Comunicação interna

Cultivando o bem-estar: na luta contra o estresse, a comunicação interna é o que faz bem à saúde

Descubra como uma comunicação interna eficaz pode ser a chave para aliviar o estresse e promover a saúde no ambiente de trabalho

de Priscila Perez em 1 de setembro de 2023
A comunicação interna é o melhor remédio contra o estresse no trabalho Foto: Reprodução/wayhomestudio

Por ter como premissa o diálogo, a comunicação interna é a melhor aliada do colaborador no enfrentamento ao estresse no trabalho. Se existe diálogo, há espaço para o bem-estar, mas essa fórmula, infelizmente, não é exata, pois cada indivíduo reage de uma maneira muito particular à rotina. Já do lado corporativo, o combate ao estresse está intimamente ligado ao empenho das empresas em ouvir com atenção o colaborador e desenvolver estratégias de comunicação interna que sejam sensíveis às suas necessidades.

Doutora Ana Maria Rossi, presidente do ISMA-BR
Doutora Ana Maria Rossi, presidente da ISMA-BR

Mas para encarar esse desafio de forma consciente, é preciso entender, antes de mais nada, que o estresse não só faz parte da rotina de trabalho, como também está ligado à nossa existência. Por ser uma reação natural do organismo, é igualmente natural senti-lo diante de situações que exijam adaptação, como falar em público ou executar determinada tarefa pela primeira vez. Isso significa que o estresse pode ser negativo ou até positivo, dependendo do olhar de cada um. Aqui vale uma metáfora: o impacto emocional depende da cor das lentes que a pessoa usa para ilustrar a realidade. 

A explicação é da psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da ISMA-BR (International Stress Management Association), associação sem fins lucrativos voltada à pesquisa e ao desenvolvimento da prevenção e do tratamento de estresse no mundo. “A ideia de que podemos viver sem estresse é uma utopia. Isso não é uma possibilidade. A única possibilidade que temos é escolher a forma como lidamos com ele.”

Saúde como propósito

Cada pessoa é um universo à parte. Por isso, cultivar bem-estar no ambiente de trabalho vai muito além da oferta de apoio emocional. O combate ao estresse, a partir da comunicação interna, requer a construção de uma cultura vibrante e tangível, que permeie todos os níveis e aspectos da organização. Enfrentar esse desafio é complexo, pois implica na gestão de uma série de fatores que vão desde a atuação das lideranças até a realização de campanhas voltadas à saúde dos funcionários.

Andressa Borba, responsável pela comunicação interna da Leroy Merlin
Andressa Borba da Leroy Merlin

Mais do que falar de saúde, é preciso incorporar essa demanda à rotina do colaborador, não apenas na forma de conteúdo, mas como propósito. É o que explica Andressa Borba, diretora de Impacto Positivo e Comunicação Corporativa da Leroy Merlin, uma das maiores redes varejistas do país. “Preparar a liderança, vivenciar os valores diariamente, encorajar as equipes, criar canais de suporte psicológico e oferecer benefícios são formas de garantir que o bem-estar e o apoio ao colaborador não fiquem restritos aos canais de comunicação”, pontua.

Comunicação interna como reforço ao combate ao estresse

A cultura de bem-estar precisa ser vivida. Ao contar com o apoio da comunicação interna, ela é integrada à experiência do colaborador de forma mais orgânica, gerando engajamento e um forte senso de pertencimento. Segundo Andressa, esses elementos podem ser trabalhados conjuntamente por meio de campanhas de endomarketing, eventos internos e iniciativas especiais, como lives e formações para os colaboradores. Com informação, a comunicação interna colabora com as áreas de saúde e segurança do trabalho, divulgando iniciativas que fazem referência aos meses coloridos, como o Setembro Amarelo, e realizando palestras, formações e reforços dos programas de saúde mental. “Os times também são incentivados a procurarem por seus líderes e o profissional de RH para falarem sobre as dificuldades diárias”, complementa a diretora de Impacto Positivo e Comunicação Corporativa da Leroy Merlin

A Danone Brasil, multinacional de produtos alimentícios, é outro bom exemplo de como a sinergia entre as áreas de saúde, comunicação interna e recursos humanos pode ser bem aproveitada pelas empresas, especialmente aquelas que buscam desanuviar o estresse no trabalho. Segundo o gerente de Saúde da companhia, Dr. José Maciel Almeida Filho, uma organização que busca promover a saúde por meio da alimentação, como é o caso da Danone, deve aplicar esse propósito internamente. “Nós acreditamos que cuidar do bem-estar de quem é ‘Danoner’ é a primeira etapa para seguirmos com a nossa missão de levar saúde por meio da alimentação ao maior número de pessoas possível. Precisamos, afinal, construir o mundo que desejamos a partir de nossas ações internas. Por isso, toda a nossa estratégia de RH e de comunicação refletem um olhar de Employee Centricity.”

