Marcellus Puig, vice-presidente de RH da Volkswagen América do Sul e Brasil, tem uma certeza: quando toda essa crise da pandemia passar, ele quer dar um abraço nos amigos e parentes distantes, pelo isolamento social, e dar um mergulho no mar. Até que esse momento se torne realidade, o executivo mantém seus questionamentos em relação a algumas das principais mudanças por que passam as empresas. E até pelas quais passarão.
Por exemplo: será que o home office vai ser uma iniciativa permanente depois da pandemia? Muitas empresas têm divulgado sua disposição em adotar esse modelo, deixando boa parte de seus funcionários trabalhando de casa, sem precisar aparecer no escritório – e não apenas até o fim do ano, em algumas, mas depois também. Para Marcellus, é preciso pensar bem antes de tomar essa decisão.
Algumas atividades podem ser muito bem executadas remotamente, mesmo na montadora. Áreas admistrativas, por exemplo. Outras demandam a presença de funcionários – afinal é uma indústria, como bem lembra o vice-presidente de RH, mesmo que essa indústria esteja passando por um momento de transformação do negócio: de automobilística para uma empresa de mobilidade. E essa mudança, por sua vez, traz a necessidade de uma transformação cultural na companhia. E cultura é uma das razões que fazem com que as decisões de manter ou não uma parte do pessoal 100% em home office sejam bem pensadas. Como bem lembra Marcellus, a cultura de uma empresa também se dá muito pelas relações interpessoais. “Quantas coisas não resolvemos no cafezinho da empresa? Ou durante um almoço com um colega? Quão mais empático você não é com uma pessoa depois de bater um papo e entender os problemas dela ou depois de conhecer do que ela gosta, por exemplo?”, diz. “A transformação cultural é uma demanda que temos. E não sei se ela é possível sem esse relacionamento interpessoal, físico”, comenta.
Mas
ele tem outra certeza: não haverá “retorno” aos escritórios. Calma! Ele
explica: “‘Retorno’ pressupõe voltar a um status anterior. Vamos para uma outra
forma de trabalhar. Por isso acredito que é ‘ida’”, diz. Faz sentido. Muito
sentido.
Como vê a tecnologia ajudando cada vez mais a área de RH?
Temos um aplicativo que tem ajudado muito. Cerca de 98% do pessoal baixou. O primeiro grande teste com ele foi durante a greve dos caminhoneiros, em maio de 2018. Naquela época, houve muita confusão, não se sabia se as entregas seriam feitas, houve desabastecimento… A forma que encontramos para nos comunicar com os nossos colaboradores foi por meio do aplicativo. De uma ferramenta de consulta de inúmeros itens, como holerite, férias etc., ele passou a ser uma ferramenta de comunicação. Ainda mais em tempos de pandemia. A tecnologia também tem ajudado a manter encontros. Fizemos uma assembleia com sindicatos de forma virtual. Estamos fazendo tudo o que pode ser feito virtualmente: happy hours, reuniões semanais com o management para discutir o que está sendo feito na empresa, qual o tamanho da crise… Toda comunicação com os executivos é fundamental. Temos também grupos no WhatsApp. Um exemplo é o de uma médica, aqui da Volkswagen, que também criou uma conta no Instagram. Ela dá dicas de meditação, de relaxamento, de postura, de ergonomia. Todas essas iniciativas são uma forma de manter o pessoal engajado, para que continuem com o sentimento de pertencimento, para saber que estamos juntos, trabalhando, e em equipe. Mas há sempre o risco do distanciamento…
Sobre engajamento, a preocupação de manter o pessoal comprometido e conectado merece mais atenção com o distanciamento, não?
Exatamente. Essa reunião semanal que fazemos, com nossos executivos, tem, também, a missão de passar uma ideia: a de que o que estamos fazendo com eles, executivos, eles têm de fazer com as equipes deles. Para que mantenham as equipes engajadas, informadas, para que falem da situação da empresa, do mercado, sobre a economia, sobre quando vamos voltar a produzir… RH é uma área importante e, em um momento de crise, percebemos ainda mais a importância dela. Neste momento, essa importância se mostra em relação ao cuidado com a saúde do colaborador e também em como mantê-lo engajado, em como manter o time comprometido.
O home office é o tipo de mudança que veio para ficar? O que mais surgiu com a pandemia e que pode se manter depois que ela passar?
