O escritor inglês Neil Gaiman, um dos principais nomes da literatura contemporânea, acredita que as histórias têm o poder de se conectar profundamente com as pessoas. Ele diz o seguinte: “quando você se identifica com uma história, ela continua com você para sempre”. O storytelling pode parecer restrito ao “mundo dos livros”, mas é um princípio muito atual e relevante na comunicação interna, sendo fundamental para torná-la genuína e memorável. A simples transmissão de informação já não basta para engajar o colaborador; é preciso ir além para construir uma narrativa que reflita o DNA da organização.
“A tendência é querermos contar a ‘história das coisas’ a partir da visão corporativa, mas eu sempre digo que essas histórias são, na verdade, a história das pessoas”, observa o jornalista e professor de conteúdo e storytelling Murillo Leal, Top Voice no LinkedIn. Isso significa que, em qualquer organização, o primeiro passo para aplicar o storytelling na comunicação interna é focar no verdadeiro protagonista dessa narrativa: o colaborador. “Não é possível implementar uma cultura forte sem contar uma boa história para as pessoas. Se você não consegue cuidar delas e acolher suas histórias, é muito difícil exigir qualquer coisa”, complementa.
Era uma vez…
E tudo começa dentro da empresa, seja com a funcionária mais antiga, o jovem que conquistou seu primeiro emprego, ou até mesmo com a jornada de quem fundou o próprio negócio. Para Murillo, um storytelling bem-feito é resultado da consistência entre as histórias e o comportamento das pessoas. Naturalmente, ele já existe dentro das organizações como um fio invisível que conecta e constrói as histórias cotidianas, mas é aí que reside o perigo. “Se a história da sua empresa não está sob seu controle, alguém já está moldando essa narrativa por você”, alerta.
Aliás, o significado desse conceito está diretamente ligado a isso, como bem pontua o especialista: “é um conjunto de técnicas e ferramentas para compartilhar ideias por meio de narrativas com o propósito de engajar o público de forma emocional“. Ou seja, tanto na comunicação interna como fora dela, o storytelling tem tudo a ver com a audiência. “O dever de qualquer empresa é conhecer seu público interno. O que não pode é ficar falando sozinha.”
Storytelling e comunicação interna
Mas afinal, será que o storytelling pode transformar histórias reais em uma campanha de comunicação interna inspiradora? Para Estela Gurgel, gerente de Comunicação Interna da Roche, multinacional suíça especializada em produtos químicos e farmacêuticos, a resposta é sim. “Ele ajuda a criar uma conexão emocional com a empresa, tornando os conceitos mais fáceis de entender e memorizar. Além disso, essas histórias reais servem como uma fonte de inspiração e motivação para todos”, reflete a executiva.
Sandra Lima, superintendente de Marketing e Comunicação da Seguradora Zurich, também acredita no poder “sensibilizador” do storytelling, destacando como isso humaniza a comunicação interna. “O storytelling transforma dados e fatos em narrativas envolventes que ressoam com a experiência pessoal dos colaboradores. Assim, quando se identificam com uma história, eles se tornam mais propensos a se envolver e a absorver as informações”, complementa a porta-voz da farmacêutica suíça com atuação global. Segundo ela, as histórias são ferramentas poderosas para transmitir os valores e a cultura da empresa.
Contador de boas histórias
Essa conexão emocional foi a base do case “Nossa história, Nosso legado, Nosso propósito”, da Roche, que conquistou a categoria “Propósito de Marca” no Prêmio Empresas que Melhor se Comunicam com Colaboradores (PEMCC). Ao estampar as paredes do novo escritório com histórias reais de colaboradores e pacientes, a companhia estabeleceu uma conexão profunda entre eles e seu propósito corporativo. Um direcionamento necessário para uma organização que precisava unir fisicamente suas três divisões de negócio. “Ao partilhar do mesmo propósito e espaço de trabalho, as pessoas podem se inspirar e se reconectar à nossa cultura todos os dias”, reforça Estela. E complementa: “as histórias reais dão vida ao nosso propósito”.