Dr. José Maciel Almeida Filho, da Danone
Dr. José Maciel Almeida Filho, da Danone. Foto: Edilson Dantas

Com os colaboradores em foco, a empresa oferece programas estruturados de incentivo à atividade física, atendimento médico e parcerias para descontos em medicamentos. São diversos benefícios que, quando compartilhados pelo time de comunicação interna, ganham maior visibilidade. “Além de promover e incentivar o uso desses serviços em nossos canais tradicionais de comunicação interna, desde e-mails a TVs corporativas, também provemos eventos e workshops focados em saúde e bem-estar.”

Combatendo o estresse a partir comunicação interna

Se a comunicação interna compreende a sua audiência, muito provavelmente vai ser capaz de mitigar a pressão, desfazer equívocos e aproximar as pessoas, promovendo um ambiente psicologicamente seguro. Por outro lado, a sua ineficiência pode amplificar o estresse no trabalho, mesmo entre os colaboradores mais engajados, afastando as equipes. Nesse contexto, a escuta ativa e a empatia podem ajudar a desconstruir as tensões, mas também é preciso que as empresas estejam dispostas a combater as causas dessa sobrecarga – o que demanda mudanças mais profundas em suas estratégias de comunicação.

Antes da pandemia de Covid-19, falava-se muito na promoção de bem-estar ao colaborador, mas pouco se via na prática. Contudo, à medida que os efeitos da pandemia repercutiram no mundo do trabalho, o tema ganhou notoriedade e a urgência necessária a partir do protagonismo da comunicação interna. Com o trabalho remoto e o estresse causado pelas incertezas do período, tornou-se imprescindível oferecer “acolhimento” por meio de ações de valorização, comunicação interna e suporte psicológico, dialogando com transparência.

Corrida contra o tempo

Rogério Louro, responsável pela comunicação interna da Nissan
Rogério Louro da Nissan

Nesse cenário, muitas organizações se viram obrigadas a reavaliar suas relações com os funcionários para priorizar a saúde e o bem-estar. Outras, felizmente, só precisaram apertar o passo para corresponder às necessidades dos times, como bem conta Rogério Louro, diretor de Comunicação Corporativa e Relações Públicas na Nissan. “Antes mesmo da pandemia, já tínhamos como foco a saúde psicológica dos funcionários, tanto que todos eram incentivados a trabalhar pelo menos um dia da semana em casa. Ninguém estava preparado para o que aconteceu, mas, no nosso caso, entendo que tivemos uma forte aceleração dos processos”, relembra. Iniciativas como debates e treinamentos sobre saúde e relação com o trabalho também foram fundamentais para encarar os desafios com coerência.

Segundo ele, apesar da pandemia ter impactado todas as áreas da empresa, as áreas de recursos humanos e comunicação interna foram as mais exigidas por atuarem diretamente com os funcionários. Em um contexto tão desafiador como o da Covid, foi preciso ouvir atentamente o colaborador, dar suporte e valorizá-lo. Além da escuta ativa, que segundo Rogério “deve ser rotineira”, ações de descompressão são igualmente importantes para reduzir o estresse no trabalho e promover bem-estar. “

Descompressão a partir da comunicação

A cultura de bem-estar na comunicação com colaboradores tem como base dois elementos fundamentais: senso de grupo e capacidade de cooperação. Quando eles estão em sinergia, a comunicação passa a compartilhar mais do que informação, abordando as dores de quem vive e respira a organização. Essa abordagem abre passo para a implementação de iniciativas que incentivem a descompressão, reduzindo o estresse do trabalho a partir do diálogo – com a comunicação interna agindo para conectar os colaboradores.

