Anúncio do Banco do BRICS foi destaque na mídia mundia, mas resultados econômicos da maioria dos membros ainda são tímido / Crédito: Reuters |
Dois dias após a realização da Copa do Mundo no Brasil, o país voltaria a ser manchete internacional. Os tropeços da Seleção Brasileira seriam ofuscados por algo que a revista Time chamou de “demonstração de como a ordem da política mundial está mudando”. Os dirigentes dos BRICS, bloco formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, reunidos em Fortaleza (CE), anunciaram a criação do Novo Banco de Desenvolvimento.
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O fato foi tratado por muitos jornais internacionais como o grande acontecimento de ordem político-econômica mundial após o acordo de Bretton Woods — encontro promovido, em julho de 1944, que ditou as regras para as relações comerciais e financeiras entre os países mais industrializados do mundo. Apesar de todos os holofotes para o anúncio e suas consequências, nota-se que este é o primeiro de muitos passos para que economias em desenvolvimento, em especial o Brasil, ganhem fôlego para competir com as grandes potências mundiais.
Um indício que confirma esta afirmação é a constante perda de posições do Brasil (e de outros membros do BRICS) no ranking mundial de competitividade. Segundo a pesquisa sobre o Índice de Competitividade Mundial 2014 divulgada pelo International Institute for Management Development (IMD) e pela Fundação Dom Cabral, a maioria dos grandes mercados emergentes deslizou no ranking devido ao lento crescimento econômico apoiado no baixo investimento estrangeiro e infraestrutura inadequada.
O estudo aponta que o Brasil caiu três posições em relação a 2013, ocupando o 54º lugar no ranking geral composto por 60 países. O Brasil está à frente apenas de Eslovênia, Bulgária, Grécia, Argentina, Croácia e Venezuela – a última colocada. A China (23º), que sediará o Novo Banco de Desenvolvimento, também caiu duas posições, em parte, devido a preocupações sobre seu ambiente de negócios, enquanto a Índia (44º) e Brasil (54º) sofrem com mercados de trabalho ineficientes e ineficazes na gestão de negócios, aponta o estudo.
Estão no topo da lista das economias mais competitivas do mundo os Estados Unidos, Suíça e Cingapura. “Um olhar geral sobre o panorama de competitividade em 2014 aponta o sucesso contínuo dos Estados Unidos, uma recuperação parcial na Europa e desafios para alguns dos grandes mercados emergentes”, analisa brevemente o estudo do professor Arturo Bris, diretor do Centro de Competitividade do IMD.
16 posições perdidas em 4 anos
Este é o quarto ano consecutivo em que o Brasil cai no ranking: em 2010, ocupava o 38º lugar. No ano seguinte caiu para a 44ª posição e, em 2012, desceu à 46ª colocação. Na edição 2013, o Brasil caiu cinco posições, para o 51º lugar, e em 2014 desceu mais três posições, no 54º lugar. “Esses números indicam que a perda de competitividade do Brasil neste ano não é apenas relativa, mas também absoluta, e que a distância do país em relação ao líder vem crescendo com o tempo”, destaca o professor da Fundação Dom Cabral, Carlos Arruda, responsável pela coleta e análise dos dados do ranking relacionados ao Brasil.
Em parte, de acordo com o estudo, esse declínio pode ser explicado pelo ambiente econômico instável no Brasil. Ele indica que a competitividade da economia do país está sendo impactada pelo aumento significativo de preços e pela baixa participação do Brasil no comércio internacional. “É fruto do declínio das exportações para mercados tradicionais como Argentina, União Europeia e Estados Unidos, e do aumento das importações de produtos industriais provenientes principalmente da China e de outros países asiáticos”, avalia Carlos Arruda.
Curiosamente, apesar do ambiente econômico hostil, há fatores que jogam a favor do Brasil: o tamanho da economia doméstica (7ª posição no indicador Consumo das Famílias), a atração de investimentos diretos (7ª posição) e o crescimento do nível de empregos (6ª posição).
Para Rodrigo Anunciato, gerente de soluções e projetos de Gestão & Talentos, da consultoria GS&MD – Gouvêa de Souza, o crescimento do nível de empregos do Brasil pode ser, em parte, reflexo da criação de novos empregos formais no setor de serviços e agropecuária. “Principalmente por questões sazonais”, indica o executivo. Uma delas foi exatamente a Copa do Mundo, que gerou empregos extras no setor de serviços.
Na indústria, o movimento de geração de empregos também não foi nada desolador. Como indica Rodrigo Anunciato, durante os últimos anos, marcas internacionais têm procurado o Brasil para deixar suas pegadas no maior mercado da América Latina. “Esse movimento faz com que a concorrência seja ainda mais acirrada devido à oferta de serviços, obrigando as empresas a investirem mais em seu quadro de funcionários para conseguirem se manter competitivas”, destaca.
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Arruda, da FDC: a perda de competitividade no Basil é absoluta / Crédito: Divulgação |
Eficiência do governo
Nesse cenário, de novos investimentos e competição de mercado se tornando mais acirrada, a eficiência do governo se apresenta como barreira para o crescimento da economia nacional. Do ponto de vista do ambiente institucional e regulatório, o governo brasileiro é historicamente o ponto mais crítico da competitividade do país. Desde 2011, o Brasil está entre os cinco piores países neste quesito. Sem apresentar nenhum sinal de simplificação nas legislações trabalhistas e no sistema regulatório, o país está entre os piores ambientes para se fazer negócios no mundo, com alta carga tributária direta e indireta, taxas de juros de curto e longo prazos que desestimulam o investimento na produção e no crescimento das empresas.
