Chamou atenção a notícia do sítio do TST sobre as declarações do Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, no Seminário Comemorativo dos 75 anos da Justiça do Trabalho e 70 Anos do TST no sentido de que (i) a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) “cumpriu um papel importante num país de grandes assimetrias, mas tem de ser atualizada”; (ii) citando o exemplo alemão “Temos que proteger as relações de emprego e o empregado, mas, ao fazê-lo, não podemos comprometer a possibilidade de abertura de novos empregos”. […] “Não podemos suprimir a empregabilidade. Esse é o grande desafio”. E, (iii) para o Ministro, as mudanças não podem ocorrer em detrimento de direitos claramente assegurados. “Não se trata de defender a relativização de direitos, mas dizer que só um modelo serve para as relações de trabalho é demasiado. Vivemos num mundo globalizado, e, com o enrijecimento, fábricas desaparecem aqui e aparecem na China, fazendo com que milhares de empregos desapareçam”.
As considerações feitas são de relevância porque demonstram que há um cuidado especial do momento de transição pelo qual passa o País. A afirmação adverte, de um lado, quanto à necessidade de cuidar da proteção do emprego, espinha dorsal da legislação trabalhista e que historicamente se coloca na garantia de direitos fundamentais do trabalhador, empregado.
De outro lado, assinala que a preservação da proteção do trabalhador contratado sob o vínculo de emprego não poderá comprometer a abertura de novos empregos, o que nos parece um estímulo a que se compatibilizem os extremos com razoabilidade: novas formas de relações de trabalho com garantia de aplicação da legislação trabalhista.
Todavia, a afirmação de que um único modelo de relações de trabalho não atende ao atual quadro de desenvolvimento do país nos remete à reflexão da necessidade de outras modalidades de relações de trabalho sem o viés único trabalhista/emprego.
Neste sentido, temos na legislação diversos exemplos que permitem a contratação de prestação de serviços de forma a que o vínculo de emprego estaria afastado.
Entretanto o vínculo de emprego é a condição máxima de proteção dispensada ao trabalhador. Há quase um consenso de que ser empregado é atributo de pessoa com segurança e proteção, com privilégios legais e o respeito à garantia de direitos mínimos e de manutenção de meios de subsistência.
Contudo, há resistência na flexibilização de modelos de relação de trabalho. Em 2005, quando o Projeto de Lei nº 6.272, convertido na Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, discutia a criação da Super Receita, foi inserido pelo Parlamento a Emenda 3, que sugeria a exclusividade da competência do Judiciário para descaracterizar a prestação de serviços contratada por meio de pessoa jurídica com o objetivo de reconhecer o vínculo de emprego (Artigo 6º, § 4º: “No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta Lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial”).
A emenda passou pelo Congresso, mas foi vetada pelo Presidente da República com justificativa de natureza fiscal, que se mostrou confusa quanto às questões de relação de trabalho e relação de emprego.
No sentido da possibilidade de outras formas de relação de trabalho sem vínculo de emprego, a Lei nº 11.196/2005, chamada lei do bem, dispõe no artigo 129 quanto à possibilidade de prestação de serviços intelectuais por meio de pessoa jurídica, nelas incluídas a cultural, artística ou científica, ainda que pessoalmente.
Também a Lei nº 11.142, de 05 de janeiro de 2007, que dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros refere-se à ausência de vínculo de emprego nas relações decorrentes do contrato de transporte (art. 5º).
Também encontramos situações de trabalhadores que não reúnem as condições para o vínculo de emprego e que possuem, por extensão legal, direitos trabalhistas. É o caso dos avulsos e dos trabalhadores inseridos na execução de trabalho temporário. A Lei nº 12.690, de 19 de julho de 2012, que tratou do funcionamento de Cooperativas de Trabalho, no artigo 7º,dispôs que a Cooperativa de Trabalho deve garantir aos sócios piso salarial, duração de trabalho de 8 horas e 44 semanais, repouso semanal e anual remunerados, retirada para o trabalho noturno superior à do diurno, adicional para atividades insalubres ou perigosas.
Nos exemplos citados há ampliação da base de proteção social e a afirmação de que os direitos trabalhistas não são exclusivos de quem se coloca sob o vínculo de emprego não mais se justifica.
Constata-se dessa forma que a fala do Ministro (“dizer que só um modelo serve para as relações de trabalho é demasiado”) já encontra ressonância na legislação que poderá ser ampliada tornando mais adequada a formulação de relações de trabalho sem abandono da proteção de empregos.
Paulo Sergio João, advogado, professor da PUC-SP e da FGV