Inovação

Decisões aumentadas: como usar a inteligência artificial no RH para apoiar (e não substituir) gestores

Entre previsões, vieses e nuances, o desafio do RH é usar a IA para enxergar melhor, sem perder o que só o olhar humano consegue interpretar

de Priscila Perez em 21 de novembro de 2025
inteligência artificial no RH Do algoritmo ao diálogo, entender onde a IA ajuda e onde ela precisa parar é o caminho para decisões mais conscientes e verdadeiramente humanas

A rotina de qualquer gestor é feita de escolhas. Decidir como redistribuir responsabilidades ou quando intervir em um conflito exige leitura de contexto, atenção ao clima e sensibilidade para perceber o que não é dito. Nada é automático. E, justamente porque o trabalho humano é cheio dessas sutilezas, as empresas começaram a buscar ferramentas que ampliassem o olhar sobre as relações humanas. É nesse cenário que a inteligência artificial surge como apoio às lideranças, abastecendo o RH com dados capazes de prever tendências e antecipar problemas. Mas nem tudo que chega como resposta objetiva traduz a realidade. Previsão não é fato.

Foi exatamente essa confusão que moveu a trama de Minority Report, thriller de ficção científica de 2002 protagonizado por Tom Cruise, que apostava na ilusão de que antecipar o futuro era o bastante para compreendê-lo. No filme, a tecnologia entregava indícios de possíveis assassinos, mas ignorava o contexto de cada caso, o que transformava previsões em sentenças. É o mesmo risco que as empresas enfrentam, hoje, quando confundem volumes de informação com decisões supostamente mais assertivas “porque são baseadas em dados”.

IA apoia, não substitui

Na prática, as decisões só se tornam realmente estratégicas quando combinam a agilidade da tecnologia – capaz de identificar padrões e antecipar riscos em segundos – com a nossa humanidade. Por mais que a inteligência artificial apoie o RH na gestão de pessoas, quem interpreta, pondera e decide continua sendo o ser humano. É exatamente sobre esse equilíbrio que queremos falar: como usar a IA para apoiar, e não substituir, gestores.

Agora, pense por um instante. À medida que a IA acelera análises e antecipa cenários, cresce também a expectativa de que tudo receba uma resposta imediata. Mas, como bem sabemos, tudo tem seu tempo. E é justamente aí que surge um sério descompasso entre a velocidade da tecnologia e a complexidade humana. No cotidiano, isso ganha forma em prazos curtos, escolhas urgentes e uma pressão constante por resultados, como se a liderança fosse capaz de decidir no mesmo ritmo em que os dados chegam. Diante desse cenário, apostar tudo na IA pode parecer inevitável, mas será que a tecnologia realmente tem todas as respostas?

O fim da autonomia – ou o começo

Antes da inteligência artificial, o RH já precisava “colocar sua sensibilidade para jogo” para dar conta dessa complexidade. Hoje, porém, em vez de responder sozinhos, muitos gestores estão aprendendo a dividir o peso da análise com a tecnologia – e é nesse ponto que a leitura de Luiz Lobo, head de RH da Maitha, ajuda a reposicionar o debate. Embora tenha gente que ainda trate a IA como ameaça à autonomia, ignorar seu potencial seria um equívoco. Entusiasta declarado de tecnologia, Luiz enxerga a inteligência artificial não como risco ao RH, mas como aliada: uma ferramenta capaz de limpar ruídos, reduzir obstáculos e devolver clareza à atuação. “Costumo dizer que a IA é uma oportunidade de resgatar a essência da área, que é o olhar cuidadoso para as necessidades e expectativas de cada colaborador”, conta.

inteligência artificial no RH
Luiz Lobo,
da Maitha

Citando um estudo recente da Gartner, ele destaca que oito em cada dez líderes já usam IA em alguma etapa da decisão, mas poucos confiam plenamente nos resultados. Um problema que, para ele, é puramente cultural. Vivemos cercados de ferramentas digitais, mas ainda não aprendemos a lidar com elas no campo simbólico. O que se ganha, ou se perde, quando o algoritmo entra na equação? O que significa delegar parte da análise? É justamente por isso, diz Luiz, que cabe ao RH mostrar que a inteligência artificial não substitui o julgamento humano – ela o amplia. E os dados reforçam isso: estudos da McKinsey mostram ganhos reais de eficiência e engajamento em modelos de decisão aumentada.

Onde a IA enxerga o que o líder não vê

No cotidiano, Luiz descreve a IA como uma lente que revela nuances difíceis de identificar. Ela apoia decisões ao aumentar a precisão técnica em entrevistas, automatizar briefings, identificar gaps de performance e até estimar potencial de liderança com base em dados de comportamento. Com esse tipo de suporte, o gestor passa a enxergar possibilidades onde antes só via problemas, inovando em processos até corriqueiros, como seleção, acompanhamento e distribuição de tarefas. E, quando isso acontece, a experiência do colaborador também muda.