“Em média, um empregado formal custa para uma empresa o dobro de seu salário. Esse fato por si só que reflete o quanto a questão tributária é um ofensor para as contratações”, ressalta Anunciato. O executivo ainda alerta que, em alguns segmentos e regiões do país, um processo de contratação completo pode demorar até 60 dias para ser concluído.
Na tentativa de destravar esse sistema, gerando um saldo positivo para o país, foi criado o chamado eSocial. Trata-se de um projeto de escrituração em meio digital das informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais relativas a todos os empregados, empregadores, contribuintes individuais e serviços tercerizados ocorridos em uma companhia. A iniciativa foi capitaneada pelo governo com a ajuda de um grupo de empresários brasileiros, “O simples fato de ser uma iniciativa que envolve órgãos como a Receita Federal, o Ministério do Trabalho, o INSS e a Caixa Econômica Federal, com a premissa de consolidar as obrigações acessórias da área trabalhista em uma única entrega, podem ser considerados como uma alternativa à redução de boa parte do entrave burocrático para as questões formais.” Mas o executivo alerta que ainda é cedo para afirmar que tal ação seja realmente consolidada no país. A previsão inicial era de que o projeto fosse concluído, com todas as empresas desde multinacionais até microempreendedores incluídos na base de dados, até o fim deste ano, porém, prorrogações de prazos já evidenciam que isso não ocorrerá.
Produtividade
A produtividade no Brasil também vai mal. E pouco foi feito nos últimos anos para melhorar esse indicador. Mantendo uma sequência que se iniciou em 2011, quando em todos os indicadores de produtividade o Brasil demonstrava não estar apto a sustentar crescimentos produtivos no longo prazo, em 2014 o país desceu à posição 59ª no subfator Produtividade, à frente apenas da Venezuela. Em nenhuma das 11 variáveis que compõem este subfator o Brasil apresentou avanços de 2013 para 2014. Na variável Produtividade Total, ajustada ao padrão de compras do país, o Brasil ficou na posição 53ª, registrando crescimento negativo de -2,32% quando comparado a 2013.
Diferentemente dos últimos anos, em que os demais subfatores de competitividade relacionados à atividade empresarial sustentavam condições competitivas, em 2014 todos os subfatores e a maioria das variáveis relacionadas indicam perda de competitividade e de otimismo. “Este ‘desânimo competitivo’ que agora acomete o Brasil já foi observado neste relatório em outros países como Argentina, África do Sul e Turquia que, após alguns anos de queda de performance econômica e de eficiência de governo, perderam a sua capacidade de agir proativamente, iniciando um ciclo vicioso de pessimismo empresarial e perda de competitividade geral”, pontua Carlos Arruda, da Fundação Dom Cabral.
Anunciato, da GS&MD – Gouvêa de Souza: mercado mais concorrido / Crédito: Divulgação |
Globalização
Para Anunciato, Anunciato, da GS&MD – Gouvêa de Souza, ainda hoje, nossa qualidade de mão de obra reflete o período anterior à globalização. À época, as altas taxas de produtos importados (ainda mais elevadas que as atuais) barravam o poder de compra dos brasileiros a esses produtos. Um cenário favorável para a indústria nacional, que passou anos sem investir em inovação, tecnologia ou qualificação de seus colaboradores. “Com a globalização, a concorrência no cenário nacional tornou-se uma realidade. Inclusive com produtos importados encontrados a preços equivalentes ou mesmo inferiores aos brasileiros”, observa.
Para ele, mesmo com o grande investimento das empresas nacionais, esse atraso no processo de qualidade da industria nacional ainda nos deixa para trás em vários aspectos e isso se reflete em nosso poder de competitividade frente às demais economias.
Este é mais um dos pontos fracos da economia brasileira. Os resultados de 2014 se caracterizam por indicadores críticos principalmente em infraestrutura básica, tecnológica e na educação. O país ocupa as últimas posições em praticamente todos os indicadores de percepção da qualidade da mão de obra e da educação técnica e fundamental. Indicadores como o PISA teste, que avalia a proficiência de jovens de 15 anos em leitura, matemática e ciências (49ª posição), avaliações de línguas estrangeiras, como o Toefel (46ª posição), e o indicador de matrículas em cursos secundários, com pouco mais de 80% da população em idade escolar matriculada nas escolas, reiteram a condição defasada e ineficiente da educação no Brasil.
No último lugar dos indicadores de opinião sobre a qualidade da infraestrutura rodoviária e logística, o relatório demonstra a preocupação da comunidade empresarial com a oferta futura de energia (54ª posição) e com a gestão das cidades brasileiras como plataformas locais para o desenvolvimento da competitividade e das atividades empresariais (58ª posição no item Qualidade de Gestão das Cidades).
“É importante ressaltar que o país ainda mantém um percentual significativo do PIB investido em educação e saúde, o que é um resultado positivo, pois mostra que há interesse e atitudes voltadas para a melhoria destes dois fatores. Porém, diante dos resultados negativos do país nesses pilares, é preciso refletir se tais gastos estão realmente sendo feitos da forma eficiente e em que medida as ações estão corretamente direcionadas”, comenta Arruda.