Pesquisa realizada pela Serasa Experian para entender o perfil das mulheres brasileiras que atuam na área de Tecnologia da Informação revelou que apenas 0,07% de uma base de 93,3 mulheres – 69,8 mil profissionais – trabalha no segmento. Entre 92,4 milhões de profissionais masculinos, o percentual de trabalhadores na área sobe para 0,33%. A entrada feminina é pouca, mas as oportunidades são diversas.
O salário delas é uma renda média, com 4 em cada 10 (40,4%) profissionais recebendo entre R$ 2,5 a R$ 5 mil mensais – um aporte importante, levando-se em conta que, na população feminina em geral, apenas 20,6% se encaixam nessa faixa de rendimentos. Enquanto 4,6% das brasileiras ganham mais de R$ 7,5 mil mensais, 18,2% das profissionais em TI estão inseridas nessa faixa. A maioria das profissionais do setor se concentra na classe B (42,2%).
Gerente Executiva de Arquitetura de TI da Serasa Experian, Cristiane Kussuki reconhece o terreno promissor para as mulheres. Satisfeita com sua trajetória no setor, ela aconselha “abracem o vasto horizonte da Tecnologia. Nós, mulheres, temos o potencial não apenas para prosperar, mas para redefinir os limites em todas as esferas da TI, seja como líderes ou especialistas técnicas. Este campo oferece remuneração competitiva e um terreno fértil para cultivar o brilho único de cada uma de nós”, finaliza.
Questão de qualificação
A carreira da executiva da Serasa Experian não percorreu sem desafios, que se iniciaram no abraço de um vasto campo acadêmico e perduram até os dias de hoje na conciliação entre vida familiar e trabalho. No entanto, a formação consistente em áreas diretamente ligadas a tecnologia e correlatas foi um diferencial. Cristiane cursou Matemática na USP e concluiu um MBA em Gestão de Projetos na mesma faculdade, além de um mini MBA em Neurociência Computacional na University of Washington. Atualmente, a profissional também faz parte do Programa de Inteligência Artificial do Massachusetts Institute of Technology (MIT).
Diferente das escolhas de Cristiane, a opção por seguir carreira no setor e formar-se na área, no entanto, é insuficiente, tanto entre homens quanto entre mulheres, em relação às demandas do mercado por profissionais qualificados. A Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais-Brasscom projetou um déficit anual de 106 mil profissionais até pelo menos 2025. De olho na competitividade gerada pelo apagão de qualificação, no entanto, o movimento entre as mulheres é de um aumento na busca por cursos do segmento.
Segundo levantamento da Escola Britânica de Artes Criativas & Tecnologia – EBAC, a procura por cursos livres e pós-graduações em TI por elas tem aumentado, com o curso de programação 20 vezes mais procurado por mulheres do que a média dos cursos gratuitos oferecidos pela instituição. Já a FIAP, faculdade de tecnologia que oferece cursos de graduação, pós-graduação e MBAs tech, observou que o público feminino aumentou sua procura por cursos avançados nos últimos anos, tendo um aumento de 30% em 2023. Dentre os cursos de MBA mais procurados estão Gestão Estratégica de Negócios, Business Intelligence & Analytics e Data Science & Artificial Intelligence.
A procura maior pelo setor pode estar na competitividade, mas também encontra respaldo na realidade revelada pela pandemia. Para Mayara Oliveira, head de front-end da Alura, a adaptação ao trabalho remoto e híbrido durante a pandemia proporcionou às mulheres maior flexibilidade para equilibrar responsabilidades pessoais e profissionais, fazendo com que elas olhassem com mais empatia para as carreiras mais desafiadoras nesse sentido.
Quem sai ganhando com esse olhar, no entanto não é só a profissional que adere ao setor, mas também o mercado e a sociedade, entende a executiva. “A tecnologia se beneficia da diversidade de perspectivas, fundamentais para a inovação e para solucionar desafios humanos”, entende. “Mas, afinal, quem está por trás das inovações tecnológicas? Para enfrentar os desafios de uma sociedade diversificada, é crucial a inclusão de uma gama igualmente diversa de talentos, especialmente mulheres e suas interseccionalidades”, destaca.
Olho no C-Level e seu impacto
Em uma perspectiva de que não há mais empresa ou função que não é permeada de tecnologia, a formação ou experiência no setor é benéfica ao mercado e também a diferentes carreiras, ligadas diretamente ao segmento ou não. A TI, sob o entendimento de negócios, processos e gestão que a utilizem como base, manejada por um perfil profissional generalista e de entrega de resultados, pode ser um diferencial para atingir pontos altos de liderança e inovação nas empresas, com todo o impacto que uma liderança no setor pode proporcionar para as companhias e também fora delas. No caso de mulheres e seus diversos marcadores sociais e questões enfrentadas para sua inclusão e equidade em relação aos profissionais masculinos, esse impacto pode ser ainda maior.