É nesse ponto que surgem os exemplos que ele chama de “miopia corporativa”: “a IA não possui sentimentos como empatia ou percepções como intuição, mas pode enxergar padrões que a gente não vê ou até mesmo negligencia”, afirma. Isso inclui desde profissionais de uma faixa etária que são menos promovidos até “clusters de exclusão invisíveis” ou talentos essenciais que simplesmente perderam visibilidade na organização. “Nesses casos, a IA brilha ao revelar coisas relevantes para empresa e líderes.”

Mas, ao mesmo tempo em que reconhece essa sofisticação, ele demarca a fronteira onde o algoritmo não entra: empatia, propósito, ética e contexto emocional. “A IA expande a visão do gestor, tornando-o mais estratégico, holístico e até mesmo aumentando prontidão para novos desafios na organização. Mas é o humano que dá propósito, valores, interpreta nuances e toma a decisão final”, afirma. A tecnologia pode indicar indícios de desmotivação, mas só uma conversa 1:1 revela se o problema é o cargo, a cultura ou algo da vida pessoal. Nas palavras de Luiz, “no fim do dia, o líder deixa de ser ‘chefe de pessoas’ e vira um profissional mais completo, com análise crítica mais robusta”. Não por acaso, estudos do MIT Sloan (2025) mostram que times que combinam IA e empatia reduziram turnover em 17%.

Tempo para engajar

Além do olhar ampliado, existe um valor silencioso – e, talvez, o mais escasso no mundo corporativo – que a IA devolve ao líder (e ao RH): tempo. Para Fernanda Mazzetto, superintendente de Pessoas & Cultura da Qualicorp, a tecnologia pode liberar o gestor da operação repetitiva e abrir espaço para o que realmente faz diferença: “cuidar das pessoas”. Em vez de mergulhar em pilhas de relatórios, faz muito mais sentido direcionar energia para ações que fortalecem a cultura e sustentam vínculos. “É esse tempo precioso que permite escuta ativa, reconhecimento de conquistas e orientação personalizada, criando um espaço onde cada colaborador se sente valorizado”, salienta. E nada disso cabe em dashboards, porque presença, atenção e cuidado continuam sendo tarefas irrenunciavelmente humanas.

É justamente nessa margem, onde a IA amplia sem substituir, que os bons exemplos ganham força. “A IA pode ajudar a identificar áreas com maior risco de esgotamento, mapear diferenças de engajamento entre gerações ou acompanhar indicadores de inclusão”, explica Fernanda. São alertas que ampliam a visão das lideranças e permitem agir antes que problemas se agravem. Ainda assim, ela reforça: “Diversidade, inclusão e saúde mental envolvem contextos muito particulares, e nenhuma ferramenta substitui o diálogo, a escuta ativa e o julgamento humano.” Na Qualicorp, ela conta que essa lógica orienta o uso da tecnologia sem abrir mão do #DNAQuali, pautado por ética, cuidado e desenvolvimento contínuo.

Sensibilidade é o que falta à máquina

Fernanda Mazzetto,
da Qualicorp

Além disso, com a inteligência artificial como aliada no RH, é possível tomar decisões mais justas, reduzindo vieses inconscientes com dados consistentes. Mas, mesmo com trilhas de desenvolvimento sugeridas por algoritmos, análises de engajamento e modelos de turnover cada vez mais precisos, há zonas que continuam intraduzíveis para as máquinas.

Segundo ela, ética, cultura organizacional e histórias individuais pertencem ao campo humano. “Nenhum algoritmo é capaz de compreender integralmente a história, os sentimentos e as motivações de cada pessoa. É nesse ponto que se estabelece a fronteira entre apoio e substituição”, afirma. Na verdade, a combinação entre tecnologia e sensibilidade é o que torna a decisão mais completa.

Decisões pedem empatia, contexto e toque humano

No momento final do processo decisório, quando os dados deixam de explicar a realidade e o cenário exige interpretação, é o gestor quem precisa entrar em campo com sua própria expertise. Para Eliana Vieira, vice-presidente de RH da Hapvida, é justamente nesse ponto que começa aquilo que ela chama de “acabativa”, a etapa em que a sensibilidade entra onde o algoritmo não chega. É ali, nas decisões que pedem empatia, contexto e leitura humana, que o julgamento do líder faz toda a diferença. “Na Hapvida, temos a compreensão de que a tecnologia é uma facilitadora, mas nos processos mais críticos, o toque humano é insubstituível”, reflete.

Na prática, isso significa usar a IA para acelerar o que pode ser acelerado, como etapas de atração, triagem e resposta aos candidatos, sem abrir mão da presença humana nos pontos que realmente moldam a experiência das pessoas. “Quando utilizamos IA para agilizar o processo de atração de talentos, conseguimos reduzir etapas operacionais e responder mais rapidamente aos candidatos”, afirma. Em um ambiente hospitalar, onde tempo e acolhimento caminham lado a lado, essa agilidade também significa respeito às pessoas.

