Em um mundo cada vez mais conectado e imerso em tecnologia, que tal usar o que nos cerca a nosso favor? Joseph Kvedar, professor de medicina na Harvard Medical School e vice-presidente da Connected Health, Partners Care, empresa global na área da saúde digital e uso de tecnologia para melhorar o cuidado aos pacientes, dá um exemplo do que ele chama de Internet das coisas saudáveis:
“Um relógio, uma camisa, o volante do seu carro ou o colchão em que dorme – [tudo] pode ser transformado em um objeto de coleta de dados para ser utilizado com a finalidade de melhorar a sua saúde”, diz. E isso, frisa, não é ficção científica, mas realidade. Acompanhe a entrevista que Kvedar concedeu a Melhor RH sobre a transformação digital na saúde. Um tema mais do que oportuno nesses tempos de pandemia mundial.
Em um mundo que vivencia o momento de transformação digital, estamos na era da saúde conectada (connected health)?
Como consumidores, todos nós nos sentimos confortáveis e esperamos ter uma experiência digital simples e conectada. Por exemplo, podemos reservar um voo ou checar nossa conta bancária a qualquer hora do dia. Em saúde, devemos aprender a oferecer o mesmo tipo de serviço. Nós não deveríamos ter de nos deslocar a um consultório médico apenas para medir a pressão, sendo que um dispositivo de aferição de pressão arterial sem fio pode fazer isso e transmitir de forma segura esses dados aos médicos. A tecnologia deve ajudar a posicionar o paciente no centro do cuidado. As vantagens são de grande alcance: é mais conveniente e economiza tempo de cada indivíduo, o que, para as empresas, representa a redução em faltas e do tempo fora do trabalho; isso aumenta a eficiência do sistema de saúde ao utilizar melhor os recursos limitados; e diminui os custos enquanto há a entrega de um cuidado de alta qualidade e com melhores resultados em saúde.
Qual é o papel do “humano” no que se refere à saúde, seja do ponto de vista do médico e do paciente?
Nós sabemos que há uma correlação positiva entre a relação de cuidado médico-paciente e a melhora dos resultados em saúde. Ainda, para os prestadores, o modelo atual de saúde requer que gastem um tempo precioso no input de dados, no processo de reembolso e outras atividades mundanas em vez de concentrarem a atenção em cuidar dos seus pacientes. Digite tecnologia e, em particular, inteligência artificial (IA). Um artigo, na Harvard Business Review[edição de fevereiro de 2017], de Megan Beck e Barry Libert, The rise of AI makes Emotional Intelligence more important,conta sobre como a IA torna a inteligência emocional mais importante. Um grande número de profissões faz algumas coisas repetidamente – coleta de dados, análise, estruturação de um plano e implementação. Eu, imediatamente, vejo um paralelo com o mundo do médico: coletar dados = histórico médico e exame físico; analisar = conceber um diagnóstico diferenciado; formular = criar um plano de cuidado; e executar esse plano. Beck e Libert afirmam que, com a inteligência artificial minimamente sofisticada que temos hoje, os computadores podem fazer a maior parte desse trabalho de maneira mais eficiente do que as pessoas. Então, se nós utilizarmos efetivamente essa tecnologia, isso possibilita aos profissionais de saúde dedicarem mais tempo e atenção ao lado humano da entrega do cuidado que depende dos traços de inteligência emocional que somente os humanos, e não as máquinas, possuem – isso inclui cuidado, julgamento e atenção à qualidade.

Como a tecnologia já ajuda as empresas, por exemplo, a cuidar melhor da saúde dos seus funcionários? Elas já acordaram para esse potencial?
Estamos assistindo a uma série de empresas pensando à frente, ao implementar soluções integradas de tecnologia para melhorar a saúde e o bem-estar dos seus colaboradores, aumentar o engajamento em prevenção e tratamento de doenças crônicas como diabetes e pressão alta, além de conseguirem reduzir os seus custos em saúde. Vou dar alguns exemplos de como isso está funcionando. Muitas empresas, incluindo a minha empregadora, a Partners HealthCare, estão utilizando dispositivos de atividade física e saúde para criar competições de bem-estar – quem dá mais passos ou perde mais peso. No Brasil, por exemplo, a MedPass já realizou pilotos em empresas com uma avaliação de saúde digital gamificada e está oferecendo o acompanhamento proativo no cuidado de saúde dos colaboradores das empresas, com recursos de agendamento online, acesso à orientação médica via telefone, chat e vídeo, além de programas digitais para gerenciamento de populações de risco. São maneiras para engajar as pessoas com a saúde, tornar divertido o cuidado e mantê-las motivadas. Programas conectados de saúde, tal como monitoramento remoto, visitas e atendimento virtual, tornam os cuidados com a saúde mais convenientes para os indivíduos, reduzem o nível de absenteísmo e o custo, enquanto ajudam a melhorar a saúde geral da força de trabalho.