Julia Mercadante da DUX
Julia Mercadante da DUX

Um exemplo disso é o “Respiro”, projeto implementado pela DUX Nutrition, empresa especializada em nutrição esportiva e fitness, que tem como finalidade ser um espaço de “pausa”, dedicado ao acolhimento, cuidado e à escuta dos colaboradores. “Respiro”, que significa Resoluções, Encaminhamentos, Suporte, Proposições e Inspirações, surgiu a partir da vivência pessoal de Julia Mercadante, fundadora da área na empresa, que acumula dois burnouts na carreira. “Passei por dois burnouts em outros locais de trabalho e por isso senti o desejo de criar uma área voltada para o cuidado com as pessoas. O nome ‘Respiro’ tem duplo significado: é um espaço de oxigenação, mas também um lugar de encontro”, resume.

Para a executiva, um dos pilares do projeto é justamente a comunicação interna por garantir o entendimento, transmitir confiança e gerar engajamento. “É ela que dá vida ao nosso programa, assegurando que todos tenham conhecimento do espaço criado para compartilhar preocupações, para encontrar a melhor forma de se trabalhar em equipe e ter apoio na solução de conflitos.” Nesse espaço são abordados temas pessoais e profissionais, envolvendo questões de relacionamento e até de comunicação. “Nosso objetivo é apoiar e facilitar a solução de problemas e conflitos pelo próprio funcionário, de modo que seu protagonismo seja fortalecido e incentivado, aprimorando suas habilidades de liderança”, complementa.

Kevin Banach da DUX
Kevin Banach da DUX

O sócio-diretor da DUX Nutrition, Kevin Banach, enfatiza que o “Respiro” também proporciona insights valiosos para a comunicação interna, transformando problemas comuns em oportunidades de crescimento e melhoria para todos. “A comunicação interna tem papel vital nisso ao transformar a jornada diária em experiências positivas, especialmente em tempos de estresse”, resume Kevin.

Valorizar o que é bom

Quando o ambiente de trabalho é positivo, ele realmente faz a diferença na saúde dos funcionários. Segundo Rogério Louro, da Nissan, isso conta muito para o colaborador. Por isso, é preciso trabalhar continuamente para assegurar uma percepção positiva sobre a empresa. “A comunicação interna tem o papel fundamental de mostrar os avanços da empresa e destacar os atos cotidianos que demonstram que o ambiente é seguro, que o funcionário tem seu espaço e que existe a real preocupação em apoiá-lo. Porém, muitas vezes, não valorizamos o que vemos todos os dias e só notamos quando os outros falam a respeito”, pondera o diretor. Não é um trabalho fácil, mas a comunicação interna precisa encarar o desafio, dando visibilidade às narrativas de valor que reverberam pelo ecossistema. Tudo de forma transparente e engajadora. “Não é forçar algo que não é verdade, mas jogar luz no que é positivo”, finaliza o representante da Nissan.

Pequenos grãos de areia

A forma como a comunicação é conduzida nas empresas pode determinar se alguém se sentirá compreendido e apoiado ou, ao contrário, distante e desmotivado. Como bem explica a presidente do ISMA-BR (International Stress Management Association), Ana Maria Rossi, a comunicação, por ser a base das relações, pode gerar discordância e até distanciamento ao abordar o colaborador da forma errada. A empatia, nesse caso, pode parecer uma cobrança, mesmo que o objetivo seja compreender a causa do estresse. “Sem saber como falar, você afasta. É pior que o silêncio”, crava.

Por interagirem diretamente com os colaboradores, os gestores são, muitas vezes, os piores e melhores exemplos de como o diálogo pode inspirar sentimentos tão complexos e opostos como confiança e descontentamento. No papel de líder, o gestor assume a responsabilidade de personificar a empresa nas interações com os funcionários, como um modelo a ser seguido. Contudo, nem todos estão preparados para a missão de ouvir e demonstrar empatia, especialmente quando enfrentam seus estresses. “Os gestores querem que os funcionários se qualifiquem e controlem seu estresse, enquanto eles batem na mesa e gritam. Esse é o exemplo a ser seguido?”, questiona a psicóloga.

Discursos falsos, mesmo os mais cotidianos, são facilmente percebidos pelos funcionários e têm o poder de enfraquecer o clima organizacional. “Infelizmente, temos gestores que falam muito, mas que não têm nenhuma convicção daquilo que estão dizendo. A comunicação não verbal é também muito poderosa. E quando essa comunicação é interpretada como sendo falsa, ela termina desqualificando o gestor e também a empresa”, explica a doutora. Na Volvo Sueca, exemplifica, o futuro gestor é obrigado a fazer um curso de gerenciamento do estresse – e se ele não quiser, simplesmente não poderá fazer parte da empresa. “A verdade é que quanto mais ele se comunicar com sua equipe, melhor ele será como gestor.”

