Saúde

O fantasma do amanhã

de Redação em 31 de março de 2016
Ansiedade

Ao gerar medo e síndromes como a do pânico, a ansiedade invade o mundo corporativo e atua como uma espécie de bomba-relógio – do futuro no presente

por Karin Hetschko e Gumae Carvalho

Ansiedade

Você espera o telefone tocar a qualquer momento, e uma voz do outro lado da linha trazer um problema para resolver. Você antecipa um possível resultado de uma negociação, que só vai acontecer dias depois. “Vai dar tudo certo”, pensa e fica dias com o foco nisso, numa alegria incontida que chega a incomodar. Ou vai dar tudo errado e os dias se arrastam na dor e sofrimento antecipados. Se a depressão é o excesso de passado no presente, antecipar (em demasia) um futuro irreal para o hoje gera a ansiedade, como explica o psicólogo Agenor Maciel. Trata-se, segundo ele, de um problema que cresce nas empresas – e fora delas.

A pressão por resultados, por exemplo, ajuda a criar em algumas pessoas o medo pelo fracasso. “Ser punido por não conseguir atingir uma meta, por exemplo, aciona a ansiedade”, conta. O profissional passa a viver, antes da entrega do resultado, um fracasso que ainda não se concretizou. É o futuro assombrando, uma espécie de fantasma de Scrooge, personagem principal da história Conto de Natal, de Charles Dickens, na versão corporativa…

Os casos de afastamentos relacionados às doenças emocionais vêm aumentando em importância nas empresas e os transtornos de ansiedade têm alta prevalência nos afastamentos relacionados à saúde mental. Quem afirma é Helder Valério, gerente de gestão e promoção de saúde da Mercer Marsh Benefícios. “No último mapeamento que fizemos, os CIDs relacionados aos transtornos de ansiedade representaram 43% do número de atestados de saúde mental, com uma média de 6,6 dias de afastamento”, diz. “Vale ressaltar que, nesse mapeamento, a média de dias de afastamentos relacionados a outras doenças foi de 2,2 dias. Ou seja, um número três vezes menor que a média relacionada aos transtornos ansiosos”, destaca. Para o consultor, o fator gerador desse problema está relacionado ao ritmo alucinante da nossa sociedade, que gera indivíduos cada vez mais competitivos e com grandes exigências quanto ao desempenho e autoimagem.

“Os executivos estão mais apreensivos e vivem com a preocupação constante do que pode vir a acontecer: desde um acidente até um contrato que pode não ser assinado”, afirma Gilberto Ururahy, diretor médico da Med-Rio Check-up. Ele conta que alguns dos sintomas da ansiedade crônica são irritabilidade, palpitação, cansaço, alteração de sono, perda de memória, falta de concentração, sensação repentina de pânico e sensação de medo. E o topo dessa ansiedade é a síndrome do pânico. “A grande causa é o estresse. Ele ‘comunica’ ao cérebro sua inquietação e, a partir daí, via emoções, isso é disseminado para todo o corpo. Uma prova do aumento da ansiedade está nas farmácias: ansiolíticos, como calmantes e tranquilizantes, representam uma das maiores vendas da indústria farmacêutica”, diz.

Ansiedade“Ela [a ansiedade] tem muita relação com a expectativa, o que vai vir. Eu fico ansioso porque algo que eu quero, ou que eu não quero, está chegando. O que acontece hoje é que temos um mundo muito incerto. Muitas coisas acontecem ao mesmo tempo”, afirma Claudio Garcia, presidente da LHH|DBM para a América Latina. E no trabalho essas incertezas acabam criando ambientes ou situações que são desconhecidos pela maioria das pessoas, ambientes em que elas precisam mudar, se adaptar para uma nova realidade. “Uma mudança que pressupõe que você saia de algo que conhece e domina para algo que desconhece. Há um processo inconsciente de você reagir emocionalmente ao desconhecido. É um processo de milhares de anos, desde que vivemos em comunidade: tudo que é novo para uma comunidade ou para uma pessoa deixa-a inconscientemente com medo, com raiva. A pessoa não quer se adaptar àquilo”, diz o consultor. “Imagine uma empresa. Nela, provavelmente, criou-se a expectativa de que está vindo algo novo que pode causar até a sua demissão, por exemplo. Isso gera a ansiedade. Dessa forma, percebe-se que no ambiente de trabalho há muita ansiedade porque vivemos em um mundo incerto, desconhecido, com muito mais mudanças que estão acontecendo de forma muito mais acelerada e que não faziam parte do nosso dia a dia.”

