Na idade da aposentadoria, a maioria das pessoas tem sua renda diminuída ao mesmo tempo que se depara com preços de planos de saúde de mercado (individuais ou coletivos por adesão) cada vez mais caros. O estatuto do idoso, quando proibiu o reajuste dos planos por faixa etária para pessoas acima de 59 anos, almejou aumentar o acesso dos idosos a esses planos, mas só conseguiu fazer com que os preços ficassem mais inacessíveis, já que esses preços passaram a incorporar os reajustes futuros dentro de uma única (e longa) faixa etária. Essa combinação perversa – diminuição da renda individual com altos preços dos planos de saúde – resulta em um problema sério de acesso aos serviços de saúde privados no momento em que mais precisamos dele.
Pois é justamente na aposentadoria, esse momento especial da vida, tão aguardado por muitos, que, em geral, começamos a dar valor a um bom plano de saúde. As estatísticas mostram que o custo da saúde de uma população cresce com a idade, e isso ocorre porque ficamos mais sujeitos às doenças na medida em que envelhecemos, ao mesmo tempo que as doenças que nos acometem tendem a ser mais sérias. Por essa razão, os procedimentos médicos vão ficando mais complicados e onerosos. O desafio de compatibilizar o acesso das pessoas, em especial os mais velhos, a sistemas de saúde cada vez mais caros é um dos maiores desafios deste século e nos convida a todos, por sua relevância e urgência, a debatê-lo, globalmente, cada país dentro do seu complexo e diverso sistema de saúde.
Em minha experiência com consultoria para benefício saúde em grandes empregadores nacionais e multinacionais, observo que a maioria das empresas gostaria de oferecer um plano de saúde para seus aposentados. Elas percebem o desafio exposto acima e ambicionam colaborar com uma solução para as pessoas que, durante anos de suas vidas, contribuíram para o sucesso da organização.
Não obstante esse desejo das empresas, a prática de oferecer planos de saúde para aposentados está definitivamente em declínio. Em primeiro lugar, conforme já foi dito, os custos desses planos são altos e não “cabem” no orçamento das empresas que, via de regra, se encontram em um ambiente de intensa competição. O custo do plano para os empregadores está diretamente ligado ao perfil etário de sua população. Assim, uma população de ativos, cujo perfil etário é jovem, custa menos do que uma população mista (de ativos e aposentados), em função do aumento da idade média do grupo. Em segundo lugar, regras contábeis nacionais e internacionais obrigam as empresas a reconhecer em seus balanços o valor presente de suas obrigações futuras com benefícios pós-emprego – como o plano de saúde, por exemplo. O fluxo de despesas com esse compromisso, trazido a valor presente, em geral, resulta em cifras expressivas, com passivos que impactam de forma substancial o balanço da organização e, consequentemente, seu resultado e valor de mercado.Entre outros, esses são os principais motivos que tornam empregadores impedidos de proporcionar (ou de continuar a proporcionar), como desejariam, o acesso ao benefício saúde para aposentados.
O que vemos hoje? Empresas que não possuem essa prática podem até pensar sobre ela, mas dificilmente vão implementá-la. E as que a implementaram no passado estão buscando caminhos para interrompê-la. Dependendo de sua necessidade e restrição financeira, as companhias serão mais ou menos agressivas na busca de mitigação de riscos e custos. Muitas fazem uma transição gradual, interrompendo o benefício apenas para novos admitidos. Os artigos 30 e 31 da Lei nº 9.656/98, que regula os planos de saúde no Brasil, definiram como mandatória a extensão dos planos de saúde contributivos para demitidos (artigo 30) e aposentados (artigo 31), como forma de dar acesso às pessoas quando perdem o vínculo empregatício. Foi seguramente uma tentativa do legislador de responder à demanda da sociedade pelo acesso aos planos de saúde no momento do desemprego ou da aposentadoria. No entanto, esses mesmos artigos estabeleceram um direito sem deixar claro como viabilizá-lo: como proporcionar a extensão do benefício? Em que bases? Com que vínculo? Com que forma de custeio? Uma abordagem simplista para um grande dilema.
Como mencionado, os desafios para viabilizar esse acesso são enormes e seria muito improvável que uma lei fosse suficiente para resolvê-los. Doze anos após a promulgação da Lei nº 9.656/98, as resoluções 20 e 21 (para demitidos e aposentados, respectivamente) do Conselho Nacional de Saúde Suplementar (Consu) e a Súmula Normativa nº 8 da ANS foram a única resposta regulatória para um assunto tão controverso. O resultado é que esse é hoje um tema totalmente “judicializado”, com inúmeras liminares heterogêneas e nenhuma decisão de instância superior, jurisprudência ou prática de mercado que possa ser verificada.
Diante desse cenário de grande incerteza e insegurança jurídica, a ANS decidiu voltar ao tema e criou uma Câmara Técnica para discutir propostas para uma nova regulamentação dos artigos 30 e 31 da Lei nº 9.656/98. Em breve, a minuta com as propostas deve ser levada à consulta pública no site da ANS. Não obstante o louvável esforço da entidade em abordar uma questão tão relevante e complicada, a nova regulamentação dos polêmicos artigos 30 e 31 ficará restrita à aplicação deles, o que dificilmente resolverá por completo o dilema, uma vez que, infelizmente, o benefício continuará sendo inacessível para a grande maioria das pessoas em função do seu custo.
Como vimos, o assunto é mais que complexo – é relevante e urgente. As soluções fáceis são improváveis, e o caminho possível será laborioso e lento. Nenhum setor isolado da saúde suplementar ou pública poderá resolvê-lo de forma independente, e isso inclui também os três poderes da União. A sociedade como um todo precisa se conscientizar disso e contribuir para a busca de uma resposta equilibrada e sustentável no longo prazo. Afinal, não estamos falando de problemas alheios. Se ele ainda não é, certamente poderá ser também um problema nosso um dia.
*Laïs Perazo é médica e consultora da Towers Watson