Saúde

Empresas apostam na conscientização de colaboradores que não têm intenção de se vacinar

Se vacinar ou não, não é questão de opinião e medidas jurídicas são cabíveis para garantir a saúde de todos

de Paolla Yoshie em 16 de setembro de 2021
Crédito Sezeryadigar/ Getty Images Signature

A importância e necessidade da vacinação contra a Covid-19 é uma questão indiscutível. Os dados científicos sobre o tema já são extensos, assim como as comprovações na prática. Com mais de 164 milhões de doses aplicadas no país, infelizmente a vacina ainda não é uma unanimidade no Brasil. Alguns fatores contribuíram para esse cenário, sendo a principal a disseminação de fake news. Informações falsas e teorias conspiratórias contra os imunizantes seguem ocorrendo no mundo inteiro e encontraram campo fértil em solo brasileiro. 

Dentro das empresas, a resistência à vacinação de alguns colaboradores tem provocado grande reflexão por parte dos gestores de RH. Enquanto isso, recentemente o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo validou a demissão por justa causa de uma funcionária que se recusou a tomar a vacina. No entanto, a controvérsia segue devido a falta de legislação específica sobre o tema.

Avaliação interna

De olho nesse cenário, a ENGIE realiza pesquisas internas mensalmente para consultar os colaboradores sobre assuntos relacionados à saúde, expectativas e preocupações com relação ao contexto da pandemia. “Na edição de março da pesquisa perguntamos sobre a vacinação e menos de 1,5% dos respondentes informaram que não pretendem se imunizar”, afirma Simone Barbieri, diretora de Pessoas e Cultura da ENGIE Brasil.

Embora o percentual de colaboradores resistentes à imunização seja muito pequeno, a ENGIE ainda assim tem realizado campanhas incentivando a vacinação.“Enquanto existir risco de contaminação pela Covid-19, os colaboradores que decidirem não se vacinar serão orientados a permanecer trabalhando a distância. Em situações em que não seja possível adotar o regime de teletrabalho, a empresa buscará alternativas para readaptação das atividades, se possível”, afirma Simone. 

Na ADM, as pesquisas internas mostram que os ­colaboradores estão dispostos a se vacinar até o momento. Assim como os que ainda não foram vacinados não apresentam nenhum tipo de resistência ­–  muito pelo contrário. “Eles se mostram muito felizes com a vacinação. Acreditamos que isso também é fruto das campanhas internas de conscientização sobre a gravidade da Covid-19, a importância da vacina e dos protocolos de prevenção”, diz

Ana Apolaro, vice-presidente de RH da ADM. A multinacional do agronegócio, presente em 200 países, no Brasil possui cerca de 6,4 mil colaboradores, sendo que cerca de 70% do quadro de funcionários está em fábricas e 30% nas áreas administrativa e comercial. 

Vacinômetro

A iniciativa da empresa em criar um “vacinômetro” foi uma maneira de garantir maior segurança aos colaboradores e também que eles tenham o conhecimento sobre o cronograma de vacinação das suas regiões. “A cada dia de avanço da aplicação das vacinas com os grupos prioritários, seguimos coletando os dados individuais de cada colaborador e, hoje, vemos a importância desta ação”, afirma Ana Apolaro.

Segundo a executiva, os líderes sempre acompanham a evolução da vacinação da equipe e os status das cidades e do país. “Nossos valores de saúde e segurança do trabalho seguem como prioridade e se expandem em ações de comunicação e de recursos humanos para que os colaboradores fiquem sempre informados e atualizados sobre a importância das medidas de prevenção contra a Covid-19 e os benefícios da vacinação”, explica.

“Com os números em mãos, também teremos mais subsídio para avaliar a possibilidade do retorno às atividades nos escritórios administrativos e de que forma isso irá acontecer”, acrescenta Ana. Segundo os dados levantados pelo vacinômetro da ADM, cerca de 33% dos colaboradores estão vacinados com a primeira dose e 3% totalmente imunizados (até o fechamento desta matéria). 