O curioso é que na experiência de Garcia em lidar com profissionais em transição de carreira, ele observa um certo anseio de mudança rápida e de novos desafios por parte dessas pessoas. “É engraçado: todo mundo quer mudar, quer uma carreira melhor, mas a mudança causa muita ansiedade”, diz. Parece que buscamos ser ansiosos…

Ele acrescenta outro fenômeno ligado ao tema que está sendo muito percebido e que se refere às gerações mais novas. “Algumas pesquisas mostram que esses jovens são muito mais ansiosos do que o pessoal das gerações anteriores. A geração Y é 50% ou até 60% mais ansiosa do que os Xs”, diz.

Isso ocorre por dois motivos, continua o consultor. “Um por causa desse algo muito incerto, mas que gera muito menos expectativas. Antes, as pessoas entravam na faculdade e, na metade do curso, já sabiam o que queriam fazer, ingressavam em uma empresa e por lá permaneciam durante 30, 35 anos”, conta. O segundo fator tem a ver com as referências de sucesso dessa geração. “Um garoto que está se formando agora tem como base de sucesso o Mark Zukemberg [criador do Facebook], ou o criador do WhatsApp, que são pessoas muito novas e que deram certo por causa de uma ideia e que ganharam milhões em dinheiro. Na minha época, os meus heróis eram pessoas que tinham muito mais idade do que eu. Mesmo o Bill Gates: quando ele começou a fazer sucesso já tinha mais de 40 anos de idade, uma carreira consolidada, muito caminho de empreender, de ralar e dar errado. Os jovens já entram na faculdade com uma expectativa muito grande de dar certo. E novamente essa expectativa causa uma ansiedade gigante.”

“Eles entram nas empresas já querendo ser o Zukemberg! Eles mal chegam na empresa e querem ser o presidente. Só que quando você observa esses novos ‘heróis’ percebe que eles são a exceção, da exceção, da exceção. São pessoas que representam um milionésimo da porcentagem dos jovens do mundo. A maioria dos jovens tem de caminhar pelos caminhos tradicionais de ter uma carreira sólida, mostrar que é competente, ir acumulando capacidade que gera confiança e assim vai”, complementa Garcia.

Ansiedade

Zukemberg, do Facebook: exemplo de sucesso e fonte de ansiedade

E essa ansiedade da geração Y acaba respingando na atuação das demais gerações. “Nas empresas, você precisa dessa geração porque, senão, não tem mão de obra. Assim, você acaba contratando-a com os problemas que ela tem, como foi também com as gerações passadas”, conta. A grande questão, segundo o presidente da LHH|DBM, é que a empresa e seus gestores obviamente terão de lidar com essa ansiedade. Até porque esses jovens estão chegando ao mercado com hábitos muito diferentes das outras gerações, hábitos que mudaram muito rapidamente influenciados pelas novas tecnologias. “O que acontece é que as pessoas das outras gerações – que já estão ansiosas porque também estão enfrentando um mundo desconhecido, cheio de tecnologia, de coisas com que elas não sabem lidar muito bem – acabam tendo de lidar com as expectativas dessa garotada, que é de performar, algo que não acontece de um dia para o outro. E todo esse contexto gera ansiedade.”

De acordo com Eliana Dutra, coach e diretora da Pro-Fit Coaching & Treinamento, a geração Y é mais ansiosa porque ela foi condicionada a isso. “Desde pequeno, esse pessoal sofreu o impacto do videogame, um jogo que é rápido e cuja mensagem de fundo é: vença os obstáculos e ganhe imediatamente o seu prêmio. Com esse pensamento, esses jovens chegam ao mercado de trabalho e querem recompensa imediata após os esforços”, diz. Por outro lado, pondera a coach, a geração X também era mais ansiosa que a geração baby boomer e assim por diante.

Eliana ainda garante que essa característica de ansiedade da geração Y também está relacionada aos tempos modernos, em que a noção de tempo e espaço sofre distorções. “Em outras épocas, descobriríamos dias depois o que se passou no Japão; hoje, quase que instantaneamente temos a informação, às vezes imprecisa, mas temos”, conta.