Qual deve ser a mudança de mindset para os profissionais de RH? Pensando em um conceito de Saúde 4.0, eles estariam em uma mentalidade também 4.0?
A Saúde 4.0, conceitualmente, inclui cuidado personalizado, bioinformática, análise de dados e tecnologias emergentes, tais como Inteligência Artificial e robótica, o que nos levará à medicina de precisão. O que isso nos permite é identificar pessoas com alto risco para determinadas doenças e educá-las sobre como administrar melhor sua saúde para mitigar o risco. É essencial ofertar aos colaboradores, principalmente àqueles em grupos de risco, orientação, conhecimento e disponibilizar as ferramentas corretas que eles precisam para mantê-los motivados e fazerem escolhas mais saudáveis de estilo de vida. É responsabilidade dos profissionais de RH ajudar os seus colaboradores a reduzirem o risco de doenças – e reduzir os gastos com saúde –, esse é um mindset conceitual muito importante a ser adotado.
O que vem a ser o conceito Internet das Coisas Saudáveis? E como aplicá-lo ou reconhecê-los nas empresas, em nosso dia a dia?
Hoje, tudo e todo mundo está conectado. De fato, os especialistas preveem que, até 2020, 26 bilhões de objetos poderão capturar, receber e compartilhar dados usando sensores baratos, GPS e armazenamento em nuvem. Os dados biométricos em tempo real serão automaticamente capturados e utilizados para aprender mais sobre o impacto do estilo de vida na doença e bem-estar e mudar o comportamento para melhor. Eu exploro esse tópico em meu primeiro livro, A Internet das Coisas saudáveis, no qual, praticamente, qualquer objeto – um relógio, uma camisa, o volante do seu carro ou o colchão em que dorme – pode ser transformado em um objeto de coleta de dados para ser utilizado com a finalidade de melhorar a sua saúde. Não é ficção científica. É a realidade. Então, por que isso é importante para grandes empresas? Os dados de rastreamento pessoal contêm um tesouro de informações sobre como as pessoas vivem, trabalham, brincam e até pensam, o que traz muita luz sobre os seus estilos de vida, incluindo hábitos e preferências. É também um recurso incrível para as empresas, seguradoras, prestadores de saúde e empreendedores que precisam e querem entender melhor o que motiva o consumidor de saúde. À medida que o negócio em saúde muda e com as condições crônicas tais como diabetes, hipertensão, colesterol alto e obesidade em ascensão, há uma enorme oportunidade para as empresas aproveitarem as soluções conectadas de saúde para levar saúde e bem-estar ao cotidiano dos seus colaboradores e melhorar os resultados em saúde.
A Saúde 4.0 inclui personalização e análise de dados, que nos levarão à medicina de precisão
Como equilibrar o elemento humano e o tecnológico no cuidado com a saúde?
As tecnologias digitais de hoje permitem que os indivíduos acompanhem a saúde e o bem-estar, e novas aplicações de Inteligência Artificial, robôs sociais e outras tecnologias emergentes estão criando novas oportunidades na área de saúde. A grande questão é como integrar essas tecnologias na prestação de cuidados de saúde, bem-estar e vida cotidiana. A inserção cuidadosa da tecnologia nos serviços de saúde permitirá que os prestadores se concentrem nos elementos humanos de cuidado, tenham maior discernimento e inteligência emocional, apoiem o cuidado cooperativo com os pacientes, melhorem os resultados de saúde, melhorem as relações médico-paciente e possibilitem uma mudança crítica na prevenção, bem-estar e autocuidado em toda a vida. Como mencionei, a chave é usar essas tecnologias para fazer o que elas fazem melhor – coletar, analisar e transmitir dados – para que os profissionais de saúde possam fazer o que fazem melhor – fornecer cuidados compassivos, tomar decisões a partir de informações precisas e planos personalizados aos seus pacientes. [Gumae Carvalho, Melhor RH ed. 376]