Gestão

É de casa, mas não caseiro

de Karin Hetschko em 4 de abril de 2013
Adriano Vizoni

Em apenas três anos, o equivalente a uma China vai trabalhar usando tecnologias móveis. A expectativa, que envolve 1,3 bilhão de pessoas (37,2% da força de trabalho mundial), é da consultoria em tecnologia IDC e mostra como o home office vai ganhando espaço na vida das empresas e de seus colaboradores. A lógica é simples: quanto maior é o acesso à tecnologia móvel, mais distantes ficamos dos modelos convencionais de escritório. “Sem dúvida, com o boom tecnológico que vivemos, a tendência é que o número de profissionais atuando a distância seja maior”, analisa Adriana Vianna, gerente da área de expertise Hays Sales & Marketing. Ela conta que uma pesquisa recente da ONG americana World Data Work revela que 84% da população nos EUA trabalha de forma remota pelo menos uma vez por semana.

Reter talentos
Outro estudo, este elaborado pela Hays Recruiting experts worldwide, mostra que mundialmente já são 31,2% das empresas que adotam o sistema home office. Dentre as principais razões para isso está a preocupação em garantir a retenção de talentos e oferecer melhor qualidade de vida aos funcionários (72,7% das respostas). Na sequência, estão soluções para limitação física (60,3%) e pelo alcance de metas de sustentabilidade (19,8%). O Brasil ainda não aderiu totalmente à moda, mas as empresas que decidiram investir nessa ideia não se arrependem. É o caso da Ticket, que tem hoje 100% de sua área de vendas trabalhando no sistema home office. A companhia contabiliza a racionalização de recursos, o aumento da proximidade aos clientes e a competitividade perante os concorrentes. “Em números, isso representa uma economia de 3,5 milhões de reais em custos fixos, crescimento de 40% no volume de vendas novas e incremento de 70% na receita vinda dessas vendas”, calcula Edna Bedani, diretora de RH & Responsabilidade Social da Ticket.

E não é só a empresa que ganha com isso. A proposta beneficia também o colaborador. Christiano Corbalon, executivo de negócios da Ticket, por exemplo, relata ganhos pessoais e profissionais com o fato de ter seu escritório a poucos passos de seu ambiente de lazer. “Ganhei mais qualidade de vida. Hoje, não tenho mais de ir para o escritório entre uma reunião e outra. Antes, quando a reunião era no final da tarde na região de Santana [bairro de São Paulo, localizado na zona norte da cidade], onde eu morava, tinha de ir até o escritório da Ticket na zona sul. Essa era a pior situação, eu queria morrer”, brinca o executivo. Ele também cita a flexibilidade na agenda de compromissos e um ambiente sem muitos ruídos como pontos positivos desse sistema. “O bom do home office é que quando o trabalho é mais delicado, há como você se concentrar nele sem qualquer distúrbio”, conta.

A proposta de home office surgiu na Ticket a partir do seguinte dilema: como aumentar a atuação geográfica da empresa com a devida ponderação de investimentos para a abertura de novos escritórios? Aliás, os custos envolvidos no processo de expansão são o principal motivo para as empresas optarem pelo modelo do trabalho a distância. “Esse modelo proporciona à companhia estar presente em diversos locais sem a necessidade de instalar uma estrutura física, que a onera muito”, afirma Adriana, da Hays.

Escritório completo
E essa foi a conclusão a que a Ticket chegou. Foram quatro anos de estudos de mercado, estruturação e planejamento até o início da implantação do sistema, em março de 2005, quando as filiais começaram a ser destituídas gradativamente. Hoje, toda a força comercial, cerca de 150 profissionais, possui o escritório remoto. Com exceção do espaço, que fica sediado na casa do executivo de vendas, toda a infraestrutura para a criação e manutenção desses ambientes é cedida pela Ticket. “Em cada residência há um escritório completo, com todas as ferramentas que os profissionais precisam para desempenhar com excelência o trabalho. Também arcamos com as despesas decorrentes: água, luz, internet etc.”, explica Edna. Ademais, a companhia também possui uma equipe em São Paulo, direcionada, especificamente, para apoiar esses profissionais nas funções administrativas.

Fiquei sem colegas de trabalho, e agora?
Uma das principais queixas dos profissionais que têm o escritório em casa é a falta de convivência social . Em muitos casos, eles passam horas em frente ao computador e a única interação com amigos e colegas é virtual. “O envolvimento com as pessoas no almoço ou café, usar uma roupa diferente de bermuda e camiseta regata, e ser visto. Tudo isso, por incrível que pareça, faz falta”, revela Adriano Tanon, consultor de SAP que já atuou em empresas como Accenture e Complex. Ele, que só conhecia o chefe pela foto no Facebook, conta que evita ficar mais de duas semanas sem aparecer no escritório. Certa vez, ficou um mês longe. Após a experiência, deu um basta no isolamento social. “Apareço um dia a cada duas semanas, pelo menos, para o pessoal lembrar que eu existo.” O caso do executivo da Ticket não é tão grave. Contudo, o afastamento dos colegas de trabalho também foi difícil no início. Para resolver o problema, o grupo dele decidiu que, além das reuniões formais agendadas pelos gerentes regionais de venda, eles também marcariam almoços e happy hours para debater assuntos do mundo corporativo, trocar experiências e, claro, falar de temas corriqueiros que tratavam na época da pausa do café. “Cinco minutos antes de iniciarmos essa entrevista [com a revista Melhor RH], mandei um e-mail convidando os colegas para um almoço na próxima sexta”, conta.