É preciso ter um certo distanciamento para entendermos se algo mudou ou não. É preciso dar um tempo. Mas vai aí um pouco de especulação de minha parte: vamos pensar em viagens, por exemplo. Sempre viajamos muito. Vamos para a Alemanha, temos operações na Argentina… Essas viagens vão diminuir muito, não tenho dúvidas. Sobre home office, estamos estudando algumas alternativas. Talvez sobre ter equipes em rotação ou rodízo, para não levar todo mundo para os escritórios. Uma parte dos empregados trabalha de casa e outra na empresa. Há atividades que podem ser realizadas completamente a distância, existem aquelas que podem parcialmente, e há, também, aquelas funções que demandam um profissional na fábrica. Somos uma indústria! Temos de ter um determinado número de empregados na fábrica, caso contrário não teremos carros para vender. Mas acredito que vamos chegar a um meio-termo nessa história. Até as redes de relacionamento nas empresas, de contato pessoal, não deixarão de ser importantes. Vamos dar um passo fundamental, mas não acredito que não teremos mais escritórios e ficaremos trabalhando só de casa. Uma situação como essa eu não vejo. Ainda sobre home office: algumas pessoas parecem reclamar que estão trabalhando mais do que antes. Particularmente, estou trabalhando a mesma coisa, mas, no fim do dia, estou mais cansado. Para mim, isso tem uma relação com os sentidos. Sou uma pessoa muito visual e, às vezes, fico muito tempo em reuniões via Skype, por exemplo. Em algumas, há vídeo, em outras, não. Eu tenho de fazer um esforço maior para me concentrar na escuta quando não vejo a outra pessoa. A visão ajuda muito, a linguagem corporal diz muito. E quando não há essa linguagem, o esforço é maior na interlocução.
O receio que tenho, com este distanciamento físico, é o de o líder perder a sua capacidade empática
O que deve mudar, em termos de gestão de pessoas, no dia a dia? A liderança terá de ter outro olhar, por exemplo?
Acredito que a gestão de pessoas tem muito a ver com empatia. No que se refere à liderança, sempre existem requisitos básicos, é possível desenvolver ferramentas para ajudar a preparar os líderes. Mas existem pessoas que conseguem administrar melhor seu grau de compreensão com relação aos outros, há quem tenha um melhor entendimento das relações, umas são mais participativas, outras gostam de trabalhar mais sozinhas. E você só vai descobrir essas características se relacionando com essas pessoas. E isso deve fazer parte da liderança, entender quem está com problemas pessoais, quais são as ambições de carreira de alguém, por exemplo. O receio que tenho, com este distanciamento físico, é o de o líder perder a sua capacidade empática. E esse risco é grande, penso. Como manter isso, como manter a empatia nesse relacionamento? Estamos testando algumas coisas. Por exemplo, todo ano tenho uma conferência com toda a minha equipe de recursos humanos. Íamos para um hotel e ficávamos dois dias em um programa de integração. Agora, com a pandemia, isso não é possível fazer – quem sabe em um futuro próximo. Mas eu não posso simplesmente dizer que vou esperar que esse futuro chegue para organizar um encontro e discutir temas importantes com minha equipe. Passamos, então, a fazer conferências, às vezes de um dia todo, virtuais. É a mesma coisa do que um encontro presencial? Não consigo responder ainda. É uma tentativa de manter o time engajado. Eu, como líder, tenho de manter esse contato com minha equipe, dando respostas, caminhos, formação. Veja, estamos no meio de um processo de transformação cultural aqui e, nele, temos um programa de desenvolvimento para todos os executivos. O programa era presencial, com um período de imersão. Mas veio a pandemia e nos pegou no meio dele. Metade dos executivos conseguiram realizar o programa. Vamos parar e não atender a outra metade? Não, vamos manter o programa virtualmente. Vai funcionar? É cedo para dizer, mas acredito que essa iniciativa [de manter o programa a distância] é valorizada pelas pessoas. Já percebi que algumas coisas que conseguimos fazer virtualmente, voltadas para o engajamento, para a liderança, para o treinamento, dão resultado pela percepção que as pessoas têm de que a empresa está tentando se manter coerente com suas convicções. Agora, quão efetivo isso é eu ainda tenho de me distanciar para melhor avaliar.
Nem bom, nem mau: tudo é uma questão de adaptação a um cenário e a uma realidade novos. O home office, para algumas pessoas, é isso: uma nova experiência, diferente. E no geral, como é que você vê, de quem está trabalhando de casa, a percepção desse modelo? Estão trabalhando mais?
As pessoas não estão reclamando que estão trabalhando mais. Elas têm mencionado que estão trabalhando mais. Não é uma reclamação, mas a constatação de um fato. Creio que as pessoas estão surpresas sobre como estão trabalhando normalmente de casa. Esse é o tom que percebo ao conversar com elas. A questão é que eu não sei por quanto tempo vamos conseguir manter o time com esse engajamento e com essa criatividade trabalhando em home office. A crise sempre gera um excesso de trabalho, um foco maior. Penso que a combinação da crise que vivemos com a pandemia tem feito todo mundo trabalhar um pouco mais. A questão, repito, é ver quanto tempo isso permanece sem as pessoas apresentarem uma fadiga. Mas, novamente, ainda não sinto as pessoas reclamando, mas sim surpresas: “como estou trabalhando! E cono estou trabalhando bem!” Às vezes, eu não consigo, de casa, fazer uma pausa para sair e tomar um café, mas consigo me levantar e passar pela sala e ver minha filha estudando, também a distância. Agora eu posso ver como ela é em sala de aula. As crianças são diferentes quando estão com os pais e quando estão fora de casa. E eu sempre quis saber como ela é em sala de aula. E parece existir um efeito BBB: a pessoa parece esquecer que está em casa, sendo vista pelos outros, e passa a atuar como se estivesse naquele ambiente fora de casa, no caso, a escola.