Na Zurich, isso não foi diferente. Um exemplo é a iniciativa “Mamas do Amor: o poder da colaboração”, vencedora na categoria ESG do PEMCC. Com planejamento, envolvimento dos colaboradores e uma comunicação interna afiada, o storytelling tem o poder de transformar uma ação de voluntariado em uma campanha inspiradora. “Ao captar a atenção dos colaboradores e gerar empatia, o storytelling facilitou a transmissão dos valores e da cultura organizacional, que na Zurich estão intrinsecamente ligados à sustentabilidade e à colaboração”, enfatiza Sandra Lima.
A superintendente explica que o propósito da ação – construir mamas de alpiste para ajudar na manutenção da autoestima de mulheres em situação de vulnerabilidade – já seria poderoso o suficiente para inspirar as pessoas a se envolverem na ação. No entanto, a campanha intensificou ainda mais esse envolvimento entre os times, alcançando inclusive a alta liderança. “Não se trata só de inspirar, mas de buscar as estratégias e direcionamentos corretos na hora de planejar a sua comunicação”, observa.
Nossos super-heróis
Entretanto, ao contrário da literatura contemporânea, as histórias mais poderosas não são aquelas protagonizadas por super-heróis, mas sim as narradas por pessoas comuns – especialmente quando se trata de comunicação interna e storytelling. Para Estela, essas histórias têm muito valor por destacarem as vulnerabilidades e desafios enfrentados por todos, o que contribui para a construção de uma cultura mais humanizada e acessível. “Na Roche, priorizamos as histórias de vida que evidenciam comportamentos cotidianos e valorizados pela nossa cultura, como, por exemplo, colaboração, pedir ajuda e aprendizagem constante.”
Portanto, é essencial determinar qual história deseja-se contar para implementar uma estratégia de comunicação interna eficaz, fundamentada em um storytelling envolvente. Do lado da Zurich, reconhecimento e celebração de conquistas individuais fazem parte desse enredo, que ganha vida por meio de diferentes plataformas e formatos, como podcasts, vídeos, blogs e redes sociais internas, garantindo assim que as histórias sejam acessíveis a todos. “Entendemos que cada pessoa consome o conteúdo em oportunidades, canais e momentos diferentes, e que essa escolha deve ser respeitada”, pontua Sandra Lima, da Zurich.
Segundo ela, ao reconhecer e celebrar as conquistas individuais de seus colaboradores, a organização cria um ambiente de trabalho mais coeso, motivador e alinhado com seus objetivos estratégicos e culturais. Dentro dos canais de comunicação da seguradora, há páginas e conteúdos dedicados a enaltecer as conquistas que fazem a diferença na vida das pessoas, seja em sua jornada na empresa, seja em suas iniciativas pessoais. “Ter um canal aberto para receber histórias inspiradoras é fundamental para identificar todo o potencial de comunicação e engajamento nas ações da companhia”, ressalta a superintendente.
Diversidade, comunicação interna e storytelling
Entretanto, boas histórias só se tornam genuinamente inspiradoras ao refletirem os diversos perfis que compõem as organizações. O desafio está em garantir uma perspectiva diversificada no storytelling da tão fundamental comunicação interna, a fim de dialogar com pessoas de diferentes níveis hierárquicos, gêneros, raças, orientações sexuais, idades e áreas de atuação. Na visão de Sandra Lima, da Zurich, a diversidade e a inclusão são elementos prioritários do storytelling interno, fazendo parte das ações e decisões da companhia. Ser diverso, como ela bem diz, deve fazer parte do dia a dia. “De toda forma, quando os colaboradores veem suas experiências refletidas nas comunicações internas, sentem-se valorizados e incluídos, aumentando o engajamento e a lealdade à empresa e o senso de pertencimento.”
Para a gerente de Comunicação Interna da Roche, Estela Gurgel, a diversidade é a palavra-chave de um storytelling corporativo que gera identificação e representatividade. “Ao incluir uma variedade de vozes e perspectivas nas histórias que compartilhamos, enriquecemos a narrativa e mostramos que valorizamos a diversidade como um pilar essencial em nossa cultura organizacional”, afirma. E o mais importante: as histórias contadas precisam ser sempre vividas na prática.