E se de um lado temos esses profissionais que não conseguem trabalhar remotamente, do outro temos os que só conseguem atuar dessa maneira. O programador e webdesigner Andrey Hurpia da Rocha integra esse grupo. Há mais de uma década programando sistemas de casa, ou de qualquer lugar com conexão com internet, ele praticamente não teve a experiência de compartilhar um ambiente de trabalho tradicional. “Já trabalhei duas vezes em escritório, mas não me acostumei muito com a ideia. Tinha de pegar ônibus, metrô; não era muito normal para mim.”
Mas será que todos os profissionais aguentam dias ou semanas sem ver os colegas de trabalho, ou sem ouvir os pitacos do chefe cobrando resultado todos os dias? Em outras palavras, qualquer um pode trabalhar de casa? Não é o que sugerem os especialistas. Para a recrutadora da Hays, existem perfis que se adaptam ao trabalho remoto, outros não. “O workaholic, por exemplo, vai trabalhar muito mais do que se estivesse na empresa. E o nível de estresse, provavelmente, aumentará porque ele não vai desligar”, explica. Outro perfil que também não se adaptaria é o acomodado, aquele que acaba perdendo o foco no trabalho e geralmente tem necessidade de interagir com outras pessoas e ter sempre o chefe ao lado. “Quem quer trabalhar nesse sistema tem de ter autonomia e gestão de tempo”, sugere Adriana.

Estar disponível
Como trabalha remotamente, Rocha decidiu investir na qualidade de vida. Deslocou seu “home” e também seu “office” da cidade de São Paulo para Florianópolis (SC). Assim, pode aproveitar a praia vazia numa segunda-feira e programar os sites de clientes aos finais de semana. “Não tenho de exatamente trabalhar em horário comercial, mas preciso estar disponível para os meus clientes nesse horário, porque às vezes os trabalhos são no mesmo dia”, garante. Ele explica que prefere atuar de casa, mas não nega a hipótese de ter de responder um e-mail ou fazer um job rápido de qualquer lugar. “Na praia, ou em outro lugar, você responde um e-mail ou faz coisas mais pontuais. No entanto, quando tenho de programar, produzir alguma coisa mais complicada, daí uma mesa é mais adequada por ter uma posição mais confortável.” Para tanto, o programador anda sempre prevenido com notebooks, smartphones e distintas conexões de internet.

Se ao ler essa história você imagina que a vida do programador é composta apenas por momentos tranquilos, bem, não é exatamente isso o que ele narra. Para responder a essa questão ele produziu um álbum no seu perfil do Facebook no qual mostra diversas situações supostamente de descontração em que ele teve de deixar a diversão para um segundo momento para atender seus clientes.

Apertando o off
Como se desligar do mundo corporativo permanecendo no escritório após o expediente? Esse é um problema com que todos que atuam remotamente se deparam num primeiro momento. “No começo, foi difícil desligar, mas agora, depois de tanto tempo [5 anos], sei que às 18 horas é hora de fechar o meu escritório. E os próprios clientes também acabam me ligando só em horário comercial”, conta Corbalon, da Ticket. E não é só o fato de ter o escritório em casa que leva os profissionais a trabalhar além do limite. As novas tecnologias também jogam a favor desse game. “Com os novos smartphones, a gente acaba instalando ferramentas para ficar 24 horas on-line. Lemos e-mail nas férias, respondemos dúvidas [de clientes] e ficamos on-line aos finais de semana”, explica o consultor Adriano Tanon.

No caso do publicitário Marcelo Gavine, que durante três anos atuou remotamente como roteirista para diversas produtoras, as ferramentas de trabalho viraram um vício indispensável até nos dias de lazer. “Peguei uma mania de levar computador para todos os lugares, mesmo sem necessidade. Perdi um pouco a noção”, diz. Ele conta que no começo acabava trabalhando até de madrugada. Depois, adotou a tática de desligar o computador e não atender ligações após as 23 horas. “Só atendia quando o caso era realmente urgente”. Apesar de ter ficado até tarde trabalhando na época em que atuava a distância, o publicitário revela sua mea culpa e dá uma dica aos que querem fazer home office: “Não protelat as coisas. O meu principal problema é começá-las; depois que começo vai embora”, finaliza.


Respeito ao escritório (do lar)
A engenheira de software da IBM Letícia Lima ganhou quatro horas do dia com a opção de trabalhar em casa. Apesar de ter detectado problemas no início de sua atuação remota, hoje ela não se arrepende da opção. “O home office, para mim, é algo totalmente positivo. Hoje, que estou acostumada com o fato de trabalhar de casa, tudo é muito simples, é como se eu realmente estivesse no escritório”, diz. No entanto, ela aconselha alguns passos aos que optarem por esse modelo. Um deles é estabelecer uma rotina saudável de trabalho para não trabalhar demais nem de menos. “Hora de almoço eu só mudo se houver alguma reunião ou atividade que não possa ser interrompida, senão procuro fazer a pausa sempre no mesmo horário.” Com essa disciplina, ela resolveu dedicar o tempo extra para estudar, fazer academia, ter um pouco mais de lazer.

A engenheira ainda afirma que a família também deve se acostumar à situação. Ela conta que a porta do seu escritório, em casa, fica sempre fechada e os ruídos do local tiveram de ser diminuídos. “Eles [família] só aparecem no meu escritório quando realmente necessário, assim é mais difícil de perder a concentração.” Letícia sabe que nem todos se adaptam a essas regras. Para esses, a dica é assumir que não conseguem fazer home office. “Se você não produz legal, não adianta forçar, o importante é se sentir bem para poder produzir bem.”

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