A questão não é trabalhar nem mais, nem menos. É ser mais produtivo, aproveitar melhor o tempo que é economizado ao ficar em casa…
Sim, há uma série de fatores que ajudam. O tempo gasto com o deslocamento para a empresa é um deles, sem dúvida.
Como a empresa está se preparando para uma volta aos escritórios?
Não vejo um “retorno”, mas “ida”. “Retorno” pressupõe voltar a um status anterior. Vamos para uma outra forma de trabalhar. Por isso acredito que é “ida”. Durante o período de isolamento, o pessoal de produção e a equipe de RH trabalharam bem para receber os empregados que tinham de ir para a fábrica com toda a segurança. Foi um trabalho impressionante. As pessoas se sentiam seguras trabalhando. O tratamento, as máscaras, o face shield, álcool em gel… o esquema de restaurante mudou completamente para evitar aglomeração. Trabalhamos alinhados com o sindicato no que se refere à adoção dessas medidas. Além disso, aprendemos com nossas unidades na China e na Europa o que fazer. Quando a covid-19 chegou aqui, já tínhamos algum conhecimento sobre o que tinha funcionado bem naquelas regiões. Quando vou à fábrica, eu e meus colegas não nos reunimos fisicamente. É algo curioso: estamos no escritório, praticamente um do lado do outro, mas nos reunimos por meio do Skype – e isso deve se manter ainda por um tempo. Reuniões presenciais, talvez, mas limitadas a um número bem reduzido de participantes. Aliás, mudamos o layout das salas de reunião. Mas voltando: ainda não sabemos como será. Temos três grupos. Um deles é o de pessoas que precisam estar fisicamente nas fábricas. Há outro, híbrido, que pode ou não estar fisicamente nas fábricas. Para estes, o revezamento talvez seja uma saída interessante. E há um grupo cujas atividades podem ser realizadas completamente de forma remota. Mas, repito: não sei se devemos. Ainda temos de refletir mais um pouco sobre isso.
Eu, como líder, tenho de manter esse contato com minha equipe, dando respostas, caminhos, formação
Nessa “ida” para o novo, como é trabalhar a cultura? Pensando em quem pode ficar de casa, como será manter a cultura viva? No ambiente de trabalho há muitos aspectos físicos que traduzem o jeito de ser da empresa, até mesmo o relacionamento entre as pessoas mostra isso…
Por isso que não sei se devemos adotar o home office 100%. Ainda estamos pensando. Não estou convencido de que devemos ter um grupo totalmente a distância depois. Exatamente por essa questão que você mencionou. A cultura se dá muito pelas relações. Não apenas as formais, de trabalho, mas também nos contatos informais dentro do ambiente de trabalho. Quantas coisas não resolvemos no cafezinho da empresa? Ou durante um almoço com um colega? Quão mais empático você não é com uma pessoa depois de bater um papo e entender os problemas dela ou depois de conhecer dddddddddo que ela gosta, por exemplo? A indústria automobilística vive um momento de transformação de negócio e, automaticamente, há uma transformação cultural enorme. De indústria, passamos para uma empresa de mobilidade, e não necessariamente uma produtora de veículos. A transformação cultural é uma demanda que temos. E não sei se ela é possível sem esse relacionamento interpessoal, físico. Não sei se as ferramentas de comunicação darão conta. Devemos usar essas ferramentas ao máximo durante a pandemia, até como medida de proteção à saúde. Mas não excluiria as pessoas, depois, do escritório.
O que você está aprendendo em meio a tanta mudança? O que tem chamado sua atenção?
O que tem gerado um impacto positivo é essa surpresa em saber que é possível trabalhar bem remotamente. As pessoas começaram, imagino, com aquele excesso de relacionamento em casa com o cônjuge, com os filhos, com os pais… mas, depois, isso foi se integrando na rotina. No âmbito pessoal, consegui ver como eram meus filhos fora de casa, na escola, por exemplo. Outro dia, do escritório, fiz uma reunião com toda minha equipe e comentei que estava morrendo de vontade de voltar para casa porque era legal passar pela sala e ver minha filha estudando… (Gumae Carvalho)