Gestão

Falar, ouvir e entender

de Jacqueline Sobral em 18 de setembro de 2012
Reprodução
Picking, área de separação dos pedidos das consultoras Natura: além dos produtos, elas recebem um pacote completo de comunicação

Todo mundo diz que é estratégica, mas são poucas as empresas que, de fato, prestam atenção nela – a comunicação – a não ser que sucessivos problemas ligados à área estejam claramente abalando os resultados financeiros do negócio. A questão é que a comunicação merece sim ser alçada à lista de prioridades corporativas, pois ela é vital para a sobrevivência e o crescimento sustentável das organizações. Apesar de a tarefa não ser nada fácil e de não haver fórmula mágica, quem entende do assunto ressalta que entre os primeiros passos estão a valorização do público interno, o planejamento da comunicação de acordo com o perfil de cada pessoa ou equipe que vai recebê-la e o uso combinado das diversas ferramentas disponíveis de acordo com cada situação. “Comunicação envolve complexidade, está relacionada a ferramentas e objetivos, não é simples. Além da integração entre os diversos meios e processos, um dos grandes desafios é buscar uma forma de atuar na velocidade do mundo digital”, reflete o gerente de comunicação comercial da Natura, Marcelo Soderi, responsável pela comunicação da empresa de cosméticos e higiene pessoal com mais de 1,4 milhão de consultoras que vendem os seus produtos.

Quando se fala em comunicação, as pessoas tendem logo a pensar apenas nas práticas voltadas para o público externo. Mas que tal olhar primeiro para as pessoas que trabalham na empresa? “Todo mundo, por exemplo, quer ´sair na imprensa´. Mas o essencial, na verdade, é saber se comunicar com seu público interno. Você precisa dele diariamente”, afirma Patrícia Teixeira, pesquisadora e diretora da Trixe Comunicação Empresarial. “São os funcionários que falam todos os dias da companhia e que a representam. Se eles conhecem a cultura da organização, acabam se envolvendo com ela e passam isso para o cliente de forma natural.”

Fator crítico de sucesso
O diretor da prática global de comunicação da Buck Consultants (uma empresa da Xerox e uma das líderes no mercado de consultoria em RH e benefícios), Martin Hoffman, é enfático ao dizer que a comunicação é um fator crítico de sucesso. “É a cola que ajuda a conectar as diversas iniciativas de negócios. Vários estudos estabeleceram empiricamente o relacionamento positivo entre os resultados corporativos e uma comunicação efetiva”, comenta.  O ponto de partida para uma comunicação bem-sucedida, ensina Patrícia, é conhecer as pessoas com quem está se comunicando. “Saber que o público é composto de 40% de homens e 60% de mulheres não basta. Como essas pessoas se comportam? O que pensam? Que valores e princípios éticos possuem? Aliás, é preciso pensar nisso na hora da contratação para evitar conflitos entre o funcionário e a empresa. Defendo que a sociologia seja aplicada na comunicação, principalmente interna. É preciso, por exemplo, refletir sobre as mudanças de hábitos promovidas pelo uso de vários dispositivos tecnológicos”, observa. E, também, em um mundo cada vez menor com a ajuda da tecnologia, refletir sobre culturas distintas cada vez mais próximas e integradas.

Daniel Perestrelo, diretor-presidente da Luxo Embalado, aprendeu no dia a dia que a percepção dessas diferenças culturais é fundamental para uma boa comunicação. À frente de uma empresa de pequeno porte que representa no Brasil os produtos alimentícios da canadense Dare, o executivo teve de contratar os serviços de um profissional com experiência em negociações internacionais para as conversas iniciais com a empresa do Canadá. “O timing deles é muito diferente do nosso aqui no Brasil. Eles são muito mais cautelosos e gostam de investir bastante tempo na análise e planejamento. Às vezes, queríamos adiantar determinados assuntos para aproveitar uma reunião e nosso consultor sempre nos pedia para tratar uma coisa de cada vez. Como ele mesmo dizia: ´Use o tempo de cortejo para cortejar, não tente adiantar o namoro´. E assim exercemos nossa comunicação com a fábrica até hoje, tratando um assunto de cada vez, respeitando os hábitos deles.”