Experiência melhorada

A mesma lógica vale para o uso de chatbots de RH, que agilizam aqueles processos mais protocolares e repetitivos. “Ao implementarmos chatbots para responder dúvidas, estamos democratizando o acesso à informação, dando autonomia e promovendo uma experiência mais fluida e inclusiva”, reforça. Entretanto, para Eliana, a discussão vai além da eficiência. Ela propõe olhar não apenas para o ROI (Retorno sobre o Investimento), mas para a experiência em si. Ou seja: é preciso avaliar onde a tecnologia realmente melhora a jornada e onde ela precisa parar para que o humano assuma.

Segundo, ela, quando utilizada com propósito, a IA provoca o oposto da desumanização: ela amplia nossa capacidade de cuidar, estar presentes e decidir com consciência. “Estamos falando de uma aliada estratégica, que nos ajuda a enxergar melhor, decidir melhor e, acima de tudo, cuidar melhor das pessoas”, finaliza.

inteligência artificial no RH
Eliana Vieira ,
da Hapvida

Entre dados, vieses e o que ainda precisa ser visto

Diante de tudo isso, uma última pergunta parece inevitável: como confiar em recomendações produzidas por mecanismos que não mostram o caminho até a resposta? A mesma IA que acelera análises, organiza informações e antecipa cenários também pode esconder vieses e reforçar padrões discriminatórios, operando por lógicas pouco visíveis ao gestor. É justamente nesse terreno que governança, transparência e letramento deixam de ser protocolos técnicos e tornam-se condições básicas para o uso responsável da inteligência artificial no RH.

Para Luiz Lobo, o debate começa bem antes do algoritmo: começa na ética. Ele afirma que governança não é acessório, mas parte da infraestrutura. “Toda empresa que quer usar IA precisa de comitês multidisciplinares formados por RH, jurídico, tecnologia e até participações extraordinárias de representantes dos times conforme o tema em foco”, analisa. Na prática, são esses grupos que ficam responsáveis por revisar premissas, critérios de decisão, dados usados e potenciais vieses.

“Não existe IA madura sem líderes maduros”

Ao trazer referências como o EU AI Act e os princípios da OCDE, ele reforça que não existe uso seguro de IA sem uma arquitetura clara de responsabilidade. Isso implica compreender como a tecnologia raciocina, o que ela prioriza, o que descarta e que tipo de viés pode carregar. Por isso, ferramentas de explainable AI tornam-se indispensáveis para os gestores ao relevar o caminho até a resposta. “O gestor passa confiar no dado da mesma forma que confia em um relatório financeiro: com clareza, controles, limitações e rastreabilidade.”

Mas governança não se sustenta sem letramento, um dos fundamentos mais fundamentais e que muitas empresas ignoraram. A bem da verdade, não existe IA madura sem líderes maduros “Tudo sempre começa no arroz com feijão bem-feito”, diz. Para ele, alfabetizar líderes é o primeiro passo para que passem a perguntar melhor. O ponto principal, afirma, é entender que “o dado é um norteador e não um destino final”. Usar IA de forma madura é saber quando confiar e quando duvidar. “IA sem pensamento crítico por trás é só um PowerPoint sem graça.”

Quando os dados ganham contexto e sensibilidade, a tecnologia deixa de disputar espaço com o humano e passa a ampliar a capacidade real de decidir

Maturidade digital

Essa mesma lógica orienta a visão de Fernanda Mazzetto, da Qualicorp, que coloca confiança e transparência como pilares inseparáveis quando se trata de inteligência artificial no RH. “Os gestores precisam entender claramente quais dados estão sendo usados, de onde vêm e quais fatores influenciam as recomendações da IA”, reflete. E esse entendimento, segundo ela, não é um mero detalhe técnico, mas condição de segurança. Como os modelos aprendem e evoluem, é preciso monitorá-los de perto e continuamente, evitando que ajustes silenciosos distorçam a realidade ao longo do tempo.

Fernanda reforça que proteger dados, garantir finalidades legítimas e assegurar consentimento fazem parte da mesma ética do cuidado que sustenta o #DNAQuali. E é por isso que investir em educação digital vai muito além de ensinar alguém a operar ferramentas: significa formar líderes com “uma mentalidade analítica, crítica e ética”, capazes de interpretar insights, questionar desvios e usar a tecnologia sem abrir mão da humanidade.

Essa mesma maturidade aparece na leitura de Eliana Vieira, da Hapvida, que vê o equilíbrio entre humano e máquina como resultado de escolhas conscientes, e não de automatismos. Para ela, o uso responsável da IA começa por um foco duplo e inegociável: “investir onde a IA ajuda a resolver questões críticas e, ao mesmo tempo, onde ela melhora efetivamente a jornada das pessoas”. Governança, portanto, não é apenas limitar o algoritmo, mas garantir que ele opere a favor da experiência humana, sem diluí-la ou torná-la acessória. Para ela, o papel da tecnologia é liberar o que há de mais insubstituível no trabalho: a sensibilidade. “A tecnologia mais poderosa continua sendo aquela que nos permite ser mais humanos”, finaliza.


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