AnsiedadeGarcia também acredita que essa geração mais nova está com o viés do tempo alterado por conta da influência das novas tecnologias. Da mesma maneira que um jovem responde um e-mail de uma hora para outra, ele também espera que o fornecedor, a empresa ou a loja responda com a mesma agilidade. “E quando isso demora um pouquinho já gera ansiedade. Hoje, você compra algo na internet e fica ansioso para que o objeto chegue no dia seguinte, e pensar que esse processo demorava antes 30 dias”.

“Se, numa relação, você acostuma o outro a ter uma resposta imediatamente, no instante em que você não faz isso gera um desconforto na outra pessoa, sem dúvida. Eu não responsabilizaria o meio tecnológico em si por isso, mas, por outro lado, o que eu posso dizer é que as pessoas têm dificuldade em se desconectarem”, diz Mario Custódio, gerente da divisão de recursos humanos da Robert Half. “Por mais que eu não responda a uma mensagem sua, terei acesso a ela e aquilo vai ficar na minha cabeça, em algum momento tenho de te dar a resposta”, conta. “Às vezes, você está em casa, numa situação relaxante, e resolve abrir o e-mail profissional e recebe uma notícia ruim. Por mais que você não haja naquele momento, fica pensando ‘como vou resolver isso agora?’”, acrescenta. De acordo com Custódio, hoje, querendo ou não, boa parte dos profissionais, graças aos smartphones e quetais, tem acesso ao e-mail na palma da mão. “Antigamente, o e-mail ficava restrito ao ambiente de trabalho. Agora, antes de deitar, as pessoas acabam olhando o e-mail e, por vezes, acabam não conseguindo dormir por conta do conteúdo de algumas mensagens.”
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Mais e mais trabalho

Quantas pessoas você conhece que já disseram, um dia, que gostariam de ter um clone porque não dão conta do trabalho sozinhas? Em tempos de fazer muito com pouco, de redução de custos, de profissionais multitarefas, de equipes enxutas, não há como não perceber que, muitas vezes, o volume de trabalho ultrapassa o limite do razoável. “E essa carga de trabalho é um dos motivos que acaba gerando estresse e ansiedade no profissional. É sempre aquela sensação: ‘Hum! Não vai dar tempo de terminar isso, e agora?’ A situação cria um desconforto no profissional, que pode comprometer a qualidade do trabalho dele”, afirma Custódio. “A sensação que você tem é de que tudo tem de acontecer para ontem e quando alguma coisa sai dos eixos já dá aquele nervosismo porque pode impactar outra coisa que está interligada. Então, a ansiedade acaba, de fato, tendo uma interferência muito grande no estresse.”

Mas também não adianta querer controlar tudo e todos para não ficar vulnerável à ansiedade. Na verdade, como conta o psicólogo Agenor Maciel, o profissional que é controlador tende a ser mais ansioso: “Ele quer controlar o que vai acontecer e esse controle acaba trazendo para o presente um futuro que ainda não existe e que pode nem existir”.

AnsiedadeAlém do mais, por falar em administrar um tempo futuro, pensar na agenda de um executivo é pensar em algo muito difícil de ser administrado. Uma pesquisa do Bureau Internacional do Trabalho divulgou que o trabalho é interrompido a cada sete minutos, lembra Ururahy, da Med-Rio Check-up. Isso significa que a maioria dos executivos não possui uma agenda planejada, mas uma que atua por reação. “O estresse nada mais é do que a necessidade o indivíduo de se adaptar às mudanças, e, hoje, a velocidade dessas mudanças é cada vez mais acelerada. Além disso, há a convergência de diversos cenários que levam ao estresse”, conta o médico. No cenário mundial, ele exemplifica, há fatores como a inflação, a violência urbana e a banalização da corrupção; no cenário corporativo, há o aumento da concorrência, a necessidade de aumentar resultados com redução de custos, fusões e aquisições permanentes; e no cenário familiar há a cobrança dos filhos e da família em geral, a falta de diálogo e as separações cada vez mais comuns. “O resultado são executivos com estresse crônico.”

E o estresse crônico é um vetor para um estilo de vida inadequado. Ururahy explica que, em uma situação assim, as glândulas suprarrenais começam a produzir um excesso de cortisol e adrenalina, que afetam diretamente a saúde. O excesso de cortisol causa a queda da imunidade, abaixa o desejo sexual, ajuda a ganhar apetite e, consequentemente, também peso, além de gastrite e possível diabetes. Já o aumento da adrenalina amplia a pressão arterial e a frequência cardíaca, a concentração de açúcar nos músculos (que pode vir a resultar em diabetes) e o colesterol, além do fato de a adrenalina ser um estimulante que causa insônia. “Ao dormir mal, a pessoa acorda cansada, desenvolve sedentarismo, ganha peso e como consequência, busca estimulantes como alimentos açucarados, cafeína e, às vezes, remédios e drogas ilícitas. Quem sofre de estresse crônico tem as portas do seu corpo abertas às mais diversas doenças. Para ter uma ideia, segundo Harvard, o estresse é responsável por 80% das consultas médicas em todo o mundo.”