Cultura positiva
Ao buscar entender o perfil do público-alvo e desenvolver a comunicação com base nele, as empresas estão não só agilizando procedimentos para diminuir riscos de interpretações equivocadas, mas também criando uma cultura organizacional positiva. “Uma grande vantagem de uma comunicação interna eficiente é a contribuição que cada colaborador pode trazer. Ele pode aprimorar processos, atendimentos e, sem sombra de dúvidas, otimizar custos e aumentar os lucros”, avalia Alexander Assis, diretor-presidente da Jungle Gym Brazil, empresa de estúdios de treinamento funcional. “O problema é que falar dessas coisas é bonito; entretanto, a maioria dos empresários brasileiros não sabe sequer o significado da palavra endomarketing, e não investe em pesquisas para saber o que os seus colaboradores pensam do lugar em que trabalham. Para esse tipo de empresário, o importante é a estratégia para fora da empresa e nunca para dentro”, desabafa.

A presidente da consultoria Projeto RH, Eliane Figueiredo, é mais otimista e afirma que algumas empresas já adotaram práticas de comunicação positivas na tentativa de fazer com que seus funcionários participem mais do dia a dia e das decisões organizacionais. No entanto, a consultora alerta que, ao abrir a porta para a opinião do colaborador, a companhia precisa estar preparada para lidar com a informação. “Algumas empresas mantêm seus canais de comunicação abertos aos seus funcionários e criam uma ouvidoria ou uma central de atendimento interna para ouvir reclamações e tirar dúvidas. Por outro lado, se ouve e não faz nada a respeito, daqui a pouco ninguém mais vai falar nada.”

Nuno Simões, diretor da Gymboree em Portugual e no Brasil, destaca que comunicação é investimento – a empresa é uma das líderes mundiais em programas de desenvolvimento infantil, com mais de 800 centros em 50 países. “É preciso investir em termos de valores reais, dedicar tempo, estar aberto às possíveis mudanças, contar com profissionais especializados”, afirma. Para ele, uma boa comunicação interna fará com que a instituição conheça bem seus colaboradores, suas necessidades e expectativas, e que haja um clima de confiança em que todos se sintam integrados.

Ferramentas variadas
Além do desafio de compreender as características do público interno, as empresas também se deparam com uma variedade tão grande de ferramentas de comunicação que, muitas vezes, se torna difícil a decisão de qual é a melhor: hoje, é possível utilizar a intranet, investir em um canal de TV corporativo, produzir uma newsletter, elaborar um jornal impresso, manter um mural com informações e comunicados, promover reuniões presenciais, organizar videoconferências ou dar preferência à troca de e-mail – apenas para citar alguns recursos disponíveis.  “Fui chamada, uma vez, por uma empresa de tecnologia que reclamava da falta de comunicação interna, apesar de ter investido em web TV, internet, entre outros meios. Perguntei se eles tinham jornal mural, se existia algum tipo de comunicação no elevador e eles não usavam. Ou seja, é importante mesclar as tecnologias novas com as tradicionais”, comenta Patrícia. A consultora acredita que é preciso ter cuidado ao abolir o “jornalzinho tradicional”. Para um funcionário que está na fábrica e não tem costume de acessar a internet constantemente, o jornal impresso ainda é a melhor ação. “Ele, com certeza, leva a publicação para casa e mostra para a família que foi escolhido como o funcionário do mês”, enfatiza. O consultor e diretor da 4hunter, Carlos Ferreira, concorda. “Como fazer um mix desses veículos com mais sensibilidade para ter melhores resultados? Eis a questão. É preciso dançar conforme a música. Você não vai falar em demissão por e-mail, certo?”

