A pandemia tem obrigado muitas empresas a acelerarem seu processo de transformação digital. Para a área de recursos humanos, as inovações tecnológicas já vinham se mostrando como aliadas estratégicas em muitas ações e projetos. E no que se refere à gestão da saúde corporativa, parece ter ganhado mais força com o destaque da telemedicina e do uso de aplicativos por parte dos colaboradores, que tiveram de ir para o home office.
Na Continental, empresa que desenvolve tecnologias e serviços em mobilidade sustentável, por exemplo, foi implantado um serviço de medical consulling, acessado pela internet ou por telefone, para apoiar os colaboradores especificamente durante a pandemia. Também foi distribuído um questionário digital de saúde, o qual era respondido diariamente pelos funcionários que tinham de trabalhas nas unidades da empresa. Eles respondiam no trajeto do trabalho, via celular, a fim de garantir ou não o acesso as fábricas.
“Mesmo antes da pandemia, já contávamos com o apoio de tecnologias para apoiar a gestão da saúde e a tomada de decisão. Nossos médicos acompanhavam as estatísticas de colaboradores com casos de saúde como diabetes, hipertensão, dependência química, obesidade, entre vários outros, para definir os programas preventivos mais adequados”, lembra Ana Cláudia Oliveira, vice-presidente de relações humanas Brasil e Argentina da Continental.
E com a pandemia e o distanciamento social, os atributos da tecnologia como uma grande aliada da gestão de pessoas foram fortemente revelados, garante a executiva da Continental.
Na One7, empresa especializada em antecipação de recebíveis, a tecnologia, por meio do Teamculture, tem ajudado a manter o bem-estar em dia de quem adotou o home office. Ele coleta regularmente feedbacks de todos os profissionais em relação ao ambiente de trabalho, e especificamente em relação à percepção de bem-estar como um todo.
“O uso da ferramenta no período da pandemia ficou ainda mais preciso com o envio de perguntas focadas no sentimento dos profissionais em relação ao momento que estavam vivendo”, diz Paula Reis Brabo, executiva de gestão estratégica de pessoas da ONE7.
Suporte para quem foi para casa
Ela conta que, desde o início da pandemia, vários profissionais de saúde foram convidados a conversar virtualmente com os profissionais. Além disso, a empresa sugeriu a utilização de aplicativos de meditação e de exercícios físicos, por exemplo.
Para oferecer melhores condições de trabalho em home office, a companhia também enviou para a casa dos colaboradores cadeiras ergonômicas e objetos pessoais que tinham no escritório. “Todos os profissionais receberam protocolos de segurança sanitária e a recomendação de se manterem em casa pelo período que for necessário. Ao mesmo tempo, todos têm autonomia para ir ao escritório da empresa se considerarem a ida como uma ação também de bem-estar, e desde que cumpram todos os protocolos informados”, reforça Paula.
O destaque na empresa, segundo a executiva, é o programa One7health, voltado para todos os profissionais e cujo foco é o bem-estar. Por meio dele, os colaboradores têm acesso a um hub de profissionais de saúde, como nutricionista, personal trainer e health coach, para que possam ter um acompanhamento integrado sobre alimentação, exercícios físicos e bons hábitos de vida, respectivamente. Além disso, nele há uma plataforma digital de desafios, que “convida” os profissionais a perseguirem metas individuais e predefinidas de caminhada, corrida, entre outras modalidades.
Quem atingir a meta ganha, ao final, uma medalha física e personalizada como reconhecimento e incentivo à manutenção da prática. Para estimular a participação, empresa paga metade do custo nas consultas dos profissionais com a nutricionista e com o personal trainer. Já para a health coach, a One7 possibilita o pagamento da consulta via folha de pagamento ou via cartão de benefícios, também facilitando a adesão.
“Com esse programa queremos estimular ainda mais o autocuidado, ampliando a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas. Para nós, da One7, bem-estar significa conquistar equilíbrio físico, mental e emocional. É relacionar-se bem, nutrir bons hábitos, acolher uns aos outros e estar preparado para desafios. É alinhamento biopsicossocial”, diz Paula.