Internamente, a Accor também realizou uma pesquisa com os colaboradores e descobriu que a maioria está disposta a receber a vacina. Cerca de 90% estavam decididos a se vacinar assim que o imunizante estivesse disponível em sua faixa etária ou região, constatou Fernando Viriato, VP de Talento e Cultura da AccorHotels América do Sul. Segundo Viriato, 90% ainda não é um índice tão satisfatório, mas é superior à média das pesquisas feitas por alguns países da região. “No Brasil a gente acredita que entre 15% a 20% das pessoas não se vacinem.”

Obrigatoriedade

A discussão sobre a obrigatoriedade da vacinação vai além do RH e posicionamento das empresas. Ela atinge principalmente o âmbito jurídico. A advogada Fernanda Garcia, especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Empresarial do Trabalho, explica que, na ausência de leis, um colaborador não poderia se negar a participar da campanha de imunização. “Salvo em situações excepcionais e justificadas”, afirma.

“Não poderia o empregado se opor ao dever de vacinação, sob pena de caracterização de ato faltoso e possibilidade de aplicação de sanções trabalhistas, devendo, contudo, ser observada a gradação da pena em tal caso, sendo a justa causa a última hipótese”, detalha Fernanda. A advogada ainda afirma que “o direito à saúde poderia eventualmente embasar a obrigatoriedade de vacinação”.

Segundo Fernanda, a empresa deve adotar ou manter a adoção das medidas que garantam a proteção à saúde dos funcionários, tais como o uso de máscara, distanciamento, disponibilização em álcool gel e cumprimento de todos os protocolos relativos ao combate da Covid-19. “Todas essas medidas são fundamentais para garantir um meio ambiente seguro e saudável aos empregados, mitigando o risco de contágio, nos termos da Lei nº 13.979/2020, mesmo que os trabalhadores já tenham sido vacinados”, reforça.

Alternativas

No caso de contratação de novos colaboradores, a empresa pode colocar a obrigatoriedade da vacinação, exceto nos casos em que o trabalho for realizado de forma remota. Para quem não pode tomar a vacina por questões de saúde, a empresa poderá oferecer alternativas, tais como o labor em home office. Com tantas discussões em relação à obrigatoriedade ou não da vacinação, muitas empresas acabaram adotando medidas necessárias para sanar essa questão. Segundo Viriato, da Accor, a gestão chegou à conclusão de que não há como obrigar funcionários a tomar a vacina. “Não há como exigir a entrega do comprovante e demitir quem não tenha sido vacinado. A linha que a gente adotou é de fazer uma campanha positiva em relação a vacinação.” 

Da mesma forma se posicionou a ADM. “A vacinação é um compromisso coletivo e a imunização em larga escala contribui para a redução da taxa de contágio, menos internações e consequentemente menos mortes. Por esse motivo é nossa responsabilidade informar e conscientizar com dados científicos e fidedignos para que as pessoas tomem boas decisões”, ressaltou
Ana Apolaro. 

Simone, da ENGIE, afirma que a empresa também se posiciona favorável à vacinação e foca as campanhas de incentivo, sem impor a obrigatoriedade. “A vacinação é uma medida de proteção coletiva e a ENGIE tem o dever de garantir um ambiente de trabalho seguro a todos”, diz.

No caso da empresa, eles realizam campanhas de esclarecimento através de comunicados internos, uma página na Intranet dedicada ao tema e webinars. “Na última oportunidade, recebemos a pesquisadora Margareth Dalcolmo da Fiocruz, que compartilhou as informações relevantes sobre as vacinas disponíveis. Contamos com a participação de 544 colaboradores e mais de 88 perguntas foram encaminhadas durante o evento”, conta Simone. 

Servir de exemplo

Com o intuito de melhorar a comunicação voltada para a vacinação, a Accor decidiu reforçar as ações nas atividades hoteleiras onde o índice de propensão à vacinação não fosse tão alto. 

“Criamos cartazes, divulgamos materiais do sistema público, além de conversas com as lideranças. No Brasil foi mais difícil, porque o governo demorou, mas nos outros países tínhamos conteúdo e nós trabalhamos esse material com a nossa equipe.” Já as ações para a promoção da vacinação na Accor começaram com a definição de posicionamento de todas as lideranças, que devem servir de modelo para o restante dos times. “Se eu sou uma das principais lideranças da região, não existe a possibilidade de eu ir a um hotel ou fazer uma live e não falar positivamente da importância de se vacinar”, afirma Viriato.

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