Para se comunicar com as consultoras, a Natura, por exemplo, tem como principal ferramenta a Revista Natura, um catálogo de vendas publicado a cada três semanas, com uma tiragem de 3 milhões de exemplares e que apresenta versões diferentes de acordo com a região do Brasil ou o país de suas leitoras. “A palavra ´relacionamento´ é muito importante, principalmente quando se trata das consultoras que atuam para a empresa. Elas são as primeiras consumidoras da marca, que oferecem não apenas o nosso produto, informam o nosso preço e a funcionalidade do que produzimos, mas contam uma história que vai muito além da bula. Elas são, sem dúvida, uma das nossas primeiras stakeholders.” Além da revista, a Natura usa a internet, o celular (mensagens de texto) e ainda promove encontros presenciais para se comunicar com as consultoras. “Possuímos consultoras espalhadas pelo Brasil e pela América Latina, estamos falando de um grupo muito diverso de pessoas e de uma dinâmica de informação muito acelerada. A Natura lança um novo produto a cada dois dias. As consultoras entram no site, recebem SMS, comparecem pessoalmente a reuniões. Nossos posts têm mais de 50 mil acessos”, conta o gerente de comunicação comercial. Nesse caso, explica Soderi, é preciso tentar fazer uma comunicação integrada e aproveitar o que cada um dos veículos de comunicação pode oferecer, além de monitorar o processo e buscar medir a reação de cada ação. “Não posso falar coisas diferentes, mas também não posso achar que um único texto vai ser bem-sucedido”, diz.

A Spice Gourmet, que já foi destaque como a melhor empresa para trabalhar, na categoria comunicação da lista feita pelo Great Place to Work com a revista Melhor RH, segue a mesma linha estratégica. “A comunicação é um dos fatores principais para o sucesso do negócio e sabemos disso. Buscamos o constante diálogo por meio de quadros de gestão, newsletters e treinamentos focados na liderança com temas sobre comunicação e feedback”, conta a gerente de RH da organização, Mariana Schmidt. Segundo ela, por intermédio desses canais, a companhia busca dar clareza aos valores, às expectativas e aos resultados da empresa, pois entende que transparência e respeito privilegiam a eficácia da comunicação, criando um clima organizacional saudável e evitando espaço para fofocas.

Processo contínuo
Na hora de escolher a ferramenta, é importante, também, estar atento para avaliar as razões de resultados insuficientes e realizar, se necessário, mudanças de percurso. “Um cliente me contou o caso de uma empresa cujos executivos reclamavam que a comunicação não era bem-sucedida, que as pessoas não davam feedback. Decidiram, então, colocar uma caixinha de sugestões perto de uma câmera de segurança. Claro que ninguém depositava nada nessa caixa. Só quando mudaram de lugar é que começou a chover sugestões”, lembra Patrícia. A diretora da Trixe alerta também que a comunicação é um processo ininterrupto que precisa de investimento constante para que a empresa conquiste credibilidade junto ao seu quadro de funcionários. “Comunicação é uma ação contínua. Também não adianta lançar uma newsletter e nunca mais publicá-la.” Segundo especialistas e profissionais da área, uma das ferramentas mais eficazes de comunicação continua sendo o “olho no olho”. “As empresas querem acompanhar as mudanças tecnológicas, mas não podemos esquecer a comunicação tradicional. Um ´vem tomar um café para a gente se conhecer melhor´ ainda continua sendo muito eficiente. O uso da tecnologia tem de ser visto caso a caso”, analisa Patrícia. “Por que uma empresa reúne 500 funcionários que trabalham espalhados pelo Brasil em uma convenção em um mesmo hotel, com um custo gigantesco de passagem aérea e hospedagem? Porque essa ação tem um impacto enorme. Claro que você não vai organizar esse tipo de evento por qualquer motivo, mas em alguns momentos, como na hora de mostrar resultados ou analisar metas, ele é essencial”, corrobora Eliane, da Projeto RH.