E como enfrentar esse problema? “O indivíduo deve conhecer a si mesmo e os fatores de risco para sua saúde. É de extrema importância promover um estilo de vida adequado, com alimentação equilibrada, sono de qualidade, exercícios físicos regulares, minimizar o uso de açúcares e evitar o consumo de estimulantes como cafeína e nicotina”, aconselha o médico. Nas empresas, é importante que o RH promova programas focados em prevenção, além de ações como possuir nutricionistas em seus refeitórios, estimular atividades físicas regulares, promover ações para evitar o tabagismo. “É papel do RH manter seus colaboradores motivados e com a saúde em dia, já que o assunto impacta diretamente a produtividade dos colaboradores e a saúde da empresa.” Esse talvez seja um dos casos em que pensar no futuro tem um resultado positivo.

Brasileiro é o mais estressado
Uma pesquisa realizada pela Robert Half com 1.775 diretores de recursos humanos de 13 países, sendo 100 do Brasil, apontou que os profissionais brasileiros são os mais estressados. Cerca de 42% dos entrevistados afirmaram ser muito comum ter funcionários enfrentando estresse e ansiedade em suas organizações, enquanto a média mundial ficou em 11%. O Chile aparece em segundo lugar, com 33% dos entrevistados considerando que trabalham com funcionários estressados.
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Quando questionados sobre os fatores que contribuem para o estresse e ansiedade dos colaboradores, o excesso de carga de trabalho foi a causa mais apontada pelos diretores brasileiros ( 52%), seguido pela falta de reconhecimento (44%) e pressões econômicas (38%). Já em relação às iniciativas que podem ser implantadas pelas companhias para driblar esse problema nos funcionários, 60% responderam que apostam no trabalho em equipe e 51% acreditam na reestruturação das funções de trabalho e tarefas.

 

O que o RH pode fazer
De acordo com Helder Valério, gerente de gestão e promoção de saúde da Mercer Marsh Benefícios, a área de recursos humanos primeiro precisa identificar se o problema da ansiedade é relevante entre os colaboradores da empresa. Para isso, ele recomenda avaliar as informações relacionadas ao absenteísmo e sinistro médico para quantificar o impacto da saúde mental nos indicadores relacionados à saúde da empresa. Uma vez identificado o problema, o RH pode investir em ações para minimizá-lo:
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► aplicação de um questionário de saúde com questões relacionadas à saúde mental e respectivos sintomas
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► capacitação dos gestores sobre como reconhecer os sintomas de estresse nos trabalhadores da sua equipe
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► cursos destinados aos trabalhadores sobre gerenciamento de estress
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► instituição de um programa de apoio ao empregado que ofereça aconselhamento gratuito sobre diversos aspectos da sua vida privada ou profissional
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► implantação de atendimento psicológico individual

 

Trajeto crítico
A falta de infraestrutura de transportes nos grandes centros, que leva a um deslocamento lento entre casa e trabalho, também conduz à ansiedade? Para Mario Custódio, gerente da divisão de RH da Robert Half, a resposta é clara: sim. “Temos um cenário em que não se fala mais em distância. A pergunta que se faz, ‘a quantos quilômetros você mora do seu trabalho?’, já não interessa mais, afinal não estamos medindo mais o tempo que se perde no deslocamento casa-trabalho”, conta. E isso também impacta bastante em termos de ansiedade e estresse. “Gastar tempo em atividades que não são produtivas do lado profissional nem do lado pessoal também levam a esse estresse. As pessoas tentam ao máximo dissociar a vida pessoal da profissional, mas muitas acabam ficando mal-humoradas porque queriam chegar em casa antes para praticar outras atividades.”, diz.

 

Como identificar um quadro de ansiedade em uma pessoa
Alguns sintomas estão relacionados aos quadros de ansiedade. São eles:
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► Dificuldade de concentração
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► Fadiga
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► Irritabilidade
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► Problemas relacionados ao sono

 

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