Com mais de 20 anos de experiência em RH e passagens por empresas multinacionais como Warner Bros. Discovery, Accenture, IBM e Whirlpool, Paloma Contatore se destaca justamente por sua bagagem generalista com foco em DHO, com ampla experiência em Gestão de Talentos, Business Partnering, Desenvolvimento de Liderança, Desenho Organizacional, Gestão da Mudança e Diversidade e Inclusão (DEI). Mas com tudo isso aplicado a um currículo marcado por startups e grandes nomes do mercado tech.
Hoje CHRO da Allura, ela conta os desafios para se encontrar no setor e o papel que uma liderança marcada por essa trajetória pode ocupar. “A influência positiva da minha mãe me ensinou que eu poderia ser o que eu quisesse, mas a jornada teve seus percalços e demorei bastante tempo para acreditar que poderia ocupar uma posição de C-Level”, narra a executiva.
“Assim como outras mulheres, enfrentei momentos em que meu crédito foi questionado, não conseguia espaço para falar em reuniões cheias de homens, e a autocobrança e a síndrome da impostora fizeram com que, em alguns momentos, não me sentisse capaz. No entanto, tomar consciência dos vieses de gênero, entender melhor as regras do ambiente corporativo e compartilhar desafios com outras mulheres me ajudou a confiar mais em mim e a identificar os obstáculos que muitas de nós enfrentamos. Hoje, por meio da minha posição, meu objetivo é ser esse elo entre as mulheres e o mercado de tecnologia: incentivando contratações afirmativas, disseminando uma cultura de diversidade e inclusão, criando práticas e ações que ajudem mulheres a se desenvolverem e alcançarem posições cada vez mais altas e servirem de exemplo para novas gerações que estão por vir”, pontua.
Já Aline Fróes, Chief Marketing Officer (CMO) da Sofya, figura entre as principais lideranças do país que abraçam a tecnologia como uma ferramenta de transformação social. Originária da educação pública no Rio de Janeiro, ela trilhou seu caminho até uma pós-graduação em Stanford, uma das universidades mais renomadas globalmente. Em 2016, fundou o Instituto Precisa Ser, uma organização sem fins lucrativos voltada para tecnologias digitais e sociais. No ano seguinte, desempenhou um papel fundamental na criação do Vai na Web, um movimento que alia alta tecnologia e impacto social, visando ampliar as capacidades humanas e requalificar a força de trabalho para enfrentar os desafios da Indústria 4.0. Em 2023, co-fundou e assumiu a posição de CMO na Sofya, uma solução inovadora que integra uma plataforma de voz e inteligência artificial. A tecnologia tem proporcionado uma redução de mais de 40% no tempo dedicado pelos profissionais de saúde ao preenchimento de formulários assistenciais.
Formada em Línguas pela UERJ e com especializações em Stanford, a executiva também atua como advisor da Fundação Getúlio Vargas. “Acredito na influência positiva de conexões sólidas. Para mim, as organizações e suas atividades representam a base de algo mais significativo do que meros números ou propostas de serviços. Trata-se de compartilhar experiências transformadoras que têm um impacto positivo, difundem valores humanos e edificam empreendimentos duradouros. Enxergo pessoas e tecnologias não apenas como são, mas também como podem se tornar, visualizando o todo. Para mim, sentimentos como amor, respeito, energia, diversão e cuidado ocupam o mesmo patamar que conceitos como inovação, estratégia, lucro e resultados”, afirma a empreendedora.
Já Thalita Gelenske, founder e CEO da Blend Edu, utiliza sua experiência pessoal para imprimir a missão do negócio que coordena, também em prol de mudanças sociais significativas. Com mais de 11 anos de experiência na área de gestão da diversidade e cultura organizacional, sendo referência nas temáticas de gestão estratégica de pessoas e gestão de projetos sociais, a CEO da Blend Edu, principal HRtech e ESGtech especializada em diversidade e inclusão do Brasil, como qualquer mulher que decide empreender, precisou enfrentar desafios, principalmente por ser lésbica. “Como mulher lésbica, entendo que existem barreiras a serem superadas no mercado de trabalho. Empreender não é uma tarefa fácil, mas os obstáculos só aumentam quando somos mulheres ou pertencentes a outros grupos historicamente discriminados”, diz.
Ainda segundo Gelenske, a falta de segurança psicológica e inclusão do mercado a motivou a empreender a favor da diversidade, e hoje, o que era um propósito único, tornou-se algo coletivo. “Hoje, a Blend Edu atinge milhões de pessoas, mais de 100 empresas já passaram por aqui e mais de 40 mil pessoas já foram impactadas com esse objetivo”, afirma.