“A tecnologia é fundamental para manter as relações de trabalho saudáveis, com gestão adequada do tempo e proximidade nessas relações”, diz Carla Alves, diretora sênior de RH da Oracle para a América Latina.
Por lá, as ações adotadas durante a pandemia e que contaram com a ajuda da tecnologia incluem a implementação de pausas funcionais na jornada de trabalho, com vídeos de exercícios e alongamentos disponíveis em plataforma digital, práticas diárias de mindfulness, orientações online com nutricionistas, educadores físicos e psicólogos, programa de apoio e acompanhamento em saúde mental.
“Tivemos, também, a otimização do serviço de telemedicina para atendimento geral e, especificamente para a covid-19, além da campanha de bem-estar com dicas”, conta.
Carla lembra que todos os indicadores de saúde já eram monitorados por meio da tecnologia (tanto assistenciais quanto ocupacionais), desde o uso de prontuários eletrônicos, gerenciamento de ausências a dados do perfil epidemiológico. “Isso ajuda na criação de ações assertivas para as necessidades dos colaboradores. Com a aplicação da tecnologia em saúde, o investimento é direcionado na gestão de medidas preventivas, tratamentos e procedimentos para minimizar danos e gerar qualidade de vida.”
Uma nova aliada
Na EY, a tecnologia também já estava presente por meio de dois sistemas de gestão de saúde, a exemplo da Oracle, um com com foco ocupacional e outro voltado para dados médicos relacionados à utilização do plano de saúde, conta Ronaldo Abe, diretor médico de saúde corporativa da organização. E com a pandemia, ela ganhou mais destaque.
Ao adotar o home office, as ferramentas online se tornaram fundamentais também para a área da saúde na EY. Foram realizadas palestras online para os colaboradores sobre diversos temas relacionados aos principais problemas que surgiram ou se agravaram com a atual realidade, como saúde mental, ergonomia e hábitos de vida.
Além disso, a frequência das sessões de mindfulness oferecidas pela consultoria passou a ser duas vezes na semana, também totalmente online. E a telemedicina, na avaliação de Abe, tornou-se uma grande aliada, na medida em que possibilitou atender as pessoas de forma remota, evitando idas aos prontos-socorros e resolvendo grande parte dos casos no conforto de casa.
“A evolução da telemedicina aliada ao rápido desenvolvimento de aplicativos de saúde podem contribuir não somente no aspecto terapêutico, mas preventivo também”, diz.
Ele acredita que essa modalidade de atendimento veio para ficar. “Atualmente, alguns aplicativos possibilitam interações com as pessoas no sentido de tornar a adoção de um estilo de vida saudável mais factível, isto é, mais próximo da realidade de cada um”.
“Os resultados em termos de resolutividade são elevados, beirando os 80%, tudo no conforto de casa, evitando trânsito, tempo de espera e risco de contaminação no hospital.”
Carla, da Oracle, diz que a empresa já realizava atendimentos por meio de telemedicina para funcionários e dependentes antes mesmo da pandemia. “É essencial que o serviço médico esteja disponível ao funcionário, em qualquer horário e situação, para dúvidas, orientações específicas e emergências. Isto otimiza o atendimento médico presencial e faz ele ser mais assertivo.”
Telemedicina veio para ficar
Mas a telemedicina, no Brasil, pode ser praticada enquanto durar a pandemia da covid-19 e seus impactos por aqui. Ela tem sido permitida graças a uma decisão do Senado, a partir da aprovação do PL 696/2020. Mas há quem não duvide que ela, a telemedicina, não seja aprovada depois, de forma definitiva. É o caso de Daniela Santos, diretora de capital humano da Simpress, provedora de outsourcing de equipamentos e soluções. Trata-se, de acordo com a executiva, de uma ferramenta que vem ganhando importância e mostrado o ganho para pacientes, profissionais da saúde e instituições.
“O acesso dos nossos colaboradores e de seus familiares ao atendimento online permitiu o acompanhamento regular nos casos de suspeitos e contactantes de covid-19, dando suporte ao acompanhamento desses casos, conforme previsto no nosso protocolo, evitando deslocamentos e garantindo segurança e ampliando a capilaridade do atendimento”, afirma Daniela.