A comunicação interna é a chave para aliviar o estresse no trabalho
A comunicação interna é a chave para aliviar o estresse no trabalho. Foto: Reprodução/master130/Freepik

Acolhimento para todos

Ao apoiar a construção de um ambiente psicologicamente seguro, a comunicação interna cria condições para que as lideranças sejam igualmente acolhidas. Julia Mercadante, da DUX Nutrition, reforça que os gestores também precisam se sentir seguros, assim como os demais colaboradores. Dinâmicas de descompressão podem ajudar nisso. No entanto, como ela bem ressalta, para que essas ações repercutam de maneira positiva na saúde das equipes, é essencial que elas sejam incorporadas a programas contínuos de bem-estar e à própria estratégia de comunicação. “Cuidar da saúde mental dos líderes é indispensável para que o time também se sinta seguro em ser autêntico e vulnerável”, reflete.

O cuidado com a saúde mental das lideranças também é um dos focos da dobradinha “saúde e comunicação interna” na Danone Brasil. José Maciel Almeida Filho, gerente de Saúde da empresa, destaca que a missão é fazer com que o tema esteja cada vez mais presente nas conversas entre gestores e danoners. Por lá, as lideranças são incentivadas a praticar atividades físicas e a participar de dinâmicas de descompressão que os tiram da zona de conforto do escritório. “Eles movimentam o corpo por meio de desafios e ativações voltadas ao esporte, como a Danone Run, uma corrida organizada recentemente com os times das fábricas de Poços de Caldas”, finaliza.

Numa rede como a Leroy Merlin, a liderança é quem faz a conexão da empresa com o colaborador que está na linha de frente. Não à toa, faz-se necessário aperfeiçoar sua atuação e apoiá-los cada vez mais para que sejam capazes de identificar gatilhos de estresse e burnout. Entretanto, como bem explica a diretora de Impacto Positivo e Comunicação Corporativa da Leroy Merlin, Andressa Borba, todos os colaboradores podem contribuir para a construção de uma rede de acolhimento e escuta ativa. “Estimulamos essa prática por meio de nossas ações e comunicações internas, incentivando um olhar cuidadoso e atento entre todos”, completa.

O peso do estresse

Para se ter ideia do peso do estresse, o Brasil ocupa a segunda posição no ranking global de Síndrome de Burnout. Por aqui, cerca de 30% dos trabalhadores enfrentam essa condição, que inclusive é reconhecida como doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A informação é da International Stress Management Association, da qual a psicóloga Ana Maria faz parte.

Segundo ela, não são as grandes tragédias que causam o adoecimento físico e mental, mas o “desamarrar do sapato na hora errada” – citando um poema da revista norte-americana Time publicado em 1983. O estresse, explica a psicóloga, tem origem nos eventos cotidianos que geram sobressaltos. São como pequenos grãos de areia que aparentam ser inofensivos, mas, à medida que se acumulam, têm o potencial de corroer a saúde mental.

O tempo até que o colaborador manifeste algum sinal de exaustão, tanto física quanto mental, pode variar. No entanto, de acordo com a presidente do ISMA-BR, as consequências inevitavelmente irão se manifestar em algum momento. “O colaborador pode desenvolver inúmeros problemas se ficar ‘engolindo sapos’. Pode, eventualmente, ter pressão alta, úlceras e até AVC. E essa pessoa explode por nada, um nada que ninguém foi capaz de entender.”

Foto: Reprodução/Freepik

Portanto, internalizar os problemas não é uma opção. Para combater o estresse, o colaborador precisa estar disposto a se priorizar diante das várias situações que o colocam sob pressão, desde o bullying entre colegas até as metas que parecem inalcançáveis. Contudo, essa tarefa se torna ainda mais desafiadora se, dentro desse mesmo ambiente de trabalho, não houver um reconhecimento adequado aos esforços das pessoas. Um vazio que pode ser facilmente preenchido por sentimentos como frustração e apatia. “Ele tem uma opção: pode adoecer ou usar a sua criatividade para criar alternativas que gerem reconhecimento e bem-estar. É preciso se permitir a ter opções”, conclui a presidente do ISMA-BR, Ana Maria Rossi.


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