O diretor da 4hunter lembra que presenciou um mau uso desse tipo de prática. “Trabalhei em uma empresa, por exemplo, em que a comunicação simplesmente não acontecia. A organização estava vivendo um momento de crise, toda semana havia corte de funcionários e não recebíamos nenhuma informação sobre o que estava acontecendo. De repente, o alto executivo promoveu um encontro para dizer que a comunicação, a partir daquele momento, iria fluir. Logo depois de acabar de falar, ele entrou de novo em sua sala e não saiu mais”, conta. Ferreira também defende que o uso de cada ferramenta deve ser planejado de acordo com cada objetivo e ocasião. “Precisamos refletir. A tecnologia pode aproximar e afastar as pessoas ao mesmo tempo.” Na Natura, os encontros periódicos com as consultoras também são percebidos como fundamentais. “O digital não substitui o presencial. Claro que não temos 100% de adesão, mas podemos perceber que as profissionais que mais frequentam esses encontros são as que mais tempo trabalham com a gente e as que trazem mais resultados”, avalia Soderi.

O fato é que, se no passado a comunicação interna já era uma tarefa difícil, agora ela se tornou um desafio ainda maior, pois em um mundo repleto de redes sociais e textos compartilhados pela internet, a palavra “interna” ganha novas nuances, como reflete Soderi. “Será que é possível controlar as redes sociais e essa comunicação? As consultoras da Natura, por exemplo, podem falar a qualquer momento sobre o nosso produto, melhor até que a gente. Mal deu para entender o Orkut e já veio o Facebook. Não existe mais uma via de mão única.”

Encontrar o mix ideal
Hoffman, da Buck Consultants, vai mais além. Para ele, os desafios estão ligados ao excesso e à fragmentação dos canais de comunicação atuais. “Hoje em dia, as pessoas recebem mensagens demais e encaram essa sobrecarga. Nesse cenário, é difícil para as empresas conseguirem comunicar o que desejam de forma clara. Além disso, as pessoas tendem a favorecer determinados canais de comunicação para certos tópicos e, ao mesmo tempo, dedicar a eles uma atenção limitada”, argumenta. Para o diretor, está cada vez mais difícil alcançar o mix de mídia correto, entre as ferramentas impressas, on-line, móveis, presenciais, entre outras.


O obstáculo da hierarquia
Em muitos casos, a comunicação não é bem-sucedida não por falta de uma avaliação correta sobre o público-alvo ou pela escolha inadequada da ferramenta, mas pelo próprio modelo de gestão da empresa baseado em sistemas rígidos de hierarquia que não permitem que a comunicação ocorra de maneira eficiente, com a qualidade e na velocidade necessária. “No Brasil, a questão da hierarquia e do poder muitas vezes faz com que o único decisor seja o presidente da empresa, que muitas vezes não pensa em comunicação. Nessa situação, uma decisão para o chão de fábrica é tomada por esse executivo que não conhece a realidade de quem atua na ponta. A comunicação, então, não acontece”, avalia Patrícia, da Trixe, acrescentando que em um cenário assim só há duas soluções: a saída do executivo ou uma mudança de cultura a longo prazo.

Em empresas de pequeno e médio porte, esse problema incide com menos frequência devido à sua própria estrutura. “Numa organização enxuta como a nossa, as decisões são centralizadas em três pessoas, o que facilita uma comunicação eficiente. Os sócios mantêm contato diário, independentemente do horário ou do meio de comunicação (telefone, e-mail, WhatsApp, Facebook ou reunião presencial) e dificilmente temos problemas de agenda”, explica Perestrelo.

O diretor-presidente da Luxo Embalado vai mais além e explica a dinâmica da comunicação em sua empresa, que inclui o uso constante do Facebook. “Entre nós, os sócios no Brasil, utilizamos as facilidades de um servidor virtual que nos avisa de cada mudança no cronograma de implementação dos quiosques, planilha de custo, planejamento de eventos, entre outros controles, mantendo assim o board alinhado quanto ao andamento dos planos operacionais, além de mantermos contato diário por telefone, e-mail e Facebook, tendo nessa última ferramenta um aumento significativo de utilização nos últimos meses.”

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