E também online, a Simpress começa a disponibilizar aos funcionários o acesso a uma plataforma de atendimento de psicoterapia, uma vez que os atendimentos psicológicos aumentaram muito no ambiente online, por conta da pandemia.
“Além de pacientes que já realizavam atendimento presencial e que, devido à quarentena, migraram para o digital para continuar os atendimentos, novos pacientes procuraram ter um acompanhamento terapêutico na expectativa de melhorar sua saúde mental, uma das mais afetadas neste momento. Acreditamos que é um modelo que veio para ficar, o sucesso obtido tem sido frequentemente relatado tanto pelos psicólogos, como pelos pacientes”, observa a diretora de capital humano da Simpress.
Para o CEO da Célebre Corretora, Marcelo Alves, os benefícios que a telemedicina trouxe em meio a uma pandemia estão bem claros. “E caberá, daqui para a frente, que os órgãos competentes apurarem em detalhes os resultados deste período e, a partir de então, criem as condições, mecanismos e diretrizes de regulamentação. Mas vejo como um caminho sem volta”, conta, descando que a telemedicina permite um acompanhamento e monitoramento da saúde contínuo, tendo em vista sua maior praticidade e agilidade.
“A telemedicina, como instrumento de orientação e recomendações médicas, será muito bem-vinda, não substituindo a consulta presencial, que continuará tendo o benefício da avaliação e do diagnostico mais aprofundado”, diz o CEO da Célebre.
Ele acredita que, de maneira geral, as entidades de classe saberão compreender as diretrizes para que, cada qual com sua particularidade, conduza o atendimento, presencial ou online, com os protocolos devidos e segurança.
Para o executivo, daqui para a frente, o RH deverá pensar em uma política global de saúde dentro da empresa, algo que vai muito além da escolha do plano de saúde. “Cada empresa terá de olhar cada vez mais para o seu negócio e avaliar quanto o risco da saúde do colaborador, em todos os seus aspectos – emocional, mental e físico –, pode impactar sua produtividade, seu engajamento e sua motivação”, comenta.
Nesse sentido, Alves considera que a área de recursos humanos precisa se cercar de parceiros que possam atuar de forma preditiva e não reativa. “Essa visão estratégica permitirá investir com qualidade em soluções de gestão que trarão resultados sensíveis quanto a redução de custos para a empresa e aumento da produtividade e qualidade de vidas dos colaboradores.”
Em relação aos custos, Alves considera estarmos ainda em um momento incerto para definições sobre possíveis aumentos. Porém, ele conta que estudos recentes mostram que, nas últimas duas décadas, o número de idosos duplicou, o que força os custos operacionais devido à maior utilização nessa faixa etária.
“Somado ao momento crítico da pandemia, as operadoras, de maneira geral, terão de reavaliar o modelo assistencial da saúde suplementar e assim suportar o crescimento das despesas”.
“Além disso, temos diversos fatores que poderão impactar o cenário futuro, dentre eles a retomada da economia. Portanto, ainda é cedo afirmar uma tendência. Certo é que as operadoras, de maneira geral, estão adotando a manutenção de preço e suportando bem o momento sem maiores repasses e aumentos.”
E ele acredita que as lições com a pandemia em relação à gestão da saúde corporativa são inúmeras e valem não só para o RH, mas também para fora das organizações. Para as empresas que possuem plano de saúde, diz ele, o índice de sinistralidade fornece um valioso acervo de informações que deve ser compreendido e analisado de forma criteriosa para enfrentar possíveis riscos à saúde dos colaboradores e que por vezes, pode acarretar sérios danos à produtividade e à entrega de resultados quando percebido de forma macro.
“Além disso, será cada vez mais profundo o debate sobre políticas de saúde, sobretudo com a abordagem para a prevenção e a conscientização. Temas como saúde mental, até então um grande tabu nas organizações, e ergonomia em tempos de home office serão debatidos com maior intensidade e atenção. Porém não é só isso. A saúde do colaborador nunca esteve tanto em pauta, mesmo antes da pandemia. E quem se abastecer de dados e gestão colherá os frutos tanto na atração quanto na retenção de talentos”, diz. [Gumae Carvalho]