobri a relevância da educação financeira já na primeira infância e, após instituir a ‘mesada educativa’, percebi uma rápida mudança comportamental. Mas foi aos 7 anos que o Rafael fez a proposta que daria a ideia para a plataforma, quando reuniu um saco de moedas e disse: ‘Pai, quero comprar seu cartão de crédito, porque games online não aceitam moedas’. Daí surgiu a ideia de uma carteira digital de mesada educativa, o primeiro produto da Tindin”, explica.
Eduardo destaca que o aumento do consumismo infantil torna crucial ensinar às crianças o valor das coisas. “Por um lado, víamos um crescente consumismo infantil; por outro, percebíamos também o avanço do endividamento no país. Estudos da OCDE revelam que tudo isso é consequência de uma alienação financeira que começa na infância, em um país que ainda enfrenta tabus ao falar de finanças em casa e até mesmo na escola. Foi para suprir essa carência que surgiu a Tindin, que tem soluções para se trabalhar a educação financeira em casa ou na escola”, destaca.
Além disso, ele destaca que crianças que aprendem educação financeira se tornam adultos mais prósperos e mais capacitados para o mercado de trabalho.
“O preparo para lidar com o dinheiro com responsabilidade é fundamental não apenas para capacitar essas crianças e jovens para o mercado de trabalho, mas principalmente para que tenham pessoalmente um futuro mais próspero. Vemos hoje no Brasil uma enorme quantidade de famílias endividadas, e isso é consequência dessa defasagem na base da nossa formação”, explica Eduardo.
Eduardo conclui a entrevista afirmando que a plataforma tem planos para expandir sua atuação em escolas, levando o ensino de educação financeira também a alunos mais vulneráveis.
“Já são mais de 1200 escolas privadas de todo o país que utilizam nossas metodologias gamificadas. Já estamos nos maiores e melhores grupos educacionais. Mas nosso propósito é levar a educação financeira prática para toda criança, não apenas as crianças das classes AB. Por este motivo, temos uma estratégia de expansão que inclui escolas públicas e alunos em situação de vulnerabilidade social. Hoje, nosso projeto social é financiado pelas próprias escolas privadas, através de um modelo de negócio Robin Hood, onde cada dois alunos pagantes financiam um em situação de vulnerabilidade social. Até final de 2022, serão mais de 30 mil alunos de escolas públicas educados gratuitamente através da plataforma”, finaliza.